segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Malhar em ferro frio ou a ineficácia da Ética



Uma história de índios, de Nuno Pacheco, espécie de alegoria para ajustar e justificar o seu repúdio pelo AO90. Os comentários de apoiantes, igualmente infelizes com uma situação de perversidade e idiotia definindo cidadãos que comandam os destinos de uma nação, selvaticamente indiferentes à destruição, entre outras, da sua própria língua.

Um texto sobre Ética, com fonte em Platão, de Salles da Fonseca, que se pode aplicar como corolário a este caso do tal Acordo, proveniente da falta da mesma Ética, que no texto se define.



Um provérbio como título desta “apresentação” de dois artigos complementares, que nada tem a ver com esse outro da “Água mole”. As “pedras duras” das nossas cabeças do comando são perfeitamente “infuráveis”, embora de modo algum “impenetráveis”.



Mesmo assim, repetimos, com Salles da Fonseca: «Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por egoísmo que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída a acções que estejam relacionadas com sentimentos de aprovação e dever».



OPINIÃO
I - Aprenderemos alguma coisa com os índios?
Em lugar de darmos livre-trânsito às novas variantes do português, alguém teve a péssima ideia de terraplenar a língua, fingindo unidade onde ela não existe nem pode existir.
PÚBLICO, 15 de Novembro de 2018
Ainda temos alguma coisa a aprender com os índios? Parece que sim. No IV congresso de Cooperação e Educação, que se realizou há uma semana no ISCTE, ficaram no ar duas interessantes declarações acerca de África e do modo como o Ocidente lida globalmente com ela. Uma, é o erro de olhar o continente como se fosse um país. Disse-o o guineense Geraldo Indeque, ao lembrar que às vezes chegam à Guiné-Bissau soluções já testadas noutros países para aplicar ali, cegamente, sem cuidar das especificidades locais. “Como se África fosse um só [país], guineenses ou angolanos, tudo o mesmo.” Deve haver uma gaveta chamada “África” de onde vão tirando os planos, sem olhar bem aos destinatários. E isto é válido para o Banco Mundial ou para tantas instituições de tantas espécies. Erro: ao ajudar “os africanos” não alteram nada em termos gerais e estão a falhar no particular.
Outro exemplo foi dado pelo angolano Filipe Zau. Para mostrar que nem tudo se aplica em todo o lado, sem olhar às características particulares de cada povo ou de cada cultura, recordou uma carta antiga, enviada por chefes índios aos governantes de dois estados norte-americanos, Virgínia e Maryland, na sequência de um tratado de paz. Os índios tinham enviado alguns dos seus “bravos” para estudar com os “caras-pálidas” (para usar a linguagem do faroeste, disse Zau), estes regressaram às tribos e depois a proposta renovou-se: queriam eles enviar mais alunos? A resposta, já reproduzida muitas vezes em livros e na internet, por ter sido à data divulgada por Benjamim Franklin (1706-1790), diz o seguinte: “Estamos convencidos (...) que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa. (...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.” Não interessa aqui o discurso do bom selvagem nem o da inutilidade da educação ou do progresso, ambos falsos. Interessa, sim, a noção de desajuste. Porque mesmo a mais avançada das tecnologias deve, ao ser aplicada, ter em conta a comunidade a que se destina. Porque é inegável a importância da diversidade.
Ora o que se aplica a África aplica-se à língua. Não por acaso, a banca de livros exposta no ISCTE, nos dias do congresso, tinha um dístico a dizer “Literatura Afrikana”, com K. Pode parecer estranha tal deformação gráfica, mas é preciso entendê-la como afirmação de independência cultural, em especial de Angola. Zau disse que o seu nome seria Nzau (“elefante” em kikongo, que por cá se escreve quicongo), mas a ortografia portuguesa não lhe permite usar as duas vogais no início da palavra. É verdade, não permite. Porque em lugar de darmos livre-trânsito às novas variantes do português, estudando-as e fixando-as, deixando que cada país estabeleça a sua norma sem necessariamente quebrar os laços com a raiz, alguém teve a péssima ideia de terraplenar a escrita “à bala”, com um “acordo ortográfico” que não é acordo (porque lhe falta ser ratificado por metade dos países abrangidos) nem é ortográfico (porque veio destruir as regras mais elementares da ortografia) e que finge unidade onde ela não existe nem pode existir.
O que Indeque e Zau vieram dizer, com tais exemplos, é que a diversidade dos países deve ser respeitada naquilo que lhes compete. Angola, na escrita, afirma-se pelo K? Estará aí uma característica ortográfica angolana? Que se estude e fixe, se tal fizer sentido, sem a generalizar. Mas é a Angola que cabe a escolha, não a comités “internacionais”. Talvez esteja aí o princípio das autonomias de cada país no universo plural da língua portuguesa.

