sábado, 27 de abril de 2024

Manietados

 

Manietados

Numa estreiteza sombria. Mas as tristezas não pagam as dívidas… Trabalhemos, ao menos, para isso, não façamos como ele, recusemos ficar na selfie, em mansidão bovina, ou em colaboração canina, para o gluglu da nossa praxe…

Nem chefe nem Estado

Não foi bem o “prestígio” do cargo que o prof. Marcelo implodiu: foi mesmo a autoridade do cargo, que com dificuldade voltará a ser o que era. Se é que volta.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 27 abr. 2024, 00:19

Onde é que eu estava no 25 de Abril de 2024? Em casa, a reflectir nas descargas retóricas do prof. Marcelo produzidas no dia 23. Parece que milhares de portugueses saíram à rua a comemorar um regime que nos permitiu escolher em liberdade um presidente assim, tão distante de um presidente assado e imposto do calibre, por exemplo, de Américo Thomaz. Aqui, numa vila encostada ao cantinho superior direito da pátria, não dei pela existência de festividades, pelo que cirandar na rua sozinho a berrar slogans e exibir cravos seria um programa suspeito. A alternativa passou por uma tarde recatada, a ver filmes do Billy Wilder, a consultar as “redes sociais” e a inventariar as teorias com que o bom povo procura explicar o estado do prof. Marcelo.

As teorias são abundantes em número e empenho. O homem está maluco. O homem é maluco. O homem bebeu. O homem fumou. O homem não tomou a medicação. O homem é uma criança desesperada por atenção. O homem é um egocêntrico patológico. O homem padece de Covid longa. O homem está afectado pela vacina. E estas são apenas as teses que captei na minha “caixa” de comentários no Twitter: de certeza que em “caixas” alheias se garante que o homem serve interesses extraterrestres ou é refém dos “illuminati”.

Entre parêntesis, e para efeitos legais, informo que me limitei a reproduzir o que algumas pessoas opinaram, sem respeito ou consideração pelo posto de mais alto magistrado da nação (no que, curiosamente, imitam o mais alto magistrado da nação). Fechado o parêntesis, achei interessante que a vasta maioria das “justificações” invocasse situações de excepção. Poucos estudiosos colocaram a hipótese de o prof. Marcelo ser, desde sempre, um mero caso de mediocridade, a que o “marketing” e a propensão nacional para venerar pechisbeques conferiram uma dimensão de suma inteligência. Como o cavalo com riscas que costuma ser uma zebra, o provável é que o prof. Marcelo diga disparates porque pensa disparates. O mito em volta do “brilhantismo” da personagem decorre de uma vácua carreira no, digamos, jornalismo, onde se especializou em coscuvilhice e boatos, e sobretudo nos anos de parlapatice televisiva, que aproveitou para teimar na manipulação primária, fingir que lia livros e ganhar notoriedade. A notoriedade é o único desígnio do prof. Marcelo.

Sendo esquisito, um cronista que não sabe o que é uma crónica e um comentador político a quem não se conhece uma ideia política não configura um quadro especialmente condenável ou grave: qualquer artista de variedades executa as piruetas – ou os banhos no Tejo, ou as “selfies” – necessárias à fama. O problema é o artista de variedades ambicionar a presidência. E, muito pior, chegar à presidência. Empurrado pela tal notoriedade, por faltas de comparência e de concorrência, por “media” simpáticos e pelos pares de uma “elite” que se exalta mutuamente para não se revelar pelintra, o prof. Marcelo chegou. E disse.

