sábado, 22 de fevereiro de 2025

Estado de sítio?

 

Europeu, segundo acusações trumpistas, ansioso, o tal Trump, por tomar as rédeas do seu governo, sacudindo do seu capote os pingos da chuva que a inacção europeia, em questões de ajuda fulcral a leste, tem paisiblement sacudido sobre o prestável capote americano, em tempos de Biden. A Europa do orgulho responsável naturalmente ressente-se e condena as mentiras, em zelo desprezador da grotesca farsa desvirtuadora putintrumpista. Mas as tropas ucranianas merecem galardão, isso é o que cria um sentimento de estabilidade de orgulho pátrio, à maneira antiga,  nem todos se podem gabar do mesmo.

Depois de Munique

Numa Europa que abandonou o patriotismo e o realismo em política externa e que viveu à sombra da América, as suas palavras e o seu estilo só podiam causar choro e ranger de dentes entre as elites.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 22 fev. 2025, 00:1857

Se não estou em erro foi Rousseau quem escreveu que as paixões, as emoções, as convicções dividiam os homens; mas que a Razão os unia. Porque as paixões, as emoções e as convicções eram subjectivas e a Razão objectiva.

Será assim? No presente debate, melhor, no presente pânico criado pelo tsunami norte-americano, quando a (também rousseauniana) vontade da maioria parece estar contra a Esquerda, mais radical ou mais centrista, há uma vaga crescente para partidarizar a Razão, quando não a Ciência e a Justiça (veja-se como o Supremo Tribunal da Roménia anulou uma eleição). De um lado, a equivocada vontade popular; do outro, a Razão, como força dissuasora da vaga “emocional e passional” de bárbaros mancomunados com os ditadores de todo o mundo para assaltarem a democracia liberal.

Curiosamente, a contraofensiva à esquerda e ao centro contra a “vontade popular” da nova barbárie repete grande parte dos argumentos que as forças reaccionárias e conservadoras foram formulando, ao longo de mais de dois séculos, para contrariar, precisamente, essa mesma vontade popularou seja, o direito da maioria de escolher o governo e de esse governo, escolhido pela maioria, governar de acordo com a Constituição e as leis.

Assim, quando o povo-soberano escolhe mal, erradamente, quando escolhe a “extrema-direita” ou “reaccionários” apostados em “acabar com a democracia”, toda a sagrada construção à volta do governo da maioria desaba como uma falsa e enganadora Babel, destinada a escravizar o próprio soberano: o ignaro povo que, temerariamente, se enganou na escolha.

O discurso de Munique

E veio “a resistênciacomo se, depois da eleição de D.J. Trump e J.D. Vance, a Euro-América estivesse ocupada por um poder totalitário, por um par de “anjos exterminadores” prontos a sufocar os dissidentes e a implantar a ditadura. Houve até quem adiantasse um paralelo com Tiananmen

Não era para menos.  De resto, o Vice-presidente norte-americano já o viera confirmar quando, no seu discurso de Munique, começara diabolicamente por deslocar a grande ameaça para o âmago do centrão europeu da “resistência”:

“A ameaça que mais me preocupa em relação à Europa, não é a Rússia, não é a China, não é nenhum agente externo. O que mais me preocupa é a ameaça que vem de dentro […] Porque mais do falar de ‘valores democráticos’ é preciso vivê-los”.

E, perante a incrédula assistência que, segundo o Politico, ria sardonicamente à simples menção de “valores partilhados” e “grunhia” só de ouvir falar de “ameaça interna”, Vance passou a enumerar sinais e sintomas desse abandono, pela Europa, de valores fundamentais; valores democráticos, partilhados com os Estados-Unidos da América. Fê-lo descrevendo situações e casos que o tinham chocado particularmente: que um antigo comissário europeu fosse à televisão congratular-se com o facto de, na Roménia, se ter anulado uma eleição; que as autoridades europeias recorressem ao cancelamento da liberdade de expressão, em nome de um manipulável “discurso de ódio”; que houvesse buscas policiais contra alegados autores de comentários “anti-feministas”; e que, no Reino Unido, de um homem que rezava a menos de duzentos metros de uma clínica de aborto tivesse sido preso e condenado a uma multa pesada.

Tudo isto o levava a pensar que a liberdade de expressão estava em perigo na Europa, em nome do combate às fake news e à desinformação. Um costume que, também na América de Joe Biden, fora usado para calar muita coisa. Mas Vance também lembrava a quem o ouvia que esses tempos já lá iam porque “In Washington, there is a new sheriff in Town”.

A referência a Trump como “o novo xerife” fora a gota de água que, por um lado, viera responder à ideia da América como Faroeste e da nova administração norte-americana como deplorável Coboiada, tão acarinhada pela “resistência europeia”; e, por outro, viera agravar o ultraje, a ingerência, o simplismo de tudo aquilo.

