Lá aparece uma pequena maravilha em síntese descritiva, como a seguinte definição de Miguel Torga a respeito, neste caso, da “VIDA”, bem demonstrativa, na sua objectividade sensível, de um processo de evolução mental, na realização literária - pelo menos, se comparada a poesia descritiva nossa actual à dos nossos cantares medievais - pese embora todo esse passado literário épico e filosófico dos princípios da abertura humana ocidental, para além de tantas maravilhas arquitectónicas que a Idade Média, com as suas catedrais rendilhadas, nos deixou. Eis o singelo quadro da definição de Torga, demonstrativa da diferença entre estes tempos e os dos cantares de amigo:
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;
De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;
De poeira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma Mãe que faz a trança à filha.
MIGUEL TORGA DIÁRIO, 1941.
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Mas sim, às vezes tudo
parece retrocesso, e tem a ver também com um despoletar preguiçoso e ruidoso de
sentimentalismos granjeados na explosão de falsos preconceitos colhidos na
pressa de um bem-estar favorecido pela tecnologia e pelas filosofias
humanitárias dos pensadores criadores de novas concepções filosóficas e humanitárias,
que, colhidas no atropelo da ignorância espalhafatosa e pedante das gerações
que se pretendem mais altruístas do que as anteriores - o que tantas vezes tem
a ver com pura depravação nos costumes, de uma massificação generalizada - parecem
de facto mergulhar no caos e no atraso desse medievo de singeleza aparente,
dada a unilateralidade dos humanos estudos medievais, reservados então às
classes privilegiadas e que a massificação cultural da actual democracia converte
tantas vezes em falsa desenvoltura intelectual, de falso saber, com apenas espalhafato
e ruído toscos.
A moderna Idade Média
Estou já entusiasmado ao pensar em
todas as pessoas, mais ou menos humanistas, aflitas com um novo mundo em que
não-pessoas sejam mais espertas do que elas. Bem-vindos à Moderna Idade Média!
TIAGO DE OLIVEIRA CAVACO Pastor Baptista, colunista do
Observador
OBSERVADOR, 16 fev. 2025, 00:174
Chamar uma pessoa de medieval não é geralmente um elogio. Compreendo a prática e provavelmente já caí
nela. Mas tenho feito por abandoná-la. Quanto mais conhecemos a Idade
Média, menos prontos nos sentimos para ofendê-la. Socorro-me sempre do conceito de snobismo cronológico
inventado pelo C. S. Lewis para criticar a arrogância de quem hoje gosta de se
sentir intelectualmente superior aos que viveram antes de nós. Em
2025 farei por evitar qualquer atitude que me afague o ego ao sentir que os
antigos eram menos sábios do que eu. O que me leva a uma interessantíssima tese
com que me cruzei esta semana e que elogia o homem medieval.
O homem medieval está mais preparado para o mundo da inteligência
artificial do que o homem moderno, acredita Marc Andreessen. A ideia é
esta: o Iluminismo ao valorizar
tanto a razão tornou as pessoas demasiado concentradas em si mesmas e
ontologicamente impermeáveis—dificilmente acreditamos em vida além das
fronteiras da lógica que verificamos empiricamente. Mas a inteligência artificial vem
arruinar esta mentalidade porque desafia o monopólio que os humanos sentem ter
da razão, ao encher o mundo de outras formas de inteligência. Até o ateu mais
sofisticado vai reconhecer que há agora modos de raciocínio que o transcendem e
de eficácia superior ao nosso.
Um camponês medieval está mais preparado
para este novo normal do que o cientista da NASA. O
primeiro acreditava que o mundo estava cheio de seres espirituais mais
inteligentes do que ele, e habitava esse mundo munido de práticas religiosas
que o treinavam em admissões de humildade. O que podemos aprender com isto? Ser humilde não é apenas uma forma de reconhecer que
há gente mais inteligente do que eu; é uma forma de ser mais inteligente
precisamente por reconhecer isso. A humildade tem dois
sentidos: faz-nos calçar as nossas tamanquinhas, mas também nos faz ir mais
longe com elas. O maior cérebro sem humildade é mais burro do que o burro com
ela.
Gosto desta tese. Também tenho
pensado em inteligências artificiais ultimamente. Aliás, vou ao ponto de pensar que, para mim, todas as inteligências são
artificiais, até as mais naturais. Mas esse é outro assunto, ao qual
tentarei regressar depois. Interessa agora não perder a pista do Mark Andresen.
Seguindo este raciocínio, vem
aí um mundo mais encantado à custa dos robots, o que não deixa de ser
engraçado: julgávamo-nos a caminho de uma mecanização de tudo mas encontra-nos
um novo mistério, em que inteligências não-humanas rivalizam connosco. Podem
não ser as fadas ou os anjos ou os duendes mas certamente sozinhos não
ficaremos, armados em espertos na nossa exclusividade racional.
Tendo
a ser a favor de tudo o que belisque a nossa mania. Também por isso nunca fui
nem serei um humanista. Humanismo é uma palavra bonita para a cagança que
herdámos do Iluminismo, a época que se julgou muito melhor do que a anterior, a
Medieval. Estou já entusiasmado ao pensar em todas as pessoas, mais ou menos
humanistas, aflitas com um novo mundo em que não-pessoas sejam mais espertas do
que elas. Bem-vindos à Moderna Idade Média!
HISTÓRIA CULTURA CRÓNICA OBSERVADOR
Cisca Impllit: Belíssima ironia. Mas a verdade é que estamos
todos à toa sem saber o que vem aí. e
nós aí! Gonçalo
Soares de Jesus: Interessante. Oscar gomes: A I A e as máquinas de computação que trabalham com os
dados que lhe colocamos são um órgão artificial (prolongamento das funções
cerebrais i.e. do próprio cérebro) de que o homem dispõe no presente, tal como
dispõe de outro orgão artificial qualquer (o garfo ou a colher que lhe prolonga
as funções da mão, o automóvel ou o avião que lhe prolonga a função das pernas
etc etc...). Tirar
conclusões mais complexas depende da imaginação e criatividade de cada um... Rosario
Prata: Neste singelo
texto é claríssimo que não percebe nada da Idade Média nem do Iluminismo nem de
lógica e muito menos de inteligência artificial. Mas de ego, do seu, do
borbulhar judicativo sobre os outros, esta santa alma nunca se cansa. Já há
muito que tinha desistido de ler mas hoje lá calhou...e pronto!
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