segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

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Dos tempos antigos, dos tempos modernos, de todos os tempos, afinal, mau grado a democrática postura, hoje, de alguns de nós, ou a postura finória de tantos mais, condicionantes estratégicas das evoluções políticas  variegadas. Como sempre, o prazer do aprofundamento de dados que mal conhecíamos, com as ilações ou comentários aclaradores, com que se e nos apraz a destreza espiritual de JAIME NOGUEIRA PINTO.

A ascensão e queda de Thomas Cromwell

Nada como uma boa série para descansar do mundo agitado pela nova política externa de Donald Trump e das “malas que não vieram por bem” da política doméstica, entre outras deploráveis touradas

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 08 fev. 2025, 00:1726

Wolf Hall, Bring up the Bodies e The Mirror and the Light, de Hilary Mantel, é uma trilogia que, além de ser um premiado “best-seller” literário, foi adaptada – e bem-adaptada – por Peter Kominsky para uma série de televisão. Tenho estado a vê-la, para descansar do mundo agitado pela nova política externa de Donald Trump e das “malas que não vieram por bem” da política doméstica, entre outras deploráveis touradas; além das corriqueiras movimentações pré-eleitorais.

A história de Thomas Cromwell, nascido no povo no final do século XV, em Putney, Surrey, Sueste da Inglaterra, é bem mais interessante.

Cromwell terá nascido em 1485, o ano da batalha de Bosworth Field, que pôs fim à guerra das Rosas, entre a Casa de Lancaster (rosa vermelha) e a Casa de York (rosa branca). Em Bosthorth, Ricardo III, Ricardo de York – o tenebroso corcunda infanticida, assassino dos sobrinhos, da tragédia de Shakespeare foi vencido por Henry, conde de Richmond, filho de Eduardo e de Margarida de Beaufort. Margarida descendia de Eduardo III através de João de Gant, duque de Lencastre, pai da nossa D. Filipa de Lencastre, mãe da Ínclita geração.

Henrique VII, o Tudor vitorioso, foi então aclamado rei e reinou até 1509. Sucedeu-lhe Henrique VIII, o “rei Barba Azul”. Na versão televisiva, Henrique é interpretado por Damian Lewis, que se tornou famoso no papel de Nicholas Brody, na série Homeland Security, em que contracenava com Claire Danes, a bipolar agente da CIA.

Aqui, Lewis não é o marine cativo do Al-Qaeda e virado no cativeiro; é o todo-poderoso rei Tudor que, não tendo filho-homem que lhe suceda ao fim de vinte anos de casamento com Catarina de Aragão, pretende que Roma lhe anule o casamento. Para tal, conta com a diplomacia do seu Lord Chanceler, Lord of the Privy Seal, o cardeal Thomas Wolsey, Arcebispo de York, papel desempenhado na série por Jonathan Price.

Um homem do povo

Mas Roma não cede e, por isso, no início da história, Henrique está furioso com Wolsey, que não conseguiu convencer o Papa a anular o casamento. Henrique quer Ana Bolena, mas ela não quer ceder-lhe sem casar. E lá aparece Cromwell, Thomas Cromwell, advogado e colaborador predilecto de Wolsey. Cromwell, filho do povo comum, andara pelo Continente, lutara em França e Itália como mercenário e trabalhara com os Frescobaldi, banqueiros de Florença. E dedicara-se também a negócios na Antuérpia, nos Países Baixos.

Cromwell é um fiel de Wolsey e vê com muita pena a sua queda, forçada por Ana Bolena, já favorita de Henrique. Wolsey morre em desgraça, escarnecido pelos cortesãos, entre eles um dos Howard, irmão da amante do Rei.

Tudo isto leva Henrique a abandonar a Igreja Católica e a criar a Church of England de que se proclama chefe. Ana Bolena também não lhe dá herdeiro macho, apenas uma menina, Isabel, que será a grande rainha do século XVI inglês.

Thomas Cromwell (Mark Rylance) torna-se então o homem de confiança do rei, através de um jogo ambíguo em que serpenteia numa corte que é também um espaço de alto risco. Nessa corte, Thomas More, um fiel dos Tudor – autor da Utopia e de The History of King Richard the Third que serviria de fonte a Shakespeare para o perfil negro do vencido de Bothsworth – não cede e vai pagar com a cabeça a sua fidelidade a Roma.

A Europa estava no ferro e fogo da Primeira Reforma e das guerras de Itália entre Francisco I e Carlos V. Os lansquenetes de Carlos V tinham saqueado Roma em 1527, mas, depois, o Papa e o Imperador tinham-se reconciliado e aliado contra o Tudor.

