sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Já agora

 

Eis a 2ª estrofe completa d’OS LUSÍADAS, em apoio do texto e seu título, por GUILHERME DE OLIVEIRA MARTINS, que evoca, julgo que com amor pátrio oportuno, um dos nossos grandes heróis que, com o seu trabalho de orientação na ESCOLA MARÍTIMA DE SAGRES se tornaria responsável pela dilatação do conhecimento dos mundos terrestres da distância marítima…

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis, que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando;

E aqueles, que por obras valerosas

Se vão da lei da morte libertando;

Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

«E também as memórias gloriosas»

Dotado de inteligência superior, D. Henrique ligava razões diversas – políticas, económicas, sociais e religiosas –, à luz do seu tempo.

GUILHERME D'OLIVEIRA MARTINS Presidente do Conselho das Artes do Centro Nacional de Cultura

OBSERVADOR, 13 fev. 2025, 00:155

Prosseguimos a reflexão sobre os nove séculos de independência de Portugal, compreendendo que a consciência colectiva da nacionalidade corresponde a um processo longo e progressivo. Há uma cadeia de factos históricos cuja articulação conduz à maturidade do fenómeno nacional.

O Infante D. Henrique

Se há figura na História portuguesa rodeada de uma aura especial, essa é a do Infante D. Henrique (1394-1460). São riquíssimas a sua experiência e a influência que exerceu no seu tempo e no século seguinte. Uns glorificam-no, outros apoucam-no e talvez todos estejam algo fora da verdadeira consideração.

 O Infante D. Henrique, num fólio da «Crónica dos Feitos da Guiné», de Zurara.

Sobre os mistérios existentes, basta lembrarmo-nos do debate sobre a vera efígie do Infante. A mais próxima imagem de quem teria sido Henrique é a que está no pórtico sul do Mosteiro dos Jerónimos, no entanto são as representações da «Crónica dos Feitos da Guiné» de Zurara, que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris, e a dos Painéis ditos de S. Vicente, de Nuno Gonçalves, no Museu Nacional de Arte Antiga, que nos permitem identificar facilmente Henrique, o Navegador.

De facto, o Infante tornou-se quase um mito, apesar de ser uma das figuras históricas portuguesas sobre quem é possível definir com maior rigor um percurso de coerência e de vontade. A decisão da exploração da costa de África, e tudo o que se lhe seguiu, é algo que merece cuidada análise – correspondente à ponderação de decisões e acontecimentos que têm tudo menos de acaso. A conquista de Ceuta (1415) permitiu a compreensão das dificuldades colocadas, a Portugal e à Península Ibérica, na entrada do Mediterrâneo e no comércio com o Levante. As cinco razões da «Crónica dos Feitos da Guiné» de Gomes Eanes de Zurara têm de ser lidas em estreita ligação com as fortes condicionantes económicas, políticas e territoriais: (a) a vontade de conhecer as novas terras; (b) as razões comerciais para a troca de produtos; (c) o poderio dos “mouros daquela terra d’África”, muito maior do que comummente se pensava”; (d) o saber se haveria rei cristão naquelas paragens; (e) a expansão da fé cristã.

Sobretudo, pouco se entenderá deste movimento, se não invocarmos a profunda crise económica e social sentida em Portugal e na Europa no último quartel do século XIV, ainda sob efeitos da peste negra, que obrigou à procura de alternativas. Se o Infante não é uma figura isolada, o certo é que tem uma quota-parte fundamental no planeamento e na administração de um reino que não poderia nem queria ficar confinado ao território peninsular, às limitações mediterrânicas e às ameaças dos mouros, árabes e otomanos. D. Henrique foi marcante e cioso dos seus domínios, era duque de Viseu, senhor da Covilhã, governador da Ordem Militar de Cristo, senhor dos arquipélagos da Madeira e dos Açores e do barlavento algarvio, mas também detentor do monopólio das saboarias, da pesca do atum, da produção do pastel ou da pesca do coral.

A Ínclita Geração

Há, no entanto, uma notável complementaridade no seio da chamada Ínclita Geração, os Altos Infantes. A figura do Pai, D. João I, é a de um autêntico refundador do Reino, na sequência de D. Afonso Henriques e D. Dinis, cada um a seu modo, sendo criador de uma realidade política nova ligada à grande frente marítima atlântica, mas também às influências mediterrânicas.

Se cuidarmos da análise dos acontecimentos, depressa descobrimos que os filhos do Rei da Boa Memória, D. Duarte (o Leal Conselheiro), D. Pedro das Sete Partidas e D. Henrique articulam inteligentemente acções. A leitura da célebre carta de Bruges, enviada por D. Pedro a D. Duarte, ainda príncipe herdeiro, além de nos revelar a defesa do que mais tarde se designaria como fixação por contraponto ao transporte, apresenta-nos o que poderíamos designar como um projeto nacional – com uma Administração moderna, uma economia adequada à inovação, uma universidade capaz de seguir o que de mais avançado outras faziam e uma procura de novos modos de funcionar e agir.

Está, aliás, por esclarecer inteiramente qual a influência das informações de D. Pedro, recolhidas no périplo europeu e nas navegações promovidas por D. Henrique na costa africana. O certo é que quer o “Livro das Maravilhas do Mundo” de Marco Polo quer um misterioso mapa de Fra Mauro devem ser lembradosnão que tenham definido um plano para a Índia, que só o Príncipe Perfeito assumirá, mas como a necessidade de procurar, como diz Zurara, uma aliança estável para favorecer o comércio com o Levante.

