Que “Águas
passadas não movem moinhos”, ou “O
que lá vai, lá vai”. Hitler figura nos espaços televisivos, ou nos
compêndios de História, sem esquecer o proveito que dele fazem os Putins para
justificar as suas guerras “à Hitler”, embora desta vez com os drones de longo
alcance e os ares de hipócrita compostura putiniana, em contraste com a
expressão de permanente e altiva irritabilidade do fácies e voz hitlerianos. Não,
não parece que a Alemanha alguma vez possa andar “à deriva”, sérios e seguros
de si que são os Alemães, e menos ainda em face de um Trump de poderio e alarido
vistosos e um tanto risíveis, mau grado os ameaços de violências próximas,
inesperadas e absurdas. Mas tudo pode acontecer, pois já está acontecendo, no
mundo de ambição e vilania… e distracção também.
Como ajudar a destruir o mundo que conhecemos
Ao mencionar a culpa alemã como
colectiva, Musk não reabre apenas feridas. Retira a ligação da América à
Alemanha do pós-guerra. E o pior que pode acontecer à Europa é uma Alemanha à
deriva.
ANDRÉ ABRANTES AMARAL Colunista do Observador
OBSERVADOR, 02
fev. 2025, 00:2018
Por uma coincidência dos diabos
aconteceu-me estar a ler a autobiografia de Simone Veil, ‘Une vie’ no dia em que
se assinalaram os 80 anos da libertação de Auschwitz e em que Elon Musk afirmou que os alemães deviam esquecer a
culpa pelo passado nazi. Se a coincidência foi curiosa, a verdade é que
também se tornou útil. Útil, porque Musk parte de um equívoco em que Veil nunca
caiu: o da culpa colectiva.
Judia e francesa, Simone Veil foi
deportada para Auschwitz, em Março de 1944, e daí retirada para Bergen-Belsen,
de onde foi libertada em Abril de 1945. Perdeu o pai, a mãe e o irmão. Da sua
família de origem restaram as duas irmãs, Milou e Denise. Regressou a Paris
esmagada por uma imensa tristeza, mas isso não a impediu de recuperar a sua
vida. Estudou, casou, fez questão de trabalhar para ser financeiramente independente
do marido, teve filhos, uma carreira, na magistratura e na política. No seu
livro, escrito em 2007, diz não esquecer quem lhe fez mal e lembra quem a
ajudou. No mais, esclarece que não
generaliza a culpa entre os alemães. Pelo contrário, recorda uma antiga
prostituta alemã, responsável pelo sector onde Simone se encontrava e que, sem
que esta percebesse porquê a ajudou, mais à sua mãe e irmã, colocando as três
numa zona de trabalho mais segura. É
extremamente crítica do comportamento dos franceses, por os judeus (inclusive,
franceses) terem sido mais mal tratados pelo regime de Vichy que mais tarde o
foram pelos italianos, quando estes tomaram o sul de França, entre Nice e
Toulon.
Veil chega mesmo a criticar Hannah Arendt e o seu conceito da
responsabilidade colectiva e da banalidade do mal. No meio da maldade incompreensível que sofreu, Simone testemunhou e
beneficiou da bondade humana, de gestos de quem, sem esperar por qualquer
recompensa, se recusou a fazer o mal. Pessoas que resistiram à
maldade e, desse modo, destruíram a sua banalização. Ao longo da sua longa
vida, Simone Veil nunca culpou os alemães. Propugnou apenas pelo alerta constante ao ódio que nasce e que se
alimenta da ignorância, da indiferença, do fechar de olhos à realidade; aos
factos. À verdade. Como resultado da sua lucidez, não teve qualquer problema em
viver na Alemanha, logo nos anos 50, e entendeu que o futuro da
Europa dependia dos acordos entre Paris e Berlim.
A Alemanha actual foi criada com a
lucidez de espírito de pessoas como Simone Veil. Mas
também com o forte apoio dos EUA. É
neste ponto que as afirmações de Elon Musk são relevantes. Musk não
se limita a generalizar a culpa que, no seu entender, os alemães devem
esquecer. Os efeitos do que disse
vão mais longe porque desligam os EUA da Alemanha nascida no pós-guerra. A
Alemanha de Adenaeur, de Brandt e de Kohl foi uma Alemanha com um destino construído
no seio da Europa porque o acesso ao exterior do continente era garantido por
Washington. Basicamente, porque a culpa não foi colectivizada e havia lugar
a que se agisse em igualdade e sem necessidade de esquecer o passado.
Musk
foi vítima de bullying por parte do pai e dos colegas,
pessoas concretas que conheceu e que pode identificar a qualquer hora, ao
contrário do que, curiosamente, sucedeu a Simone
Veil. No entanto, e no uso que faz da sua rede social, na qual diz o que lhe apetece sem
qualquer tipo de filtro e opera,
como Anne Applebaum escreve na ‘The Atlantic’, fora do
sistema legal, ou pelo menos fora das responsabilidades legais a que se sujeita
a imprensa tradicional, não se
limita a abrir feridas. Se a
maioria dos norte-americanos e dos alemães o escutarem, Berlim terá novamente
de se preocupar com o acesso às matérias-primas e a mercados onde possa escoar
os seus produtos, conforme há dias tive oportunidade de referir. Se assim for, a saída da Alemanha do
centro da Europa não será fruto do ressurgimento da extrema-direita, mas devido
ao reposicionamento interno de uma aliança em que cada Estado tem desempenhado
o papel que lhe foi incumbido em nome de um equilíbrio que a história levou
séculos a nos ensinar como lidar com ele.