Cromwell é o grande responsável pela política anti-católica de encerramento e nacionalização dos mosteiros. Foi – e é, nesta ficção filmada – uma personagem maquiavélica, um homem só, que se põe ao serviço do Rei e se torna o grande responsável pela Reforma em Inglaterra, mostrando em todo o seu comportamento “a strict attention to business”. Torna-se indispensável a Henrique, mais voltado para as mulheres e para a caça.

Shakespeare e o poder

Em Henry VIII, a peça histórica de Shakespeare, Cromwell aparece como uma personagem secundária, leal a Wolsey e ao Rei. A peça foi representada em 1613, no reinado de Jaime I. Fascinado pela política como arte do poder num tempo e num lugar em que o motor era o favor ou o desfavor do Rei, Shakespeare não foi, nem precisava de ser, um historiador rigoroso e escrevia num tempo de riscoa censura isabelina não ficava atrás em penalizações da inquisição espanhola.

Mantel, a autora do livro que deu origem à série, confessou a sua admiração por Shakespeare, narrador da teia do poder e dos poderes, exemplificando a sua genialidade com o rasgo oratório de Marco António em ”Júlio Cesar”, capaz de fazer com que uma multidão favorável a Brutus e aos assassinos do ditador mudasse de opinião e partisse depois à caça dos que antes admirara.

Shakespeare usa como inspiração e guião para as peças históricas as Chronicles de Raphael Holinshed. Em Wolf Hall e na trilogia, Mantel transporta-nos para a corte Tudor, antro da intriga e da luta das grandes famílias pelo favor de um rei humano, demasiadamente humano, e sensível a paixões e emoções. A história, envolvendo o corte com Roma, iria ser determinante para a Inglaterra e para a Europa, com a ascensão e queda de validos e”influencers” – queda às vezes seguida de expiação pública por decapitação.

Thomas Cromwell domina a história. Não como Príncipe maquiavélicoo príncipe é Henrique – mas como maquiavélico ministro do Príncipe que, ao contrário do seu senhor, é lúcido, frio, racional. Alguém que, à semelhança do seu venerado mestre e antecessor Wolsey, tem uma história de vida marcada por uma ascensão política e social pouco comum para um “comum”. Na narrativa de Mantel, Thomas assume-se como leitor do manual de conselhos aos príncipes que o Florentino, em desgraça, escrevera e dedicara a Lourenço de Médicis, o novo senhor de Florença em 1512-1513, para obter o seu favor.

E segue com minúcia e paciência os conselhos de Maquiavel: depois da queda de Wolsey, instigada por Ana Bolena, vai assessorando o Rei e pactuando com a nova rainha; mas sabe distanciar-se quando percebe, depois das sucessivas perdas de Ana, que o tão desejado herdeiro homem não viria. Viera Isabel, que seria uma grande rainha, depois de Maria, a filha de Henrique e Catarina de Aragão, que reinando quatro ou cinco anos, tenta reconverter a Inglaterra ao catolicismoMaria, a Católica, ou, mais partidariamente, Maria a Sanguinária, Bloody Mary.

A queda

O Chanceler já não viu nenhum destes acontecimentos. O desfavor real chegara mais cedo, depois de ter intervindo na negociação de mais um casamento de Henrique, o quarto, com Anne de Cleves. Jane Seymour, a terceira mulher de Henrique, dera à luz, finalmente, um varão, o futuro e malogrado Eduardo VI, mas a Jane morreria duas semanas depois. Cromwell negoceia novo casamento com Anne de Cleves, irmã do duque de Jülich-Cleves-Berg, que o Chanceler inglês queria como aliado. Na base há um retrato da noiva, pintado por Holbein, que a favorece e o empenho de Cromwell em exaltar a beleza de Anne. Henrique sente-se enganado pela imagem quando conhece o original e recusa-se a consumar o casamento com uma mulher tão feia.

Entretanto, um dos grandes inimigos do Chanceler, o duque de Norfolk, fora bem-sucedido numa missão a França, abrindo espaço para que Cromwell fosse acusado de fundamentalismo religioso e de simpatia pelos radicais bonapartistas.

Cai bruscamente em desgraça. Assim era o favor de Henrique. Em 1540 Thomas fora feito conde de Essex, mas logo em Junho desse ano seria preso sob múltiplas acusações, na sua maioria absurdas, enviado para a Torre de Londres e decapitado, no mês seguinte.

Quando o carrasco lhe perguntou se queria que lhe tapasse os olhos, Thomas (que, entretanto, fizera um comovente discurso de contrição, apelando por uma última vez à misericórdia do Príncipe) ter-lhe-á respondido que sim, “To spare You …”, para o poupar a ele, carrasco, à agonia.

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COMENTÁRIOS (de26)

Glorioso SLB: Misturas bonapartistas no século XVI. Alguma coisa ñ bate certo.

José B Dias > Américo Silva: Creio que terá sido vítima de um qualquer estranho "cruzamento de linhas" ...

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