Nestes oito anos, o prof. Marcelo disse imensas coisas, nenhuma que tivesse pertinência ou sentido, e calou outras tantas, todas as que arriscavam relevância e implicavam compromisso. De caminho, sustentou com empenho as peripécias de governos daninhos, manteve o país por 173 dias numa “emergência” cobarde e arrasadora, deixou-se fotografar com 98% da população, beijocou 99%, convocou repetidamente câmaras para o filmarem a despir-se na praia, proclamou-nos os “melhores do mundo” em centenas de sectores e actividades, deu entrevistas no lugar dos jogadores da bola, usou ou permitiu que se usasse o seu cargo em favores particulares, etc. Não foi bem o “prestígio” do cargo que o prof. Marcelo implodiu: foi mesmo a autoridade do cargo, que com dificuldade voltará a ser o que era. Se é que volta.

Bastaram três ou quatro meses para, em entrevista de Junho de 2016 a Rui Ramos e Vítor Matos, para o Observador, Vasco Pulido Valente avaliar os méritos dos mandatos do prof. Marcelo:Acaba com a seriedade na política. Ele transformou a política num espectáculo. Não há dia em que ele não apareça. (…) Marcelo não tem relações com o país. Ele tem a mesma espécie de relação que um cantor pop tem com o seu público. Dar beijinhos à população não é ter uma relação com o país. Que mensagem é que ele passa? Que convicção é que representa um beijinho?” E o Vasco acrescentou: “Lembra-me sempre uma frase que o De Gaulle disse sobre o Lebrun, último presidente da Terceira República Francesa. ‘Como chefe de Estado ele tinha dois defeitos, não era chefe, nem havia Estado’”.

Eis um resumo cabal. Oito anos depois, o prof. Marcelo só aprimorou o “estilo” e aprofundou as respectivas consequências. Pode-se discutir se as alucinadas confissões aos correspondentes estrangeiros, na última terça-feira, representam um passo em frente num percurso de impensáveis embaraços ou se mantêm o tom de sempre. Indiscutível é que o prof. Marcelo não possui as características intelectuais, emocionais, sociais e o que quiserem para ser presidente da República. Mas é. E, apesar dos crescentes apelos para que renuncie formalmente ou desapareça informalmente, em princípio continuará a sê-lo até 2026. O que daqui a dois anos será a República é uma questão diferente.

MARCELO REBELO DE SOUSA    PRESIDENTE DA REPÚBLICA    POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 6)

F. Mendes: Excelente artigo. Vou enviá-lo a alguns conhecidos meus, que, há alguns anos, defendiam ainda a "postura" inovadora do inquilino de Belém. Recomendo que outros façam o mesmo, dado o resumo ser quase perfeito. E digo quase, porque os 173 dias consecutivos de confinamento, referidos pelo AG, correspondem "apenas" à segunda volta da nossa prisão domiciliária, sem justa causa (entre Novembro de 2020 e Abril de 2021). Houve uma primeira punição, logo em 18 de Março de 2020, que se prolongou por várias quinzenas. Quanto ao resto do "mandato" deste personagem, nem me atrevo a fazer previsões. O que há a esperar é, simplesmente, que o tempo em falta não seja demasiado penoso. Numa palavra, Marcelo evoluiu de uma perfeita nulidade, para um activo tóxico: um mono sem préstimo, nem valor de mercado. Seria bom que pudéssemos comprá-lo pelo que vale, e vendê-lo pelo que julga que vale. Ficávamos todos riquíssimo

 

Antissemitismo, antibelicismo


Coisa antiga, a merecer protesto sempre, por toda a parte, com razão... Traduzido em resumo de beleza, cá por casa, o antissemitismo sucedendo posteriormente, também cá por casa, por enquanto, apenas se chamando de anti- castelhanismo …

Lusíadas, IV, 44

«Alguns vão maldizendo e blasfemando
Do primeiro que guerra fez no mundo;
Outros a sede dura vão culpando
Do peito cobiçoso e sitibundo,
Que, por tomar o alheio, o miserando
Povo aventura às penas do Profundo,
Deixando tantas mães, tantas esposas,  / 
Sem filhos, sem maridos, desditosas.»

 10h07:54

Netanyahu compara protestos nas universidades dos EUA com "antissemitismo" na Alemanha nos anos 30

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, comparou os inúmeros protestos que estão a acontecer nas universidades dos EUA com o “antissemitismo” que marcou várias manifestações na Alemanha Nazi.

