Que poderia servir de lição contra a nossa não direi proverbial, pois
que nos falta categoria para tanto – mas habitual saloiice pedantesca - ou
antes, finória. Extraordinário ALBERTO GONÇALVES, com o seu humor chocarreiro,
fruto do muito viajar pelos espaços vários do saber. E do ser.
Uma junta em cada rotunda
As freguesias são um custo sem
retorno, bandeira não dos lugarejos que fingem “representar” mas de uma nação
infantilizada, avessa à autonomia, receosa do crescimento e mendiga do
progresso alheio.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 15 fev. 2025, 00:202
A
Troika, de que sinto saudades, queria acabar com metade das autarquias e dois
terços das juntas de freguesia, leia-se cerca de 150 câmaras e quase 3 mil das
4259 (!) freguesias. Para evitar
motins e cerimónias de autoimolação, o governo de então acedeu a um
compromisso: acabar com zero autarquias e com um quarto das juntas. Doze
anos depois, o PSD confirmou que lá fora já ninguém está a olhar e, em
colaboração com o PS e com o aval dos partidos excepto da IL (o Chega
absteve-se), pretende “desagregar” centenas de freguesias e regressar quase à
quantidade anterior. O prof. Marcelo vetou a “desagregação”, embora apenas
por questões de prazo. A coisa voltará ao parlamento e, agora ou em breve,
seguirá em frente. Entre nós, o atraso de vida raramente pára.
É compreensível que a maioria
dos partidos seja favorável à multiplicação das juntas, que multiplica os
empregos disponíveis e a oportunidade de fazer demagogia com a “vontade das
populações”. É mais
difícil de compreender a “vontade das populações”, as quais genuinamente
parecem gostar de uma extensão do poder estatal em cada esquina ou, vá lá,
praceta. Há décadas que, em épocas diferentes, integro as “populações”
de diversos lugares e, salvo pela ocasião em que aos 26 anos decidi levantar o
cartão de eleitor, nunca penetrei uma junta de freguesia ou, por regra, sequer
conheci a respectiva localização. Supondo que as juntas deixaram de
armazenar os cartões de eleitor, aliás um item caduco, não consigo imaginar a
utilidade de semelhante pechisbeque administrativo. Porém, consigo procurar.
Um belo dia (anteontem), resolvi
percorrer de norte a sul este formoso país, à cata de informações sobre as
actividades das juntas de freguesia. Para evitar maçadas, construções
horrendas em geral e gastos de combustível, realizei a empreitada em casa e
através do computador. O método de selecção foi rigoroso: a partir de
uma lista com a totalidade das freguesias nacionais, escolhi umas dúzias de
acordo com a excentricidade do nome e a diversidade geográfica. Destas,
eliminei aquelas cujas juntas não têm “site” e analisei com minúcia os “sites”
das restantes. Ficam uns exemplos, que juro aleatórios.
Espadanedo, Cinfães
O
“site” está impecável, arrumado e tão limpinho que, para não se sujar, não
entram ali novidades desde 2020, ano de publicação da última (e única) mensagem
natalícia do presidente da junta, que misteriosamente diz respeito ao Natal de
2018. A penúltima notícia, que versa a “hasta pública de alienação de quarenta
e sete pinheiros e nove eucaliptos”, é de 2019. As secções “Obras realizadas”,
“Serviços”, “Turismo”, etc. estão em branco imaculado.
Santana do Mato, Coruche
O
“site” fervilha de notícias frescas, incluindo a do baile de carnaval com
Nicole Viviana (ao acordeão), o almoço do Dia da Mulher, os resultados da Liga
Inatel e a abertura de um concurso para “assistente operacional” (salário de
761 euros). A Mensagem
do Presidente tem poucos erros de português. O texto de apresentação da
freguesia é notável pela indecisão: “Com
raízes históricas que remontam ao [século/época histórica significativa], o
nosso município é um exemplo vivo de tradição e inovação. Desde os tempos em
que [referência histórica ou facto marcante], temos crescido como uma
comunidade vibrante e focada no futuro.”Pelo contrário, o seu passado ainda
está em aberto.