COMENTÁRIOS:
luisvaz, 16.11.2018: Antes de mais gostaria de agradecer aqui a todos os que através dos seus artigos têm vindo a público em defesa da Língua Portuguesa. Sob pena de deixar alguém para trás, gostaria de salientar o autor deste artigo Nuno Pacheco, Manuel Monteiro, Ivo Barroso e outros que combatem a ignorância, arrogância, pesporrência e pedantismo dos políticos em matéria linguística. Sabemos que para um político é mais importante não dissidiar e assegurar a continuidade do tacho do que defender a Língua Pátria. Assim estendem tapetes aos que em vez de vender cassetes pirata ou ananases, vieram vender dicionários e aos dactilógrafos/as que se meteram a escritores/as e precisam de fazer boca doce aos editores para que os mesmos aceitem e vendam a sua literatura de cordel. Eis o âmago da tribo acordista!...
A primeira coisa que se perguntará qualquer pessoa é por que carga de água têm de ser os políticos a definir as regras de ortografia de uma língua? Onde está a competência dos mesmos em linguística? Todos nós nos recordamos dos políticos que aprovaram e ratificaram o AO90 e das suas asneiras. Desde Cavaco Silva e os seus “cidadões” e “façarei” até à actriz Catarina Martins que pronuncia “acórdos” e “tóchicos” em vez de “acôrdos” e “tóksicos”. De salientar que Catarina Martins é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas e mestre em… Linguística. Será que obtinham aprovação num exame da antiga 4ª classe primária? Mas como já tivemos um primeiro-ministro que em escutas telefónicas de investigação criminal, mostrou não saber a diferença entre IVA e IRC, nada me admira no jardim à beira-mar!
mzeabranches, 16.11.2018: O AO90, indefensável do ponto de vista linguístico, é também inaceitável do ponto de vista político. E é aos políticos, em quem votámos, que temos de pedir contas, porque andaram a negociar - nas nossas costas, e ultrajando a confiança que neles depositámos - o destino da língua portuguesa, matéria em que não têm a mínima competência científica. E, além disso, espezinharam a democracia que têm o dever de respeitar, impondo a aplicação do AO90 ao país e permanecendo cegos e insensíveis perante o desastre claramente visível de que são responsáveis! "Errar é comum a todos os homens. Mas quando errou, não é imprudente nem desgraçado aquele que, depois de ter caído no mal, lhe dá remédio e não permanece obstinado. A teimosia merece o nome de estupidez." ("Antígona", Sófocles.
mzeabranches. 15.11.2018: O A090 só pode ter um destino: desaparecer de vez, a fim de reencontrarmos algum rigor e estabilidade ortográfica, em Portugal e no vasto mundo que usa a língua portuguesa. "É uma péssima reforma ortográfica, que tem como mirífico objectivo a unificação ortográfica da "lusofonia" e que, na realidade, contribui de forma clamorosa, para a acentuação da fragmentação ortográfica da mesma. (...) feita sem qualquer transparência no final dos anos 80 (...) sem os necessários estudos prévios, sem bases científicas e sem a indispensável discussão pública (...) TODOS os pareceres sobre o AO90 (...) solicitados pelo Instituto Camões (...) eram contra a aplicação do mesmo [excepto o] da Academia das Ciências de Lisboa [da responsabilidade de] um dos autores do AO90(!)" (Prof. Dr. António Emiliano)
luisvaz, 16.11.2018 Peço desculpa, mas deve haver aí confusão com Malaca Casteleiro que negociou o AO90 para vender os seus próprios dicionários que já estavam cozinhados pelo AO90. Na notícia do Público 1626119 de 26 de Fevereiro de 2014 da autoria de Ivo Miguel Barroso consta o seguinte: - Parafraseando o Professor, linguista e filólogo ANTÓNIO EMILIANO[9], “O Acordo Ortográfico é um monumento de incompetência e ignorância”[10], “um desastre”[11], produto de “indigência intelectual”[12] de “inépcia científica”[13], e de “completa insensatez”[14]. Se alguém definiu maravilhosamente o produto escatológico que é o AO90, foi o Professor António Emiliano. Quanto a Malaca Casteleiro, representante em Portugal da editora brasileira Houaiss, teria imenso gosto em nos pôr a escrever concani, bosquímano ou aborígena.
DCM, charneca de caparica 15.11.2018:  Aceitar o mirandês com segunda língua oficial e fingir unidade ortográfica é de facto uma aberração,
Raquel Azulay, 15.11.2018: sim, aprendemos: se não lutares e ganhares, morres.

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 25.11.18

Foto de Platão, com a seguinte afirmação:
PLATÃO: «Procurando o Bem para o nosso semelhante, encontramos o nosso».

Comentário de HSF:
Tenho como dogma a obrigação de praticarmos o bem.
Parafraseando o Cardeal D. Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, no seu livro “1810-1910-2010 DATAS E DESAFIOS” na pág. 121, «as coisas não são boas ou más porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe porque são más».
Mas eu não preciso de ordem divina para praticar o bem; tenho a sua prática como algo que é do meu próprio interesse. Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por egoísmo que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída a acções que estejam relacionadas com sentimentos de aprovação e dever».
Mesmo assim, repetimos, com Salles da Fonseca: «Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por egoísmo que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída a acções que estejam relacionadas com sentimentos de aprovação e dever».


Novembro de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(Nikósia, ABR18)

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