E amanhã o que será? NUNO LEBREIRO prevê a morte
deste país. Em análise fulgurante, que os comentadores resumem. Pelo país que
aprendemos a amar, pelos nossos sucessores, lagarto! lagarto!
Os Despojos do Dia
O mundo político nacional reduz-se em larguíssima medida à
burocracia. Aliás, é precisamente por ser apenas burocrática e não política que
é totalitária.
NUNO LEBREIRO, Investigador
académico, membro do podcast Linhas Direitas
OBSERVADOR 10 jan. 2025, 00:1611
Tempos houve, não assim tão longínquos, onde a política se fazia de
enormes princípios, tremendas opções, grandes escolhas entre
alternativas com seríssimas consequências. A sociedade, dada a gravidade
das questões, era chamada, fosse de uma forma mais ou menos formal, a ter uma
opinião sobre os diversos assuntos, transformando-se
as tascas, esplanadas e salas de estar espalhadas pelo país em verdadeiras
arenas de discussão política que, reflectindo a importância das decisões a
tomar e do caminho a escolher, se eriçavam em ardentes e apaixonadas tomadas de
posição. As grandes ideologias, as grandes causas, os grandes princípios
flamejavam nos corações de vizinhos, familiares e amigos, ou até mesmo
perfeitos desconhecidos, que, de mão no peito, queixo para fora e pulmões
fulgurantes, por entre gritos, berros e suspiros, quando não mesmo chegados a
vias de facto, fiscalizavam,
criticavam, peroravam, não deixando assim de participar, quanto mais não fosse
pela discussão, nos destinos do país.
Hoje, a vida mudou. Portugal segue
tranquilamente a reboque da UE, uma proto-federação político-burocrática onde o
país se dissolveu voluntária e alegremente, sempre de mão estendida pelo
subsídio, o PRR e o QE do BCE, isto enquanto implementa, de pin na
lapela e sem qualquer discussão, a Agenda 2030 lamuriada por Guterres e
propagandeada por tudo o que é ONG, activistas estilo Greta ou agências de
investimentos financeiros globais “verdes”. O problema do destino político português está, portanto, para mal
dos nossos pecados, resolvido. Daí que as oposições ideológicas às
bases liberais e democratas do regime, se não desapareceram, então, à falta de
melhor termo, aburguesaram e resignaram-se.
Na
extrema-esquerda, grupelhos de fanáticos ideológicos anacrónicos e delirantes
vão se cindindo, incompatibilizando, desorganizando em associações cada vez
mais puras, logo mais minúsculas e irrelevantes também, isto incluindo o PCP
que, moribundo, serve agora apenas para aferir a cada acto eleitoral a rapidez
com que a geração de 74 vai desaparecendo. O resto, de facto, aburguesou. Desde logo, o BE que mandou Louçã, o padreco moralista anticapitalista do
palanque tornado púlpito para, imagine-se, o respaldo atapetado e faustoso do
Banco de Portugal onde, junto com profusas vetustas figuras do regime, agora
usa o seu mais anafado traseiro para polir o couro engraxado dos sofás onde se
discute a alta finança nacional. A sua sucessora, Catarina
Martins, essa antiga actriz activista que
exortava a que se urinasse fora do penico, foi igualmente reformada, neste caso
para Bruxelas com direito a mais de 20,000 euros mensais, motorista e voo
semanal em primeira classe para vir visitar o burgo ao fim-de-semana. No
entretanto, e iluminando o caminho ao último resquício de activismo
pseudo-feminista que por lá perdura, declarou-se
o BE “social-democrata”, isto para justificar um pouco como juntar a bota,
agora debruada a ouro e renda, com a perdigota que ainda se cospe e baba por
Fidel, já morto, Maduro e, claro está, o santificado Ché, hoje em dia reduzido
a marca “copyright” para impressão de t-shirts. Eleitoralmente,
o caminho acelera para o abismo, o grupo parlamentar para a irrelevância, e o
partido para o eterno final de todos os projectos socialistas — o endividamento e a falência.
