domingo, 2 de fevereiro de 2025

Vale sempre a pena

 

Saber recuar para conceitos adoptados por figuras – justas – do passado, quando os deslumbramentos do presente se revelam opacos. Ou ocos. Ou mesmo falsamente beneméritos. Na realidade, desprezadores da Pátria e da sua História. Por vezes, dos preceitos de honra, mesmo entre os de quem se esperaria a lisura, por via do cargo cimeiro. Lá como cá. JAIME NOGUEIRA PINTO, exemplo de lucidez esclarecedora dos factos e cordelinhos que os unem.

 

O passe de mágica

Com os separatismos de sempre, a má gestão do Estado e da economia e as suspeitas de corrupção a caírem sobre a mulher e o irmão, Sánchez resolveu tirar da cartola o coelho do anti-fascismo.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 01 fev. 2025, 00:1823

Com problemas sérios por resolver – os separatismos de sempre, a má gestão do Estado e da economia, a que se juntam as suspeitas de corrupção e favoritismo da mulher e do irmão do chefe do governo espanhol – o que fazer? Talvez agitar o fantasma de Franco e do fascismo. Por que não comemorar o cinquentenário da instauração da democracia no cinquentenário da morte do Generalíssimo, em 20 de Novembro de 1975? A transição podia só se ter concretizado com a Lei para a Reforma Política, submetida a Referendo em Dezembro de 1976 e com as eleições de 1977, ou até, mais exactamente, com a aprovação popular da Constituição, em Dezembro de 1978, mas, com a “extrema-direita” a atacar, o fascismo a espreitar e Trump de regresso à Casa Branca, a celebração da democracia tornava-se urgente – e extremamente conveniente.

Nada como agitar o espectro de Franco para salvar a democracia ameaçada, lembrando aos espanhóis os horrores da ditadura e fazendo-os esquecer a presente má gestão e as suspeitas de corrupção pendentes. O facto de Franco estar morto há meio século e de nada nem ninguém ameaçar a democracia espanhola – senão os separatistas catalães e vascos – era irrelevante.

Cátedras e contratos

Com a mulher, Begoña Gomez, acossada pelos tribunais e a dificuldade em conseguir maiorias no Congresso dos Deputados para aprovação do Orçamento, Pedro Sánchez resolveu então tirar da cartola o coelho mágico da memória de Franco e do franquismo.

Entretanto, no Parlamento, a maioria de esquerda do PSOE e do Sumar tratava de calar as perguntas inconvenientes dos dois grandes partidos da oposição – do nacional-conservador Vox e do centro-direitista Partido Popular –, uma delas sobre a renovação da cátedra da Universidade Complutense de Madrid, “Transformación Social Competitiva”, que a mulher do chefe do governo tem vindo a reger há quatro anos. A cadeira tem como objectivo sensibilizar e acompanhar as empresas “no desenho e integração no seu plano de negócios de uma estratégia de impacto social e ambiental, para uma organização mais competitiva e melhor para o planeta”, e não se dirá que dela venha mal ao mundo: o mal vem dos contratos públicos no valor de 15 milhões de Euros adjudicados à Innova Next do empresário Juan Carlos Barrabés, colega de Begoña Gomez na referida cátedra, e dos “indícios objectivos” da intermediação da mulher de Sánchez nas adjudicações.

É neste aperto que Sánchez  apela ao Caudilho. É um velho reflexo da Esquerda peninsular: quando a desgraça é grande e já não há desculpas, nem sequer esfarrapadas, que a justifiquem, evocam-se os papões do passado.

Ir buscar a morte de Franco como ponto de partida para a comemoração da implantação da democracia em Espanha é esquecer que houve um processo de transição que passou pela ascensão à chefia do Estado de Don Juan Carlos I, por determinação testamentária de Franco; uma transição que não foi fácil e onde o Rei instaurado pelo Caudilho teve um papel mediador muito importante; é também esquecer que houve as eleições em 1977 e a Constituição e a sua aprovação popular em 1978. Mas o rigor histórico pode ser um estorvo e em nome da luta contra a “extrema-direita” não se olha a meios.

A Guerra Civil como conspiração militar direitista

A narrativa da Esquerda da Guerra Civil espanhola como uma conspiração militar em nome dos ricos e poderosos contra a maioria do povo espanhol está muito longe da verdade. Franco chegou ao poder depois de uma guerra civil de que as esquerdas tiveram grande parte da responsabilidade. A seguir à vitória eleitoral da Frente Popular, em Fevereiro de 1936, socialistas, anarquistas e comunistas começaram a queimar igrejas, a ocupar propriedades, a assassinar personalidades da Direita. Os falangistas responderam, mas eram uma minoria. Franco, ao tempo considerado um militar profissional, um constitucionalista, só se decidiu pelo Alzamiento em última instância, ou seja, depois do assassinato do líder direitista Calvo Sotelo, detido por um grupo de esquerdistas na sua residência em Madrid e liquidado no decurso de “un paseo”.