O discurso de Netanyahu surge depois de terem sido detidas mais de 550 pessoas que se manifestam contra a operação militar israelita na Faixa de Gaza.

Netanyahu argumentou que “turbas anti-semitas tomaram conta das principais universidades” norte-americanas, pedindo “a aniquilação de Israel”. O responsável acrescentou que os manifestantes estão a “atacar” estudantes e professores judeus no que é uma “uma reminiscência do que aconteceu nas universidades alemãs na década de 1930”.

Há 10h07:22

EDGAR CAETANO

OBSERVADOR, 26/4/24

Cais humanitário pode receber 150 camiões por dia. Estará operacional no início de maio.

No início de maio deverá estar operacional o cais que os EUA estão a construir em Gaza. A infraestrutura deve começar por receber o equivalente a 90 camiões de ajuda humanitária por dia, mas dentro de poucas semanas a capacidade pode chegar a 150.

O início da construção deste porto marítimo começou por ser anunciada por Joe Biden, em março. Segundo um comunicado oficial do Pentágono, emitido na noite de quinta-feira, já no início de maio vai começar a ser possível fazer chegar ajuda humanitária àquela região, descarregando grandes volumes de ajuda humanitária para a Faixa de Gaza.

O porto, que será construído por soldados norte-americanos, fica a sudoeste da cidade de Gaza, a região que era a mais populosa do enclave até ao início da guerra. Um alto funcionário do governo Biden, citado pelo The Times of Israel, disse que a ajuda humanitária que chegar ao cais irá passar pelos postos de controlo israelitas em terra.

Essa verificação de segurança acontecerá apesar de a ajuda já ter sido inspeccionada por Israel em Chipre antes de ser enviada para Gaza. A intenção é impedir que qualquer ajuda chegue ao Hamas, apoiando o seu esforço de guerra.

Há 10h07:15

Bom dia.

Vamos concentrar neste artigo liveblog todas as últimas notícias relacionadas com o conflito no Médio Oriente, ao longo desta sexta-feira.

Deixamos,aqui, a ligação para o liveblog de ontem, quinta-feira, que terminou com a informação de que Israel concorda com regresso de palestinianos ao norte da Faixa de Gaza.

Muito obrigado por nos acompanhar.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

Pois não

 

A panaceia qual seria? A oeste, opina-se.

Apoio norte-americano permite à Ucrânia "respirar de alívio", mas não será "panaceia" para vencer a guerra

Pacote de ajuda dos EUA de 57 mil milhões de euros ajudará ucranianos a suster ofensiva russa e a proteger civis dos ataques aéreos. Kiev deixará de "racionar munições", mas não é nenhuma "panaceia".

JOSÉ CARLOS DUARTE: Texto

OBSERVADOR,  25 abr. 2024, 22:252

Índice

Ajuda militar, financeira, logística e humanitária: por que é composto o pacote de ajuda norte-americano?

Ucrânia pode agora arriscar, mas só restabelecerá capacidades em junho

A mobilização: o calcanhar de Aquiles da Ucrânia

Um excepção ou o apoio prolongado até à vitória: a dúvida que pode determinar o sucesso ucraniano

Que Putin se arrependa do dia em que duvidou da determinação norte-americana.” Após meses de impasse, negociações nos bastidores, chantagens e ameaças, o pacote de 61 mil milhões de dólares (cerca de 57 mil milhões de euros) de ajuda à Ucrânia foi aprovado esta terça-feira à noite pelo Congresso norte-americano e promulgado esta quarta-feira pelo Presidente norte-americano, Joe Biden. O líder do Senado, o democrata Chuck Schumer, saudava a decisão, com críticas ao Chefe de Estado russo e aos republicanos que insistentemente se opuseram à ajuda. Em Kiev, respirou-se de alívio.