Por aqueles lados, com algum
sucesso e esperança, sobra
apenas o Livre desde
que o seu verdadeiro líder se livrou do simulacro de abertura inclusiva com
que, por debaixo do frondoso vestido encarnado de uma mulher, convenientemente
negra e gaga, bem como inconvenientemente perspireta e senhora do seu nariz,
tinha posto o pé na Assembleia. Ainda
assim, esta nova extrema-esquerda, apesar do moralismo neomarxista woke e irrelevante eleitoralmente, é já ela
também apologista do federalismo europeísta, bem como de todas as causas
internacionais que, a montante e noutras reuniões bem mais importantes, já
foram igualmente explicadas como fundamentais e estruturais a toda a gente
relevante no país, incluindo o Primeiro-Ministro que as repete a cada discurso.
Aliás, do outro lado, à direita, a coisa não será, na sua
essência, muito diferente. Congénere
do Livre até no nome, a IL, apenas discorda, como também diz o nome, na
iniciativa da coisa que esta, ao contrário do outro, prefere como privada, bem
como no nível de impostos que o outro, ao contrário desta, deseja elevados.
Já quanto aos desígnios e os destinos
do país, como se vê na ida do deputado Cotrim para Bruxelas votar junto com
Verhofstadt & Ca., a coisa não muda muito, nem sequer quanto aos novos
costumes onde o proverbial antigo armário onde os LGBT se escondiam deu agora
lugar a um novel roupeiro onde os conservadores de índole liberal deixam as
opiniões pessoais para poder à vontade desfilar na Av. da Liberdade celebrando
o arco-íris e as virtudes do orgulho gay —
sem ais nem uis —, junto com o resto da orgulhosa tropa fandanga.
Mais à direita, o CDS desapareceu, tornando-se
agora em agradecido apêndice do PSD, uma espécie de reedição do pacto
PCP-Verdes que compunha a CDU, mas em versão coligação governamental acolitada
— com vergonha e apenas por motivos legais — ainda também pelo PPM. Sobram, portanto, o PSD mascarado de AD e o Chega!. O primeiro, pela mão trémula, mas
infalível, de Montenegro, aposta-se em passar pelos pingos da chuva sem chatear
ninguém, ainda menos qualquer eleitor, acreditando firmemente que se repetir os
slogans do Chega! — no que concerne a segurança e a imigração — e seguir as
políticas económicas do PS — nas pensões, nas prestações sociais e nas contas
públicas — irá acumulando apoio popular, afirmando-se paulatinamente como uma espécie de fiel
seguidor das estratégias de António Costa, mas em variante competente e séria.
Já o segundo, o Chega!, esse
rapidamente mostrou que a sua lógica “antissistema” não passava de linguarejar
político para garantir voto à abstenção farta ou zangada com o rumo da coisa,
prometendo tanto à esquerda como à direita sem grande obrigação de coerência. Ora perora, por exemplo, contra Bruxelas, ora exige
mais dinheiro a Bruxelas para pagar pensões e, entre estas contradições do seu
líder e militante omnipresente — Ventura —, e as promessas vãs que 50 deputados
faziam acreditar — até ao momento, deram em nada, onde está
a comissão de inquérito ao excesso de mortalidade anunciada na noite eleitoral,
Dr. Ventura? —, o Chega! além de, tal como todos os
outros, exigir mais despesa e menos receita ao Governo, vai esfumando a
refundição da República numa mão cheia de nada — sem ideias, sem plano, sem
estratégia, no fundo, sem alternativa salvo
a politiquice do costume.