A guerra civil foi muito violenta na rectaguarda, sobretudo nas primeiras semanas em que houve, de parte a parte, a liquidação sumária de suspeitos e “inimigos de classe”. Franco venceu e tomou o poder em 1939 e, em trinta e cinco anos de governo autoritário e sem liberdades políticas transformou e desenvolveu a Espanha, criando as condições económico-sociais, nomeadamente uma classe média, para a instauração de uma democracia liberal em regime de monarquia constitucional. Os primeiros anos do novo regime foram assolados pelo terrorismo separatista da ETA e de outras formações de extrema-esquerda, que causaram centenas de vítimas, e por um estranho “golpe militar”, protagonizado pelo tenente-coronel da Guarda Civil, Antonio Tejero Molina, em 23 de Fevereiro de 1981. Trinta anos depois, em 20 de Outubro de 2011, a ETA anunciou, oficialmente, o fim do terrorismo. Com o governo de Jordi Pujol, o separatismo catalão, que sempre privilegiou a luta político-cultural, recorreu, a partir do governo da Catalunha, a uma longa marcha dentro da legalidade. E conseguiu progressos, nomeadamente com a preferência linguística do catalão, duplicando, ao longo dos anos, os partidários da independência.

O anti-franquismo já não é o que era?

Mas o plano de recurso de Sanchez, que teria tudo para dar certo, mobilizando uma frente de esquerda anti-fascista, anti-franquista e anti-populista que distraísse o povo, foi muito mal recebido pela opinião pública espanhola, e até pelos eleitores do PSOE. Segundo um inquérito publicado no passado dia 25 pelo diário ABC, 50% dos inquiridos declararam-se contra a ideia de Sanchez de comemorar da morte de Franco como momento inaugural da democracia espanhola e 30% disseram-se indiferentes. O apoio viria apenas de 14% dos inquiridos. E entre os eleitores do PSOE, só 27% estavam a favor.

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COMENTÁRIOS (de 23)

José Martins de Carvalho: De acordo com todo este artigo, excepto com a afirmação de que nada nem ninguém ameaça a democracia espanhola senão os separatistas. A democracia espanhola já foi torpedeada por Sánchez: mantém-se no poder com votos de separatistas e extremistas comprados com dinheiro do Estado e direitos dos cidadãos; actua unilateralmente como um tirano, pois foi eliminando todos os contrapesos do poder; controla o procurador-geral que tem como um criado às suas ordens, levando-o a ser investigado por um crime no âmbito das suas funções; graças a uma debilidade da constituição, é Sánchez que decide se, e quando, há eleições. Uma democracia assim é a Venezuela da Europa.                 Tim do A: Obrigado por este artigo, JNP. Não sei porque é que em Portugal não se dão notícias sobre Espanha, que é mesmo aqui ao lado. As televisões e os jornais são um zero. JNP tem vinte valores.                    Maria Nunes: Muito bem, JNP. Sánchez não tem escrúpulos. Deita mão a tudo para se manter no poder.             Rui Lima: Os socialistas de 70 e 80 até à queda do muro eram claramente moderados, alinhados com a social-democracia do norte da Europa. Hoje os socialistas do Sul da Europa nada têm a ver com os socialistas do norte, hoje são aliados da extrema-esquerda , são um bando de oportunistas, o espanhol vai buscar Franco, o nosso a imigração vendo que está a perder votos , esta ruptura com os seus valores passados abraçado o extremismo é péssimo para a democracia.                   Lily Lx: Haja vergonha. O Sanchez é um asco.                    Carlos Chaves: O Costa era mau mas este Sanchez parece que o supera, se é que isto é possivel!                         Isabel Amorim: Tão bem contado, como sempre. este periodo da História de Espanha. Sem complicações. Lições que as gentes de esquerda deveriam ler e confirmar. Como preguiçosos e tendenciosos que são não o fazem, uns por oportunismo e muitos por ignorância, falta de curiosidade e que gostam de ser guiados cujas pequenas ambições são umas tainadas dr lutas várias conforme as tendências popularuchas. Pedro Sanchez e o seu Begonho não passa da terrivel realidade de mais um rufia espertalhão ao comando de um país, agindo como um autêntico oligarca novo rico e deslumbradissimo. O sub homem vive no entanto como um acossado em pânico, rodeado de escolta cada vez maior, entrando pelas próprias portas dos fundos em cada evento propagandista para se manter e manter um exército familias e grupos de corruptos que se  estão a fazer na nova boa vidinha. Não vai ser para sempre. Espero vê - los cair um a um, em camara lenta, a tombarem. É uma questão de tempo. Mas ansiosa, claro.                      Maria Emília Ranhada Santos: Sanchez é nada mais nada menos do que um demónio! Quando demónios se apoderam do poder, pobre povo! Só Deus pode por ordem na Espanha! Assim como em Portugal!                    Antonio Santos > Tim do A: Muito simples: porque o governo é de esquerda logo o que haja de mau nem se fala. Fosse o PP e já estavam roucos de tanto gritar. Outra explicação para a sua surpresa é esperar honestidade, competência e ética por parte dos jornalistas               Manuel Magalhaes: É sempre bom ler JNP para se desmistificar e entender como foram e são as coisas… abraço Jaime!!!

 

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