Na Ucrânia, que tanto apelou à aprovação do pacote de ajuda, existe um renovado sentimento de esperança. As forças ucranianas têm enfrentado condições cada vez mais difíceis no terreno e não têm conseguido fazer face a uma limitada ofensiva russa, que paulatinamente tem levado à conquista de várias aldeias no Donbass. A falta de munições, equipamentos militares e homens para combater criam dores de cabeça às altas patentes militares de Kiev. Ora, o apoio de Washington vem tentar colmatar essas falhas, esperando dar um novo ânimo à Ucrânia.

Numa entrevista ao canal de televisão norte-americano NBC News, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse acreditar que este “apoio vai fortalecer as Forças Armadas”. E até referiu que os 61 mil milhões de dólares poderão dar uma “chance de vitória” à Ucrânia, se o país “receber as armas que tanta necessita”. “Temos de estabilizar a situação e retomar a iniciativa”, declarou o Chefe de Estado, que apelou a que a ajuda chegue o “mais cedo possível”.

Os destroços do ataque russo contra Kharkiv, esta quarta-feira ANADOLU VIA GETTY IMAGES

Em declarações ao Observador, Mariya Omelicheva, professora de Estratégia na National War College, em Washington D.C., assinala que os soldados e a liderança ucraniana puderam “respirar de alívio” com a aprovação do pacote de ajuda dos Estados Unidos da América: “Vai dar aos ucranianos a artilharia e as munições necessárias para os ajudar a estabilizar as linhas de defesa e travar os avanços lentos da Rússia”. No entanto, a especialista ucraniana avisa este auxílio não é uma “panaceia” que vai solucionar todos os problemas: O maior desafio da Ucrânia é o número de homens”.

Ajuda militar, financeira, logística e humanitária: por que é composto o pacote de ajuda norte-americano?

Ainda não foram divulgados os pormenores do pacote de ajuda norte-americano. Apenas se sabe dividirá em várias componentes: de ajuda militar, financeira e humanitária. Dos 61 mil milhões, cerca de nove mil milhões de dólares (aproximadamente 8,42 mil milhões de euros) serão, relata a BBC, em formato de “empréstimos perdoáveis”, que abrem a possibilidade de Kiev nunca pagar esse valor, caso não obtenha condições financeiras para tal.

Na ajuda militar, um grande valor será utilizado para reparar ou recarregar equipamentos de guerra enviados pelos Estados Unidos para território ucraniano noutras fases do conflito. Em concreto, a Reuters apurou que a primeira tranche deste pacote de ajuda será de mil milhões de dólares (cerca de 940 milhões de euros).

Joe Biden anunciou que, nas "próximas horas", Ucrânia vai receber equipamento militar norte-americano SHAWN THEW/EPA

Esta quarta-feira, ao promulgar o pacote de ajuda, Joe Biden anunciou que, nas próximas horas”, a Ucrânia já vai receber equipamentos de guerra e munições dos EUA. “Vamos começar a enviar equipamentos para a defesa aérea, artilharia, sistemas de lançamento de foguetes e veículos de combate”, detalhou o Presidente norte-americano.

Não obstante, demorará algum tempo até se ter uma ideia completa para onde é que serão destinados os 61 mil milhões de dólares. Ao Observador, Mikhail Polianskii, membro do think tank Peace Research Institute Frankfurt e especialista em política russa e na segurança da Europa, defende que o pacote de ajuda norte-americano vai colmatar as principais falhas no terreno. “Esta ajuda é provável que inclua várias formas de apoio militar, como armas, munições e treino. Poderá fortalecer significativamente a Ucrânia e parar os avanços russos.”

No entender do especialista russo que vive na Alemanha, a falta de munições é, atualmente, o problema mais grave com que se debatem as tropas ucranianas. Estes 61 mil milhões de dólares darão a possibilidade à Ucrânia de “deixar de racionar munições”, como tem feito “nos últimos meses”, devido à escassez: “A Ucrânia começou recentemente a usar sistemas HIMARS ativamente, após as notícias de o pacote de ajuda ter sido aprovado”. 