Em boa verdade, a política, apesar de
efervescente no caso mediático, histérica no tom parlamentar e polarizada nas
questões de costumes — às quais PSD foge com o rabo a toda e qualquer seringa, ao
mesmo tempo que ministros seus se questionam sobre o que são mulheres e quem
deve ter acesso a urinóis —, a
verdadeira política, junto com o sistema e o equilíbrio actual, morreu. Os políticos e jornalistas portugueses,
esses, largamente alienados do mundo, fechados no arrabalde lusitano e
agarrados à ainda mais provinciana bolha mediática autóctone, esses,
naturalmente, ainda não deram por nada. Mas é verdade, a política, e com
ela o mundo político que conhecíamos, morreu.
A prova disso é a dissonância
entre aquilo que se discute, e faz, e aqueloutro que representa, de facto, as
diversas alternativas políticas que o país e a sociedade têm pela frente — o
real problema político. No entanto, para o sistema mediático-político
português estas não existem, não se discutem e menos ainda se questionam. Ora, se aquilo que importa ao país não
faz parte do debate e do sistema político então, conclui-se, essa política, e esse
sistema, não servem o país, não existem no mundo real, tendo morrido na sua
utilidade e na sua essência, sobrando-lhes apenas agora os invólucros formais,
estruturas vazias de finalidade e conteúdo, reduzidas a uma mimética e maquinal
repetição de hábitos que, na medida em que representa o teatro e o
institucionalismo político tradicional, parece política, mas que na realidade
não o é porque não incorpora nem trata do mundo real e dos desafios que de
facto assolam o país.
Que discute então o político portugês? O
pormenor. A
implementação burocrática da política que foi decidida a montante, ou seja, não
faz verdadeiramente parte do processo político, apenas da estrutura que garante
a sua fiel aplicação prática. Daí que a escolha política seja hoje
em dia, não entre as grandes causas e os grandes princípios, mas entre os 0,2 e
os 0,3 de deficit, os 22 e os 51 cêntimos de aumentos nas reformas ou as
10 ou 11 gramas de sal permitidas no pão integral. No fim do dia, a política, e
daí que nem sequer mereça esse título, esteja reduzida na sua maior parte à
economia doméstica, onde o Estado, entre subsídios e impostos, vai regulando as
contas mensais, isto enquanto sugere, quando não impõe através do regulamento,
o cabaz de compras, o apropriado intervalo de colesterol, os bons hábitos
alimentares, de saúde e, até, o funcionamento dos níveis hormonais que, de
acordo com o género e a identidade burocraticamente definidas, deverão ser
afinados entre X e Y..
Nada disto, evidentemente, é política.
Mesmo que tratem de políticas profundamente invasivas, totalitárias até em
certos casos, o mundo político nacional reduz-se em larguíssima
medida à burocracia. Aliás,
é precisamente por ser apenas burocrática e não política que é totalitária,
pois que se fosse política haveria como discutir, discordar e questionar.
Mas estando a discussão reduzida ao detalhe e não às verdadeiras alternativas,
é nesse sentido que ela, a política,
morreu — e com ela se quedam ameaçadas as
liberdades, direitos e garantias que caracterizam o regime político democrático
e liberal, agora reduzido a este infindável processo burocrático de incremental
domesticação estatal do espaço anteriormente ocupado por famílias e indivíduos.
Quais são, então, essas grandes questões que compõem as alternativas
políticas e das quais nada se parece discutir ou aperceber em Portugal?
Alguns exemplos, porque o espaço é curto. Desde logo a questão da própria soberania, outrora conquistada e
mantida a sangue, suor e fogo. Portugal hoje não é um país soberano,
nem é de esperar que o venha a ser de novo.
Dependente do crivo orçamental
europeu, da boa-vontade do BCE em caso de dificuldade na obtenção de dívida e
de uma genérica solidariedade dos contribuintes líquidos da UE para com o
atraso crónico que 40 anos de subsídios estruturais não resolveram, a política
europeia portuguesa reduz-se a tentar garantir que esses subsídios não acabem
nas carteiras de outros países outrora mais atrasados que nós e que hoje em dia
já nos ultrapassaram em qualidade de vida. Como dizer não a quem paga a conta? E quem
explica o hercúleo esforço e a enorme dificuldade implicados no resgate dessa
soberania que políticos oportunistas deitaram janela fora nos últimos anos?