O choque, que já vinha da conversa de Trump com Putin, cresceu depois do discurso de Vance em Munique. E houve choro e ranger de dentes. Se aquilo não era o Inferno, onde estava o Inferno?

Christoph Hensgen, o presidente da conferência, rompeu em lágrimas no fim, comovido por estar prestes a retirar-se num momento tão convulso. A ler os jornais europeus, no fim de semana, ficávamos perante uma versão do famoso western O Bom, o Mau e o Vilão, em que Zelenski era o Bom, Trump o Mau e Vance, o Vilão. O discurso do vice-Presidente tocara fundo nos arraiais globalistas e já se faziam comparações com Munique em 1938 quando os franceses e os ingleses tinham cedido a Hitler.

Duas medidas

De resto, talvez contaminado pelo “vírus romenoda ingerência eleitoral, o Chanceler Olaf Scholz, o mesmo que, como outros dirigentes europeus, não se coibira de dizer que Kamala Harris seria uma boa presidente dos Estados Unidos, mostrou-se indignado com as declarações e a ingerência de Vance; e, referindo-se aos “crimes dos nacionais-socialistas”, declarou-se contra a “interferência de pessoas de fora” na democracia alemã.

Vance não tinha falado com ele. Estivera meia hora com Alice Weidel, líder do AFD, e outra meia hora com Friedrich Merz, líder da Democracia Cristã, o provável ganhador das eleições de 23 de Janeiro próximo. A juntar-se ao coro dos ofendidos, o candidato dos Verdes, Robert Habeck, disse que o novo governo americano estava do lado dos autocratas.

E por essa Europa foi o muro das lamentações, perante um J. D. Vance que se limitara a dizer, com os factos a servir de prova, que os europeus não respeitavam a vontade popular e que, por isso, os ataques à democracia vinham de dentro, dos mesmos que, com o medo do voto dos eleitores, recorriam aos cancelamentos, ao policiamento das redes sociais e ao “discurso de ódio” como pretexto para linhas vermelhas.

O Vice-presidente americano lembrara ainda que esses eleitores, na sua maioria “não se viam a si próprios como animais amestrados ou como peças substituíveis de uma economia global”, mas como pessoas e cidadãos, com pátria e família.

É talvez esta a diferença – na concepção do homem, da família, da nação. Vance não é um “fantoche”, é alguém com formação política, que tem e defende valores políticos, valores nacionais e conservadores, em que a nação tem o seu lugar, mas as convicções religiosas, a defesa da família e o combate a quem os quer desconstruir para instaurar um vazio atomizado, estéril, manipulável e opressor também.

Numa Europa que abandonou o patriotismo e o realismo em política externa e que viveu à sombra da América, numa Europa onde belicistas excitados querem agora pôr os países a contribuírem para a defesa com 5% do PNB, sacrificando o que resta do Estado Social a uma hipotética guerra com a Rússia, as suas palavras e o seu estilo só podiam causar choro e ranger de dentes entre as elites do sistema.

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COMENTÁRIOS (DE 57)