"Esta ajuda é provável que inclua várias formas de apoio militar, como armas, munições e treino. Poderá fortalecer significativamente a Ucrânia e parar os avanços russos"

Mikhail Polianskii, membro do think tank Peace Research Institute Frankfurt e especialista em política russa e na segurança da Europa

Um exceção ou o apoio prolongado até à vitória: a dúvida que pode determinar o sucesso ucraniano

Outro tipo de ajuda importante é, para Mikhail Polianskii, o logístico, algo que poderá ser reforçado com o pacote de ajuda.Além do militar, apoio logístico é crucial”, sublinha o especialista, enumerando no que consiste: “Combustível, equipamentos médicos, dispositivos de comunicação, que são vitais para manter as capacidades operacionais”. 

Ucrânia pode agora arriscar, mas só restabelecerá capacidades em junho

Travar a lenta ofensiva russa no leste e salvar os civis dos ataques aéreos de Moscovo estes são os dois principais fins para o pacote de ajuda norte-americano. A Rússia tem lentamente avançado em território ucraniano e as forças armadas ucranianas tinham de racionar munições e sofriam perdas”, expõe Mariya Omelicheva, algo que a ajuda de Washington ajudará a travar. “Também permitirá reabastecer a defesa aérea para proteger cidades e infraestruturas críticas danificadas por mísseis russos e ataques com drones. E será usado para treinar recrutas ucranianos.”

Apesar de a entrega de equipamentos de guerra começar muito em breve, isso não deverá “afectar a situação na linha da frente” durante “várias semanas”. No relatório diário do think tank norte-americano Instituto para a Guerra (ISW) da passada segunda-feira, lê-se que a Ucrânia pode ainda “sofrer alguns reveses” com a ofensiva russa, até ser “capaz de estabilizar a frente”, principalmente em redor da localidade de Chasiv Yar, que a Rússia tem tentado, nas últimas semanas, conquistar.

A situação em Chasiv Yar AFP VIA GETTY IMAGES

As forças ucranianas vão provavelmente continuar a sofrer de falta de munições e de interceptores de defesa aérea nas próximas semanas”, prossegue o Instituto para a Guerra, que conjectura que “as forças russas” ainda poderão ter “ganhos tácticos marginais”. Além disso, a “ameaça de um avanço significativo russo nas próximas semanas ainda se mantém”, embora a Ucrânia possa agora tomar passos “arriscados”, de modo a “evitar esse avanço, uma vez que sabe que mais material chegará em breve”.

Neste sentido, o Instituto para a Guerra prevê que as capacidades das forças armadas ucranianas estarão mais fortalecidas para combater de igual para igual a Rússia provavelmente em junho de 2024, mês em que se espera que Moscovo lance uma ofensiva de larga escala na Ucrânia. O Kremlin não desiste de controlar a totalidade das províncias de Donetsk e Lugansk, assim como planeia uma operação militar para conquistar a cidade de Kharkiv, palco de ataques aéreos russos nos últimos dias.

A capacidade ucraniana de se defender (e quem sabe passar a ofensiva) depende igualmente da Rússia. O Instituto para a Guerra vaticina que as forças russas, nas próximas semanas, vão “provavelmente intensificar as operações ofensivas”, bem como os ataques com drones e mísseis, para explorar precisamente esta altura de impasse, em que a Ucrânia já recebeu ajuda ocidental, mas que não a implementou totalmente no terreno. “As forças russas mantiveram e, em algumas áreas, intensificaram as operações ofensivas.”

Tropas ucranianas continuarão, apesar da aprovação da ajuda, a sofrer alguns reveses no campo de batalha nas próximas semanas STR/EPA

Publicamente, o Kremlin reagiu com desprezo à ajuda norte-americana. O porta-voz da presidência russa, Dmitry Peskov, atacou a polícia “neocolonial” norte-americana, garantindo que os 61 mil milhões de dólares “não vão mudar nada”: “Todos os especialistas podem ver a olho nu a situação da frente, que está longe de estar favorável para o lado ucraniano. Não vai mudar nada”.

