Saber recuar para conceitos adoptados por figuras – justas – do
passado, quando os deslumbramentos do presente se revelam opacos. Ou ocos. Ou
mesmo falsamente beneméritos. Na realidade, desprezadores da Pátria e da sua
História. Por vezes, dos preceitos de honra, mesmo entre os de quem se
esperaria a lisura, por via do cargo cimeiro. Lá como cá. JAIME NOGUEIRA PINTO,
exemplo de lucidez esclarecedora dos factos e cordelinhos que os unem.
O passe de mágica
Com os separatismos de sempre, a má gestão do Estado e da economia e
as suspeitas de corrupção a caírem sobre a mulher e o irmão, Sánchez resolveu tirar da cartola o coelho do
anti-fascismo.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 01 fev. 2025, 00:1823
Com problemas sérios por resolver –
os separatismos de sempre, a má gestão do Estado e da economia, a que se juntam
as suspeitas de corrupção e favoritismo da mulher e do irmão do chefe do governo
espanhol – o que fazer? Talvez
agitar o fantasma de Franco e do fascismo. Por que não comemorar o
cinquentenário da instauração da democracia no cinquentenário da morte do
Generalíssimo, em 20 de Novembro de 1975? A transição podia só se ter concretizado com a Lei para
a Reforma Política, submetida
a Referendo em Dezembro de 1976
e com as eleições de 1977, ou até, mais exactamente, com a aprovação popular da Constituição, em Dezembro
de 1978, mas, com a “extrema-direita”
a atacar, o fascismo a espreitar e Trump de regresso à Casa Branca, a
celebração da democracia tornava-se urgente – e extremamente conveniente.
Nada
como agitar o espectro de Franco para salvar a democracia ameaçada,
lembrando aos espanhóis os horrores da ditadura e fazendo-os esquecer a
presente má gestão e as suspeitas de corrupção pendentes. O facto de Franco estar
morto há meio século e de nada nem ninguém ameaçar a democracia espanhola – senão os separatistas catalães e vascos
– era irrelevante.
Cátedras e contratos
Com
a mulher, Begoña Gomez, acossada pelos tribunais e a dificuldade em conseguir
maiorias no Congresso dos Deputados para aprovação do Orçamento, Pedro
Sánchez resolveu
então tirar da
cartola o coelho mágico da memória de Franco e do franquismo.
Entretanto, no Parlamento, a maioria
de esquerda do PSOE e do Sumar tratava de calar as perguntas inconvenientes dos
dois grandes partidos da oposição – do nacional-conservador Vox e do centro-direitista
Partido Popular –, uma delas sobre a renovação da cátedra da Universidade Complutense de Madrid,
“Transformación Social Competitiva”, que a
mulher do chefe do governo tem vindo a reger há quatro anos. A cadeira tem como objectivo sensibilizar
e acompanhar as empresas “no desenho e integração no seu plano de negócios de
uma estratégia de impacto social e ambiental, para uma organização mais
competitiva e melhor para o planeta”, e não se dirá que dela venha mal ao
mundo: o mal vem dos contratos públicos no valor
de 15 milhões de Euros adjudicados à Innova Next do empresário Juan Carlos
Barrabés, colega de Begoña Gomez na referida cátedra, e dos “indícios objectivos” da intermediação da
mulher de Sánchez nas adjudicações.
É neste aperto que
Sánchez apela ao Caudilho. É um velho
reflexo da Esquerda peninsular: quando a desgraça é grande e já não há
desculpas, nem sequer esfarrapadas, que a justifiquem, evocam-se os papões do passado.
Ir buscar a morte de Franco como ponto de partida para a comemoração da
implantação da democracia em Espanha é esquecer que houve um processo de
transição que passou pela ascensão à chefia do Estado de Don Juan Carlos I, por
determinação testamentária de Franco; uma transição que não foi fácil e onde o
Rei instaurado pelo Caudilho teve um papel mediador muito importante; é também
esquecer que houve as eleições em 1977 e a Constituição e a sua aprovação
popular em 1978. Mas o
rigor histórico pode ser um estorvo e em nome da luta contra a
“extrema-direita” não se olha a meios.
A Guerra Civil como conspiração militar direitista
A narrativa da Esquerda da Guerra
Civil espanhola como uma conspiração militar em nome dos ricos e poderosos
contra a maioria do povo espanhol está muito longe da verdade. Franco chegou ao poder depois de uma guerra civil de
que as esquerdas tiveram grande parte da responsabilidade. A seguir à vitória
eleitoral da Frente Popular, em Fevereiro de 1936, socialistas, anarquistas e
comunistas começaram a queimar igrejas, a ocupar propriedades, a assassinar
personalidades da Direita. Os falangistas responderam,
mas eram uma minoria. Franco, ao tempo considerado um militar profissional, um
constitucionalista, só se decidiu pelo Alzamiento
em última instância, ou seja, depois do
assassinato do líder direitista Calvo
Sotelo, detido por um grupo de esquerdistas na sua residência
em Madrid e liquidado no decurso de “un paseo”.