Miguel Seabra: Jaime Nogueira Pinto boicotado por “democratas” da Universidade de Lisboa sabe bem o que é a liberdade de expressão na Europa. Apesar da campanha dos media censurando ou criticando ferozmente este discurso, milhões de europeus vibraram com o grito de liberdade. A Europa precisa urgentemente de políticos como JD Vance!                Sérgio Cruz: Cada vez mais é o "meu" cronista de eleição. As suas análises factuais, com a pertinência que se lhe reconhece, têm demonstrado que a Europa está à beira do abismo. A agenda woke, que continua internamente a massacrar a UE, levá-la-á ao seu fim. É triste que assim seja, mas continuamos a não aprender com os erros. Têm de ser outros, de fora, que nos chamam à razão. Assim, dói mais, mas pode ser que aprendamos alguma coisa. Obrigado, JNP.                Ana Luís da Silva: Excelente artigo de Jaime Nogueira Pinto! A recordar e a contextualizar o discurso purificador de JD Vance nos principais pontos que incomodaram as consciências (ou pelo menos a bolha esterilizada onde vivem) de muitos dos líderes presentes na conferência de Munique os quais se afastaram há muito da vontade dos povos que governam. Muito obrigada ao autor por (não se cansar de) desmascarar a agenda desta gente: “desconstruir para instaurar um vazio atomizado, estéril, manipulável e opressor    Coxinho: O que vai valendo a este jornal a continuidade dos seus apoiantes/pagantes é a permanência de uma plêiade de colunistas como JNP.                 Américo Silva: A supressão da ajuda americana coloca em perigo numerosos medias independentes, particularmente na Europa central e oriental e na Ásia central; só na Hungria eram 20 os media livres financiados para combater Viktor Orban, isto enquanto se queixam sem se rir, de interferência estrangeira em eleições.      Renato Pedro Milheiro Ribeiro: Estava habituado ao antiocidentalismo vir de outro lado, do wokismo. Mas está a surgir outro antiocidentalismo. O deste tipo de artigos              Carlos Chaves: Caro Jaime Nogueira Pinto, apesar deste artigo mais uma vez quase certeiro, pareceu-me que propositadamente evitou falar da posição (mentirosa), da nova administração Norte Americana sobre Putin e Zelenski. Porquê?                  Filipe Paes de Vasconcellos: 1. A liberdade na Europa nunca esteve nem está em causa. Portanto é completamente falacioso pegar em dois ou três exemplos para invocar o que não existe como regra. 2. A Europa nunca viveu à conta dos Estados Unidos da América. A aceitar-se essa teoria então é o mesmo que assumir que os americanos foram, ao longo destes 75 anos, uns autênticos mentecaptos e nós os europeus, desculpem-me o plebeísmo, uns chulos. O que se passou foi que os americanos precisaram de pagar a sua influência geo-estratégica nesta parte do mundo. 3. Quanto ao investimento em defesa dos norte americanos ser muito superior à dos europeus deve-se à realidade referida atrás, ou seja, investiram em defesa para que mandasse no Mundo, pois quem paga manda!            Pobre Portugal: O mais grave disto tudo é que o PSD de Montenegro também faz parte das "elites" que J.D. Vance desmascara. Só nos resta o Chega mesmo.              Tristão: Como Trump começa a ser indefensável, JNP tenta agarrar-se a Vance, ora este rapaz que fala da Roménia é o mesmo que não reconhece a derrota de Trump para Biden e já agora, disse de Trump o que Maomé não disse do toucinho, agora é um estadista… porca miséria.               JOSE DE CASTRO: Óptimo artigo JNP! Mas é bom lembrar 2 coisas: 1 Que os USA se abdicarem de defender seus aliados, mesmo pela força, quando necessário, deixarão de ser uma potência com relevância mundial. 2 Que a China, sábia e matreiramente, neste momento e circunstância, está a sorrir silenciosamente!             Df: Vance enganou-se na conferência. Era uma conferência sobre segurança, e o senhor veio falar de bugalhos. Ou tinha o GPS avariado ou veio desconversar sobre segurança. O que lhes custou mais foi não terem conseguido colocar o seu putinista na Roménia. Agora andam todos aos gritinhos, ai, ai, a Roménia. Os putinistas devem ser tratados como o que são, traidores aos seus países e irem para Moscovo. Que visão têm para a Europa? Le Pen em França, AFD na Alemanha, Abascal em Espanha, Ventura em PT, Polónia, Bálticos, Roménia, etc. submetidos a Putin, Ucrânia anexada à Rússia? Seria o fim da UE e esses países na total irrelevância geopolítica, opositores presos, envenenados ou atirados das janelas. Julgam que Trump sairá a bem daqui a quatro anos? E os seus seguidores não o vão imitar? O problema hoje não tem nada a ver com defender valores da família ou da nação. Quem os defende é Zelenski. Tem que ver com a recusa da submissão a um império estrangeiro e defesa da liberdade e dos valores da nação, da família e da cultura europeia. Putin não é um aliado nessa defesa.              Roberto Carlos: Lá pelos anos cinquenta, quando o eléctrico ainda era rei em Lisboa, ia com os putos da minha idade, de pé no estribo, à boleia do amarelo, por vezes o boletineiro da marconi também , em roda livre; mas nós sabíamos para onde. Os dirigentes wokes de Bruxelas, viajaram tempo demais à boleia doTio Sam, sem saber para onde, agora acabou-se a mama, só agora viram que a chulice da boleia nos deixou, desamparados e indefesos às portas do Hades. É tarde, muito tarde. É caso para dizer grandes filhos da p**a.                Alfredo Vieira: Os sábados são uma delícia, com o AG de um lado e o JNP do outro...! Dois estilos, o mesmo nível de clarividência e sabedoria, a desbravar o pântano desinformativo global do pseudo-jornalismo deste lado do Atlântico. Obrigado!           Filipe Paes de Vasconcellos: 1. A liberdade na Europa nunca esteve nem está em causa. Portanto é completamente falacioso pegar em dois ou três exemplos para invocar o que não existe como regra. 2. A Europa nunca viveu à conta dos Estados Unidos da América. A aceitar-se essa teoria então é o mesmo que assumir que os americanos foram, ao longo destes 75 anos, uns autênticos mentecaptos e nós os europeus, desculpem-me o plebeísmo, uns chulos. O que se passou foi que os americanos precisaram de pagar a sua influência geoestratégica nesta parte do mundo. 3. Quanto ao investimento em defesa dos norte americanos ser muito superior à dos europeus deve-se à realidade referida atrás, ou seja, investiram em defesa para que mandasse no Mundo, pois quem paga manda.               Rui Lima: É bom ter em Portugal JNP sabe escrever, tem saber e coragem, a coragem muitas vezes vem da independência económica, há quem tenha de fazer o contrário do que pensa para não perder o ganha-pão.

 

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