Por sua vez, Mikhail Polianskii não vê “como é que aprovação do pacote de ajuda possa mudar a posição da Rússia” no terreno, continuando com operações ofensivas de baixa intensidade: “A Rússia está actualmente a usar as capacidades máximas e não está a esperar por uma oportunidade para escalar”. Ainda assim, o especialista ressalva ao Observador que pode assistir-se a uma “intensificação da propaganda” destinada a “minar o real significado” deste apoio, passando a mensagem de que é ineficaz e nada vai mudar, como o porta-voz do Kremlin fez. “Além disso, não prevejo grande mudanças.”

A mobilização: o calcanhar de Aquiles da Ucrânia

A ajuda norte-americana pode ajudar a Ucrânia em termos financeiros e militares, mas há algo que nunca poderá fornecer: homens. O grande desafio da Ucrânia é ter pessoas para disparar as balas”, realça Mariya Omelicheva, que traça um retrato de “várias baixas e exaustão na linha da frente”, após dois anos e dois meses de guerra: “A Ucrânia precisa de mais e mais soldados, de preferência revigorados”.

"O grande desafio da Ucrânia é ter pessoas para disparar as balas. A Ucrânia precisa de mais e de mais soldados, de preferência revigorados" Mariya Omelicheva, professora de Estratégia na National War College, em Washington D.C.

Assim sendo, o Presidente ucraniano tem tentado mobilizar a sociedade para que mais homens se inscrevam nas Forças Armadas e aceitem combater. “Recentemente, [o governo] diminuiu a idade da conscrição dos 27 para 25 anos”, exemplifica Mariya Omelicheva. Essa mudança trará cerca de 400 mil pessoas para as Forças Armadas.

Há outra frente, desta vez mais diplomática, em que o governo ucraniano tem tentado obter sucesso: convocar os homens em idade militar que abandonaram a Ucrânia. Sendo assim, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, anunciou que os serviços consulares de Kiev serão suspensos para homens entre os 18 e os 60 anos.

Na sua conta pessoal do X (antigo Twitter), o chefe da diplomacia ucraniana justificou a decisão, recordando as circunstâncias da “agressão em larga escala da Rússia” e frisando que a “principal prioridade” dos habitantes do país passa agora por “proteger a pátria da destruição”. Dmytro Kuleba criticou depois os “homens em idade militar que foram para o estrangeiro“, que mostraram ao “Estado que não querem saber da sobrevivência” da Ucrânia — daí ter-lhes suspendido os serviços consulares.

Diplomacia ucraniana esforça-se para que homens que abandonaram a Ucrânia em idade militar regressem ao país SERGEY DOLZHENKO/EPA

Adicionalmente, em meados de abril, a polémica nova lei da mobilização também foi aprovada, ainda que tenha sido impopular. Uma das medidas mais contestadas foi o facto de não haver um prazo para a desmobilização dos soldados. Ou seja: numa guerra que se antevê longa, continua a não existir um prazo legal até quando os homens podem ser dispensados do campo de batalha. A legislação introduz, na mesma medida, um serviço militar básico para os jovens entre os 18 e os 24 anos, que poderão escolher quando é que o querem cumprir. Além disso, nas universidades, será introduzida uma componente de treino militar.

