quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Perversão, tout court


Somos pequenos, queremos ser grandes, não saímos deste círculo vicioso das acusações mútuas, em vez da tal reconstrução que não há quem queira – ou deixe - fazer… Para além de que os chefes se passeiam demais, por esse mundo além...

A PERVERSÃO DO REGIME

Newton foi eleito deputado quando já se sabia tudo e era arguido no caso Tutti Frutti. Ninguém o incomodou. Bugalho foi cabeça de lista às europeias. Ninguém lhe faz perguntas nem ele dá explicações.

MARGARIDA BENTES PENEDO Arquitecta e deputada municipal

OBSERVADOR, 20 fev. 2025, 00:1532

Envolve o PS e o PSD, e mais de meia centena de políticos de um e do outro partido. Tem centro em Lisboa, por ser o centro português de todas as coisas e porque o orçamento e as decisões vivem aqui; mas estendeu-se às autarquias praticamente do país inteiro. A operação Tutti Frutti deixou a descoberto uma amolgadela no regime democrático.

O caso aponta para um entendimento entre o PS e o PSD com o objectivo de se favorecerem mutuamente nas ambições prosaicas dos homens sem ambições: avenças, ajustes directos, atribuição de vantagens e subsídios. A primeira verdade a declarar é que podemos e devemos ter opinião: a mais que abusada “presunção de inocênciaaplica-se ao processo jurídico e a justiça decidirá sobre a legalidade dos comportamentos – se configuram ou não corrupção e outros crimes. Mas há juízos sociais e políticos que podem incidir sobre o que já sabemos, sobre os factos apurados pelo Ministério Público através de escutas telefónicas, inquéritos e, no geral, investigações conduzidas pelas instâncias judiciais. O despacho de acusação (ou de encerramento de inquérito) é um documento público; obviamente, a presunção de inocência não se aplica nem pode aplicar em matéria de opinião pública. Não custa compreender esta verdade simples. O que custa é compreender a falta de amor próprio das criaturas que vão à televisão fingir que não a compreendem. A responsabilidade política está sujeita a uma apreciação pública que pode manifestar-se de muitas maneiras. Uma delas é pela liberdade de expressar a nossa condenação.

O caso Tutti Frutti, além dos favorecimentos mútuos, ou como método de chegar até eles, tem um aspecto político até agora pouco comentado: os acordos para dividir, entre o PS e o PSD, a liderança das juntas de freguesia em Lisboa. Como era isto feito? De acordo com a acusação do DIAP, os responsáveis do PS e do PSD entendiam-se e decidiam: “esta freguesia é nossa, vocês mandam para aqui um candidato fraco, nós ganhamos a eleição; aquela freguesia é vossa, nós pomos lá um candidato para perder”. As aspas são minhas, as palavras são minhas, a ideia da conversa é precisamente a que eles trocaram nas escutas.

Isto é uma burla política. Não é uma burla jurídica, nem sequer é um comportamento ilegal, mas é uma perversão do regime democrático. Para quem defende as democracias liberais, este crime de natureza política é sem dúvida o crime mais grave do processo Tutti Frutti.

Lamentavelmente, o problema não acaba aqui. Ainda de acordo com o despacho de acusação, Sebastião Bugalho, que na altura era jornalista, combinou uma entrevista com Luís Newton, candidato do PSD à Junta de Freguesia da Estrela; fez essa entrevista previamente combinada, e no fim enviou a entrevista a quem mandava na campanha do PSD para ser corrigida. Mais. Bugalho, o jornalista, fez essa entrevista como parte de uma campanha de promoção de Luís Newton. Além disso, a acusação diz que Bugalho sabia das manobras decididas entre os responsáveis do PS e do PSD. Mas o facto é que nunca falou. Disso nós sabemos. Sebastião Bugalho esteve na televisão como comentador, escreveu e publicou dúzias de artigos nos jornais, mas desta burla política ele nunca falou.