Não seria ainda a Índia o objectivo, mas D. Henrique estaria a pensar na Terra Santa, preocupado com o seu próprio poder e a sua influência, com a sua vocação de cruzado do novo tempo. A atitude perante o desastre de Tânger e o cativeiro de D. Fernando deve ser lida a esta luz. E, se dúvidas houvesse, basta lembrarmo-nos de que, mais tarde, Afonso de Albuquerque persistiria na ideia da libertação da Terra Santa.

O amplo poder do Infante

Dotado de uma inteligência superior, D. Henrique ligava razões diversas – políticas, económicas, sociais e religiosas –, à luz do seu tempo. Importa, pois, reconhecer o significado da articulação de vontades e inteligências e da sua extraordinária capacidade para seduzir e para convencer. E não poderemos esquecer ainda a influência europeia de D. Isabel de Borgonha, casada com Filipe, o Bom, e mãe de Carlos o Temerário.

Segundo João Paulo Oliveira e Costa, despojado do mito, D. Henrique não é apenas o Navegador, é o príncipe preocupado com o seu senhorio e com a sua influência política e um cortesão que sabia influenciar e enlear as demais figuras da corte, através de uma simpatia que o colocou sempre acima das divergências que dividiam os membros da família real. O Infante moveu-se intensamente em todo o reino, e os períodos de maior frequência nas deslocações, «coincidem com a sua mais intensa acção expansionista: 1437-1441 e 1443-1445. Em ambos os períodos, correu de Lagos a Viseu, cidades gémeas no seu entender. Na primeira, assistia à partida e chegada das embarcações e à repartição das mercadorias; em Viseu, de ordinário, arrecadava o quinto e demais fracções que lhe cabiam.

Aquando do conflito trágico, que culminou na Batalha de Alfarrobeira (1449), D. Henrique procura contemporizar, sem sucesso, mas é sob a sua influência que o corpo de D. Pedro irá para a Batalha, não podendo esquecer-se que, com interferência do Rei, ver-se-á reconhecido pelo Papa como director das navegações, conquistas, ocupações e apropriações de todas as terras, portos, ilhas e mares do continente africano e mesmo dos ainda a ocupar da Guiné para sul sem fixação de quaisquer limites («per totam Guineam et ultra»).

Regressar à leitura da História não pode significar nem saudosismo, nem ilusão ou descanso nas glórias passadas, mas sim responsabilidade e compreensão das situações diferentes dos vários tempos. Longe da ideia de acaso ou de improviso nas memórias gloriosas do que se trata é de olhar para diante em cada tempo, com conhecimento e audácia.

                                                                                                                                                                                  (Continua)

[Os artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. As opiniões dos autores representam as suas próprias posições.]

PORTUGAL 900 ANOS     HISTÓRIA     CULTURA

COMENTÁRIOS:

Francisco Almeida: Profundamente desapontado com o texto. A exemplo da historiografia do Estado-Novo, realça o bom e oculta o mau. Note-se que nada tenho contra a historiografia do Estado-Novo e li com muito prazer a História de Portugal de João Ameal. Mas essa destinava-se a crianças, no quadro geral de um país inculto, fazendo todo o sentido incentivar e desenvolver os mitos dos heróis. Mas, não sendo esse o escopo - ou será que é? - em termos de verdade histórica, este artigo é menos do que sofrível.                    Licínio Bingre do Amaral: Excelente artigo. Espero pela continuação.                     Tim do A: 9 séculos de independência. A independência das orientações de Bruxelas? E do dinheiro de Bruxelas? Portugal já não é independente. É um protectorado da UE. E deixou de ter interesses próprios. Os interesses de Portugal são agora os de países estrangeiros. Nomeadamente, os emanados de Bruxelas. Mas também os de Espanha, como a bitola ibérica na ferrovia. E territorialmente, se considerarmos 1143, não sei se chegaremos aos 900 anos. A Rússia anda a cobiçar Lisboa já há uns tempos. E continua. Por tudo isso, independentes é força de expressão.                       Maria Nunes: Excelente artigo.       Manuel Lisboa: Crónica muito interessante. De facto, o Infante Dom Henrique continua a ser uma figura extraordinariamente importante na História de Portugal e Universal. Talvez, em conjunto com Dom Nuno Álvares Pereira, continue a ser a personalidade histórica portuguesa mais influente, que não foi Rei. Aliás, se me lembro bem, nem a obra de Peter Russell "Prince Henry the Navigator, a Life", apesar de ter tentado, não conseguiu expurgar completamente a auréola mitológica, que continua a prevalecer naquele quinto filho do Rei de Boa Memória. Monarca ainda tão presente no Palácio de Sintra. Significativa igualmente a evocação da irmã a brilhante Infanta Dona Isabel, a grande Duquesa de Borgonha (na sua época o estado mais rico da Europa) em honra da qual foi criada a célebre Ordem de Cavalaria " Tosão de Ouro" e que contribuiu de maneira relevante para o povoamento dos Açores, apoiando o seu irmão Henrique, do qual, se diz, era bastante próxima.

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