ALEMANHA
EUROPA MUNDO ELON MUSK TECNOLOGIA
COMENTÁRIOS (de 18)
Meio Vazio: É abusivo afirmar que o
desafio de Musk presume no mesmo a convicção de uma culpa colectiva alemã;
convoca, isso sim, um facto: uma quase universal, mas injusta e vexante,
responsabilização dos alemães "tout court" pelos crimes do nazismo. Um "pecado original"
hetero-imposto que toca qualquer Klaus ou Gretchen, mesmo que recém-nascido.
Tome-se como exemplo a facilidade com que se adjectiva de "nazi"
qualquer soldado cumprindo o serviço militar obrigatório no III Reich e, em
contraponto, a repugnância em apelidar de fascista quem, servindo nas forças
armadas portuguesas, combateu (até voluntariamente) em África entre 1961 e 1974
(muitos desses homens, aliás, posteriores "campeões da democracia").
Seja mais perspicaz, senhor Amaral. Ou mais sério. José Martins de Carvalho: A afirmação de Elon Musk de
que os alemães devem esquecer a culpa pelo passado nazi não pode ser
interpretada como "os alemães são nazis". E muito menos como
detonador de sanções americanas que isolem a Alemanha. É certo que a Alemanha vai
perder mercado para os seus magníficos automóveis de combustão interna, e não
tem matérias-primas para automóveis eléctricos, nem energia barata. Porém, não
é a Elon Musk que deve pedir contas, mas sim aos seus "verdes", por
cujas cantigas se deixou levar. Lily Lx: Musk tem razão. Os alemães vivem presos à expiação da culpa. Foi por isso
que abriram o país a milhões de imigrantes. Está na hora de parar com a culpa e
a destruição do país. Paul C. Rosado: Este texto parece-me falacioso. O que Elon Musk disse está correcto. Não é
o Musk que entende que os alemães são colectivamente responsáveis. O que ele
diz é que devem deixar de se sentir colectivamente responsáveis. Estar a acusar
o Musk de abrir feridas ao "mencionar a culpa alemã", neste contexto,
não faz qualquer sentido.
Futari Gake: AAA, diga logo ao que vem,
pois o artigo é um saco de banalidades e de conclusões depois de ler Veil ou de
fazer interpretações sobre Musk e a Alemanha. Afinal que mundo quer ajudar a
destruir não percebi e "conhecemos" é muita gente. Por mim o caminho seguido pela Alemanha há muitos anos é o caminho do
socialismo, como o da UE e das políticas de portas abertas sem controlo que
começaram com Merkel e Blair, depois a destruição da indústria pela política
energética dos vários governos alemães da CDU e SPD até agora. No momento, ficam apenas as
promessas feitas antes de eleições, o caminho para o suicídio da Alemanha está
determinado, o depois, logo se verá e não vai ser Musk que irá influir nisso,
será a roleta das eleições e o bom-senso de quem as ganhar. Bom-senso do lado
do SPD, não existe há muito e da CDU, se verá, se quer uma Alemanha cada vez
mais pobre e socialista ou se fecha a porta às políticas impostas pela Agenda
2030. José B
Dias: Quais as "responsabilidades legais" a que a imprensa tradicional
sujeita quem nas suas páginas ou "sites" escreve colunas de opinião?
Ou será melhor perguntar a Anne Applebaum cuja opinião dificilmente não foi ou
é afectada por ser judia, filha e neta de judeus do antigo Império Russo e
casada com um polaco que até foi Ministro das Relações Exteriores? Por exemplo, que limitações ,
decorrentes do "quadro legal", foram impostas ao aqui cronista pelo
jornal Observador que não existiriam se este estivesse a publicar no X como
Musk? PS: e sim, já é mais do que tempo de deixar de pensar em nazis e holocausto
sempre que a Alemanha é mencionada e fazer os netos continuarem a pagar por
acções ou inacções dos seus avós e bisavós. Por8175:
É impossível
imaginar até onde é que a gente como AAA consegue ir no seu irracional e
faccioso ódio a Trump! Este artigo é um glorioso exemplo de "wokismo"
- porque é que o autor não se filia no BE? E porque é que não identifica a sua
cor? Isto é que seria transparência, que é impedida pela falta de honestidade
intelectual, que se pretende impor aos outros! Lamentável artigo! Jorge
Freitas: Não percebi nada. E parece-me
que o autor também não. Os alemães não interiorizaram alguma vez culpa
alguma, simplesmente seguiram com a vida como lhes foi possível, e dada a sua
proverbial capacidade de fazer o que lhes mandam sem pensar muito, deram-se
relativamente bem no campo económico. Os floreados sobre 'a culpa colectiva'
foram, nesse processo, muito úteis para dar à Alemanha uma aura de país
eticamente especial, que lhes permitiu fazer negócios convenientes com Rússias
e Chinas sem grandes sentimentos de culpa, uma vez que já tinham feito aquela
mortificação colectiva toda em relação ao passado nazi. Musk tem razão:
deixem-se de tretas e passem a ser um país normal (e deixem de se esconder
atrás da assunção de responsabilidades passadas para enfrentar a responsabilidade das asneiras que
fizeram no presente).
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