Um excepção ou o apoio prolongado até à vitória: a dúvida que pode determinar o sucesso ucraniano

Pelo menos nos próximos meses, este pacote de ajuda ajudará a Ucrânia a sustentar a ofensiva russa. O que acontece, porém, quando acabar? Num Congresso cada vez mais adverso ao auxílio a Kiev — com facções dentro do Partido Republicano abertamente contra a medida — torna-se cada vez mais difícil reunir apoio político nos Estados Unidos. O cenário ainda é mais negro para Kiev se se tiver em consideração uma possível vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em novembro, sendo que o magnata já prometeu “terminar com a guerra em 24 horas” — o que pode levar a cedências territoriais do lado ucraniano.Para Mariya Omelicheva, “mais significativo” do que estes 61 mil milhões de euros seria a “previsibilidade” desse apoio à Ucrânia. Isto é: que o apoio do Ocidente fosse contínuo até levar a Ucrânia à vitória. “

"Este novo pacote de ajuda vai ser gasto rapidamente. Embora não se deva desvalorizar o simbolismo deste pacote de ajuda — os EUA demonstraram determinação no apoio a Kiev — as disputas no Congresso resultaram em atrasos e incerteza, o que é altamente prejudicial para o sucesso da Ucrânia" Mariya Omelicheva, professora de Estratégia na National War College, em Washington D.C.

 É a previsibilidade da ajuda que é extremamente importante”, sublinha a especialista. Com um conflito já longo e sem perspectivas para acabar, essa previsibilidade pode estar em risco. Num artigo de opinião do New York Times, o senador republicano J.D. Vance, próximo de Donald Trump, defendeu a existência de negociações para terminar a guerra (mesmo com condições desfavoráveis para Kiev), argumentando que, mesmo com o apoio dos Estados Unidos, a Ucrânia não tem qualquer hipótese de vencer a guerra.

Ainda que esteja longe de estar dominante, esta tese começa a ganhar alguma tracção entre os republicanos. Com maioria na Câmara dos Representantes, estas facções do Partido Republicano conseguem criar impasses e dificultar a aprovação de pacotes deste género. O líder republicano da comissão dos Negócios Estrangeiros na Câmara dos Representantes, Michael McCaul, reconheceu que a “propaganda russa” entrou nos Estados Unidos. “Infelizmente, infectou grande parte da base do partido.”

Até onde o Ocidente está disposto a ir para garantir a vitória ucraniana é uma incógnita. A própria definição de ‘vitória’ varia: será a reconquista de todos os territórios ocupados pela Rússia desde 2014, incluindo a Crimeia, ou será estar numa posição de vantagem em relação à Rússia para encetar negociações? A primeira hipótese poderá ser impossível, tendo em conta o poderio russo; a segunda é difícil de avaliar.

Até quando o Ocidente, em particular os Estados Unidos, vão apoiar a Ucrânia é uma incógnita GETTY IMAGES

Para 2024, uma vitória militar ucraniana será praticamente impossível. Em declarações à Reuters, Matthew Savill, director de ciências militares no think tank britânico RUSI, enfatizou que a Ucrânia terá de se concentrar nas “posições defensivas”, resignando-se à ideia de que “perdeu alguns territórios para a Rússia”. Para o país, “o grande desafio é simultaneamente garantir uma defesa forte e preparar para uma ofensiva em 2025″. 

Em todo o caso, o apoio ocidental para uma eventual vitória será importante neste processo e terá de ir mais além dos 61 mil milhões de dólares norte-americanos. Apesar das dificuldades, Mariya Omelicheva mostra-se confiante: “A Ucrânia tem uma hipótese de vitória — mostra heroísmo, determinação, vontade e capacidade para lutar”. Contudo, o pacote norte-americano “não trará” o tão desejado triunfo a Kiev, reconhece a especialista, salientando que isso vai depender de vários factores. O principal? Até quando o Ocidente está disposto a financiar o esforço de guerra ucraniano.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO   RÚSSIA

COMENTÁRIOS:

Liberales Semper Erexitque: Apoio norte-americano permite à Ucrânia "respirar de alívio", mas não será "panaceia": Tradução para português: apoio norte-americano não será panaceia para que os ucranianos continuem a morrer que nem tordos para glória dos fascistas locais e testes militares dos EUA.

Pertinaz: Quem diz… os russos…???