União de
Freguesias da Terrugem e Vila Boim, Elvas
Merece
destaque o anúncio do 2º Prémio de Poesia Popular (prémio de 500 euros), embora
o prazo para a entrega dos originais tenha sido em Maio de 2024. No mais, o
“site” é forte na publicação de actas, avisos e formulários, invariavelmente
dedicados à contratação de “assistentes operacionais” e cantoneiros. Também
anuncia a prestação de serviços: passam certidões e certidões, ambas de
carácter não especificado. Há e-mails, da Telepac, para contactar o presidente,
o secretário ou a tesoureira.
Cabaços, Moimenta da Beira
Aqui
a frugalidade impera: há somente os nomes dos titulares da junta, as datas das
romarias e um “link” para um texto publicado no “Jornal Beirão” e que começa,
eu fique ceguinho, assim: “Num altiplano de onde se lobrigam encantos
panoramas, está edificada a povoação de Cabaços.” Os parágrafos subsequentes
mantêm-se no mesmo altiplano.
Torre de
Coelheiros, Évora
Não
há notícias. Não há eventos. Há um concurso para contratação de – adivinhem –
um “assistente operacional”. E um programa de “incentivo à natalidade”, que
data de 2022 e oferecia 500 euros por filho.
União das freguesias de Subportela, Deocriste e
Portela Susã, Viana do Castelo
Fora umas notícias de 2022 e de temática
nacional, as mais recentes manifestações de vida no “site” de Subportela,
Deocriste e Portela Susã aconteceram no advento da Covid, com alertas acerca do
fecho dos cemitérios e do balcão de
atendimento. A “Mensagem do Presidente” encontra-se por preencher. A “Agenda de Eventos” não publicita
qualquer evento. Convinha averiguar se a pandemia não dizimou os locais.
E é isto. É possível, admito, que a melancólica presença das juntas
de freguesia na internet não traduza a efervescência das ditas no mundo real. É
possível que haja centenas ou milhares de juntas absolutamente indispensáveis
às sociedades que as elegem. É possível que a minha amostra tenha sofrido enviesamentos.
É possível, mas não é provável. O provável é que, além de ramificarem a
influência partidária e distribuírem uns salários pífios, as juntas não sirvam
para nada de materialmente relevante. Simbolicamente, e a expensas da
“proximidade” e do contribuinte, talvez reforcem no povo a ilusão de amparo
paternal, na verdade de dependência, que define a nossa relação com o Estado.
E, para não sairmos dos vícios acriançados, talvez alimentem o orgulho da
aldeola que, a fim de ter uma “voz” que não é ouvida, quer ser freguesia,
sentimento familiar ao da vila que exige ser cidade, e da cidade que não sabe o
que é.
Contas
feitas, que os políticos não fazem, e à semelhança de todos os organismos
públicos que existem só para justificar a própria existência, as freguesias são
um custo sem retorno, a bandeira não dos lugarejos que fingem “representar” e
sim de uma nação permanentemente infantilizada, avessa à autonomia, receosa do
crescimento e mendiga do progresso alheio. A única junta de que precisamos é
psiquiátrica.
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA POLÍTICA AUTARQUIAS PAÍS SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 13)
Meio Vazio: Um retrato de Portugal no seu melhor.
Mário Silva: Vou formar uma lista, a cabeça de lista vai ser a
Marquinhas, que é neta da Balbina e foi abandonada pelos pais. A Marquinhas é a
última pessoa da freguesia com menos de 60 anos, sabe medir a tensão e fazer
aqueles testes rápidos com gotas de sangue. O nosso programa vai ser o
seguinte: A Marquinhas não vai passar atestados de residência, mas em
contrapartida vai medir a tensão e fazer as caixas dos comprimidos a todos os
fregueses. Vamos chamar aos campeonatos de sueca, dominó e chinquilho -
Assembleia de Freguesia e as senhas de presença revertem para o vencedores A
vitória está garantida, conseguimos arranjar um emprego à última jovem que nos
resta e um mínimo de atenção a todos os idosos que somos todos os outros. A
vitória está no papo.
João Jesus: Que aldrabice dizer que íamos
voltar ao mesmo número de juntas. Tínhamos 4500 antes da Troika e agora esta
lei ia criar 167 para 3300. Antes de escrever estes textos convém estudar os
factos concretos e não inventar. Posto isto, também sou contra esta criação de
novas juntas nesta altura mas esses exemplos dos sites são um disparate, de
alguém, que no mínimo, não conhece o País real nem o papel das juntas em muitas
comunidades.
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