Depois, a fundamental defesa dos direitos, liberdades e garantias
individuais, como por exemplo a liberdade de expressão e demais direitos
constitucionais, pedras fundamentais da democracia liberal e que, ao arrepio de
pelo menos 23 acórdãos do Tribunal Constitucional, foram vez após vez
infringidos e colocados em causa pelos poderes políticos, inclusive pelo
próprio Presidente da República, sem que houvesse um clamor mediático, uma
discussão séria na arena pública ou um levantamento popular massivo na defesa
da liberdade política tal qual a conhecemos. Não, os
direitos fundamentais infringiram-se sem discussão, pelo contrário, demonizando
todos aqueles que se atreveram a rejeitar tais abusos e a denunciar os perigos
que as novas políticas públicas — como por exemplo na área da liberdade de
expressão — colocam ao “regular funcionamento da democracia”.
Se a discussão sobre como defender a
democracia e a liberdade não faz parte da política, então o que sobra nessa
discussão que seja de facto importante? Depois, a completa incapacidade de discutir as causas
para além das consequências. Atente-se, por exemplo, no caso da imigração: partidos
agitam-se sobre o problema imigratório, sobre a segurança, sobre valores, sobre
cultura, etc., sem que haja quem diga o óbvio: apenas há um problema imigratório porque a sociedade
portuguesa está em vias de extinção na medida que morrem muito mais portugueses
do que aqueles que nascem. Que maior
questão política poderá haver a um país do que o facto de estar a duas ou três
gerações da extinção? Mas sobre este elefante no meio da
sala, por alguma razão, não se fala, e o Estado que custa a cada português mais
de metade do que produz e que é suposto zelar, no mínimo, pela subsistência da
nossa comunidade política parece, no mínimo, alienado face a esta questão,
senão apostado mesmo na nossa completa destruição.
Não, nada de estrutural se discute. As
causas, as bases, o real, tudo chega ao Parlamento e ao Telejornal como
adquirido. E nenhum partido apresenta estratégias séria de longo prazo sobre
como resgatar Portugal da sua condição subserviente, dependente, em extinção
demográfica, crescentemente não-democrática, miserável, decadente, colonizada,
em que se encontra. Ainda assim, num mundo que
desaparece, os mordomos do regime, tal como Anthony Hopkins em Os Despojos do
Dia, parecem resignadamente apostados em que nada se passa, que amanhã será
igual a hoje e que desde que cumpram pressurosamente a sua função — a do
teatrinho ridículo dos burocratas que, repetindo clichés, carimbam a extinção
—, no final, irá “ficar tudo bem”. Só que não, a cada dia que passa o país
definha mais, quer económica, social e materialmente, mas também, e sobretudo,
política, democrática e civilizacionalmente.
Assim continuando, daqui por uns anos, não restará nada.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos
publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade
dos membros da Oficina
da Liberdade e não reflectem
necessariamente uma posição da Oficina
da Liberdade sobre os
temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem
pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre
concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.
COMENTÁRIOS (de 11)
José Martins de Carvalho: Excelente artigo, que bem merecia aparecer em destaque. Diagnóstico do
momento, será útil para posterior estudo da queda do País. Arquive-se.
José B Dias: Portugal segue tranquilamente a reboque da UE, uma proto-federação
político-burocrática onde o país se dissolveu voluntária e alegremente, sempre
de mão estendida pelo subsídio, o PRR e o QE do BCE, isto enquanto implementa,
de “pin” na lapela e sem qualquer discussão, a Agenda 2030 lamuriada por
Guterres e propagandeada por tudo o que é ONG, activistas estilo Greta ou
agências de investimentos financeiros globais “verdes”. Difícil seria melhor descrever a actualidade
... que o povão alienado, inculto e facilmente manipulado aplaude!
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