A imoralidade desta história é que no meio político tudo isto é considerado normal. Os políticos foram incluídos nas listas para deputados à Assembleia da República, candidatos e eleitos quando já se sabia tudo. Luís Newton, por exemplo, já era arguido. Até há umas semanas, nunca foi politicamente incomodado. Daí para cá, suspendeu o mandato de deputado mas manteve-se presidente da Junta de Freguesia da Estrela e líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal. Os jornais falavam do assunto há oito anos, desde 2017, logo após a campanha para as autárquicas em que tudo se passouSebastião Bugalho, que aqui representa o jornalismo, aparentemente sabia deste crime político organizado e não considerou que fosse grave ou sequer relevante. Foi escolhido pelo PSD para cabeça de lista às eleições europeias. Ninguém lhe faz perguntas nem ele dá explicações.

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COMENTÁRIOS (de 33)

João Floriano > Joao Cadete: Mas tinha 29 anos quando foi para Bruxelas. Aos 20 anos poderemos evocar ingenuidade e falta de conhecimentos. Aos 29 já não é possível sobretudo quando andou anos a preencher os debates na televisão e passou pela CNN e SICN.                        Maria Paula Silva > Joao Cadete: não é querer marrar, chama-se dizer as verdades. É esse o serviço público que MBP faz. SE o Bugalho já era "jornalista" tinha a obrigação de denunciar a trapaça, mas não, fez o contrário. Mais tarde, durante anos como comentador teve muitas oportunidades para falar do assunto. Mas o oportunismo fala mais alto.                     Maria Paula Silva: Tudo gravíssimo. Uma vergonha, e repete-se à exaustão o slogan "todos diferentes, todos iguais" e está sempre certo. O pior é isto: "Não custa compreender esta verdade simples. O que custa é compreender a falta de amor-próprio das criaturas que vão à televisão fingir que não a compreendem." Eles gozarem à brava com o povo português que, bem feitas as contas, é quem lhes paga os ordenados. Sebastião Bugalho, tadinho, não era visível desde o início da anterior campanha até à entrada em Bruxelas que tudo aquilo transpirava a egocentrismo, vaidade e oportunismo? Não me consigo esquecer de algumas imagens, nomeadamente aquela em que ele vai buscar Manuela Ferreira Leite para ficar ao seu lado na fotografia e depois a ignora totalmente no fim quando ela fala para ele e ele vira costas. Espero bem que este caso chegue a bom fim, e que não seja mais um a caminho da prescrição como tantos outros. Este país precisa de uma forte mangueirada! Bjs, Margarida, obrigada!                      Joao Cadete: Olha agora a culpa é do bugalho... durou 9 anos a investigação... o homem tinha 20 anos qdo se começou a olhar para isto... é mesmo querer marrar...              Rui Carvalho: Ah mas graves são as malas e as bocas no parlamento, a conivência não é só entre o PS e o PSD, os comentadores aqui da casa também se calam ou amaciam, aquilo que ouvi sobre a semana má do Chega, só faltou pendurarem o Ventura pelo pescoço, mas no Montenegro, não se toca.. o PS e o PSD não são responsabilizados pela corrupção entre eles, mas o Chega é culpado do roubo das malas e de alguém beber demais, isso sim é grave e o Ventura devia demitir-se. Imaginem se a situação da empresa fosse com o Ventura... ui, era a loucura. Deviam ter vergonha de se apresentarem como comentadores isentos, não o são! Há excepções, claro, mas na sua maioria são tão isentos como o Bugalho. Ah excelente texto.

NOTAS DA INTERNET:

O chamado Caso Tutti Frutti ou "Operação Tutti-Frutti" é uma investigação e escândalo político ocorrido em Portugal, espoletada em 2015 através de uma denúncia anónima no portal informático das queixas da Procuradoria-Geral da República (PGR) que mais tarde tornou público o tráfico de influências entre membros e executivos do PS e do PSD na preparação das listas para eleições autárquicas portuguesas de 2017, "financiamento partidário, esquemas com quotas de militantes, assessorias sem trabalho pagas com dinheiros públicos e outros negócios 

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