A guerra civil foi muito violenta na
rectaguarda, sobretudo nas primeiras semanas em que houve, de parte a parte, a liquidação sumária de suspeitos e
“inimigos de classe”. Franco venceu e tomou o poder em 1939 e, em trinta e
cinco anos de governo autoritário e sem liberdades políticas transformou e desenvolveu
a Espanha, criando as condições económico-sociais, nomeadamente uma classe
média, para a instauração de uma democracia liberal em regime de monarquia
constitucional. Os
primeiros anos do novo regime foram assolados pelo terrorismo
separatista da ETA e de
outras formações de extrema-esquerda, que causaram centenas de vítimas, e por
um estranho “golpe militar”, protagonizado pelo tenente-coronel da
Guarda Civil, Antonio Tejero Molina, em 23 de Fevereiro de 1981. Trinta anos depois, em 20 de Outubro
de 2011, a ETA anunciou, oficialmente, o
fim do terrorismo. Com o governo de Jordi Pujol,
o separatismo catalão, que sempre privilegiou a luta político-cultural,
recorreu, a partir do governo da Catalunha, a uma longa marcha dentro da
legalidade. E conseguiu progressos, nomeadamente com a preferência linguística
do catalão, duplicando, ao longo dos anos, os partidários da independência.
O anti-franquismo já não é o que era?
Mas o plano de recurso de
Sanchez, que teria tudo para dar certo, mobilizando
uma frente de esquerda anti-fascista, anti-franquista e anti-populista que
distraísse o povo, foi muito mal recebido pela opinião pública espanhola,
e até pelos eleitores do PSOE.
Segundo um inquérito publicado no passado dia 25 pelo diário ABC, 50% dos
inquiridos declararam-se contra a ideia de Sanchez de comemorar da morte de
Franco como momento inaugural da democracia espanhola e 30% disseram-se
indiferentes. O apoio viria apenas
de 14% dos inquiridos. E entre os eleitores do PSOE, só 27% estavam a favor.
COMENTÁRIOS (de 23)
José Martins de Carvalho: De acordo com todo este artigo, excepto com a
afirmação de que nada nem ninguém ameaça a democracia espanhola senão os
separatistas. A democracia espanhola já foi torpedeada por Sánchez: mantém-se
no poder com votos de separatistas e extremistas comprados com dinheiro do
Estado e direitos dos cidadãos; actua unilateralmente como um tirano, pois foi
eliminando todos os contrapesos do poder; controla o procurador-geral que tem
como um criado às suas ordens, levando-o a ser investigado por um crime no
âmbito das suas funções; graças a uma debilidade da constituição, é Sánchez que
decide se, e quando, há eleições. Uma democracia assim é a Venezuela da Europa. Tim do A: Obrigado por este artigo, JNP. Não sei porque é que em Portugal não se dão notícias
sobre Espanha, que é mesmo aqui ao lado. As televisões e os jornais são um
zero. JNP tem vinte valores.
Maria Nunes: Muito bem, JNP. Sánchez não tem escrúpulos. Deita mão
a tudo para se manter no poder.
Rui Lima: Os
socialistas de 70 e 80 até à queda do muro eram claramente moderados, alinhados
com a social-democracia do norte da Europa. Hoje os socialistas do Sul da
Europa nada têm a ver com os socialistas do norte, hoje são aliados da extrema-esquerda
, são um bando de oportunistas, o espanhol vai buscar Franco, o nosso a
imigração vendo que está a perder votos , esta ruptura com os seus valores
passados abraçado o extremismo é péssimo para a democracia. Lily Lx:
Haja vergonha. O Sanchez é um asco. Carlos Chaves: O Costa
era mau mas este Sanchez parece que o supera, se é que isto é possivel! Isabel Amorim: Tão
bem contado, como sempre. este periodo da História de Espanha. Sem
complicações. Lições que as gentes de esquerda deveriam ler e confirmar. Como
preguiçosos e tendenciosos que são não o fazem, uns por oportunismo e muitos
por ignorância, falta de curiosidade e que gostam de ser guiados cujas pequenas
ambições são umas tainadas dr lutas várias conforme as tendências popularuchas.
Pedro Sanchez e o seu Begonho não passa da terrivel realidade de mais um rufia
espertalhão ao comando de um país, agindo como um autêntico oligarca novo rico
e deslumbradissimo. O sub homem vive no entanto como um acossado em pânico,
rodeado de escolta cada vez maior, entrando pelas próprias portas dos fundos em
cada evento propagandista para se manter e manter um exército familias e grupos
de corruptos que se estão a fazer na nova boa vidinha. Não vai ser para
sempre. Espero vê - los cair um a um, em camara lenta, a tombarem. É uma
questão de tempo. Mas ansiosa, claro.
Maria Emília Ranhada Santos: Sanchez é nada mais nada menos do que um demónio! Quando
demónios se apoderam do poder, pobre povo! Só Deus pode por ordem na Espanha!
Assim como em Portugal! Antonio
Santos > Tim
do A: Muito simples: porque o governo é de esquerda logo o
que haja de mau nem se fala. Fosse o PP e já estavam roucos de tanto gritar.
Outra explicação para a sua surpresa é esperar honestidade, competência e ética
por parte dos jornalistas Manuel
Magalhaes: É sempre bom
ler JNP para se desmistificar e entender como foram e são as coisas… abraço
Jaime!!!
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