Uma história de índios, de Nuno Pacheco, espécie de alegoria
para ajustar e justificar o seu repúdio pelo AO90. Os comentários de
apoiantes, igualmente infelizes com uma situação de perversidade e idiotia
definindo cidadãos que comandam os destinos de uma nação, selvaticamente
indiferentes à destruição, entre outras, da sua própria língua.
Um texto sobre Ética,
com fonte em Platão, de Salles da Fonseca, que se pode
aplicar como corolário a este caso do tal Acordo, proveniente da falta da mesma
Ética, que no texto se define.
Um provérbio como título desta
“apresentação” de dois artigos complementares, que nada tem a ver com esse
outro da “Água mole”. As “pedras duras” das nossas cabeças do comando são
perfeitamente “infuráveis”, embora de modo algum “impenetráveis”.
Mesmo assim, repetimos, com Salles da Fonseca: «Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por egoísmo que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída a acções que estejam relacionadas com sentimentos de aprovação e dever».
OPINIÃO
I - Aprenderemos alguma coisa com os
índios?
Em lugar de darmos
livre-trânsito às novas variantes do português, alguém teve a péssima ideia de
terraplenar a língua, fingindo unidade onde ela não existe nem pode existir.
PÚBLICO, 15 de Novembro de 2018
Ainda temos alguma coisa a
aprender com os índios? Parece que sim. No IV congresso de
Cooperação e Educação, que se realizou há uma semana no ISCTE, ficaram no ar
duas interessantes declarações acerca de África e do modo como o Ocidente lida
globalmente com ela. Uma, é o erro de
olhar o continente como se fosse um país. Disse-o o guineense Geraldo Indeque, ao lembrar que às vezes chegam à
Guiné-Bissau soluções já testadas noutros países para aplicar ali, cegamente,
sem cuidar das especificidades locais. “Como se África fosse um só [país],
guineenses ou angolanos, tudo o mesmo.” Deve haver uma gaveta chamada “África”
de onde vão tirando os planos, sem olhar bem aos destinatários. E isto é
válido para o Banco Mundial ou para tantas instituições de tantas espécies.
Erro: ao ajudar “os africanos” não
alteram nada em termos gerais e estão a falhar no particular.
Outro exemplo foi dado pelo angolano Filipe Zau. Para mostrar
que nem tudo se aplica em todo o lado, sem olhar às características
particulares de cada povo ou de cada cultura, recordou uma carta antiga,
enviada por chefes índios aos governantes de dois estados norte-americanos,
Virgínia e Maryland, na sequência de um tratado de paz. Os índios tinham
enviado alguns dos seus “bravos” para estudar com os “caras-pálidas” (para usar
a linguagem do faroeste, disse Zau), estes regressaram às tribos e depois a
proposta renovou-se: queriam eles enviar mais alunos? A resposta, já
reproduzida muitas vezes em livros e na internet, por ter sido à data divulgada
por Benjamim Franklin (1706-1790), diz o seguinte: “Estamos convencidos (...) que os senhores desejam o bem para nós e
agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que
diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os
senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação não é a
mesma que a nossa. (...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram
formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando
eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da
floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o
veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito
mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como
caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos pela vossa
oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão
oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus
jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.” Não interessa aqui o discurso do bom
selvagem nem o da inutilidade da educação ou do progresso, ambos falsos.
Interessa, sim, a noção de desajuste. Porque mesmo a mais avançada das
tecnologias deve, ao ser aplicada, ter em conta a comunidade a que se destina.
Porque é inegável a importância da diversidade.
Ora o que se aplica a África aplica-se à língua.
Não por acaso, a banca de livros exposta no ISCTE, nos dias do congresso, tinha
um dístico a dizer “Literatura
Afrikana”, com K. Pode parecer estranha tal deformação gráfica, mas é
preciso entendê-la como afirmação de independência cultural, em especial de
Angola. Zau disse que o seu nome seria Nzau (“elefante” em kikongo, que por
cá se escreve quicongo), mas a ortografia portuguesa não lhe permite usar as
duas vogais no início da palavra. É verdade, não permite. Porque em lugar de
darmos livre-trânsito às novas variantes do português, estudando-as e
fixando-as, deixando que cada país estabeleça a sua norma sem necessariamente
quebrar os laços com a raiz, alguém teve a péssima ideia de terraplenar a
escrita “à bala”, com um “acordo
ortográfico” que não é acordo (porque lhe falta ser ratificado por metade dos
países abrangidos) nem é ortográfico (porque veio destruir as regras mais
elementares da ortografia) e que finge unidade onde ela não existe nem pode
existir.
O que Indeque e Zau vieram dizer, com tais exemplos, é que a
diversidade dos países deve ser respeitada naquilo que lhes compete. Angola, na escrita, afirma-se pelo K?
Estará aí uma característica ortográfica angolana? Que se estude e fixe, se tal
fizer sentido, sem a generalizar. Mas é a Angola que cabe a escolha, não a
comités “internacionais”. Talvez esteja aí o princípio das autonomias de cada
país no universo plural da língua portuguesa.
COMENTÁRIOS:
luisvaz, 16.11.2018: Antes de mais gostaria de agradecer aqui a
todos os que através dos seus artigos têm vindo a público em defesa da Língua
Portuguesa. Sob pena de deixar alguém para trás, gostaria de salientar o autor
deste artigo Nuno Pacheco, Manuel
Monteiro, Ivo Barroso e outros que
combatem a ignorância, arrogância, pesporrência e pedantismo dos políticos em
matéria linguística. Sabemos que para um político é mais importante não
dissidiar e assegurar a continuidade do tacho do que defender a Língua Pátria.
Assim estendem tapetes aos que em vez de vender cassetes pirata ou ananases,
vieram vender dicionários e aos dactilógrafos/as que se meteram a escritores/as
e precisam de fazer boca doce aos editores para que os mesmos aceitem e vendam
a sua literatura de cordel. Eis o âmago da tribo acordista!...
A primeira coisa que se
perguntará qualquer pessoa é por que carga de água têm de ser os políticos a
definir as regras de ortografia de uma língua? Onde está a competência dos mesmos em linguística? Todos nós nos
recordamos dos políticos que aprovaram e ratificaram o AO90 e das suas
asneiras. Desde Cavaco Silva e os seus “cidadões” e “façarei” até à actriz
Catarina Martins que pronuncia “acórdos” e “tóchicos” em vez de “acôrdos” e
“tóksicos”. De salientar que Catarina Martins é licenciada em Línguas e Literaturas
Modernas e mestre em… Linguística. Será que obtinham aprovação num exame da
antiga 4ª classe primária? Mas como já tivemos um primeiro-ministro que em
escutas telefónicas de investigação criminal, mostrou não saber a diferença
entre IVA e IRC, nada me admira no jardim à beira-mar!
mzeabranches,
16.11.2018: O AO90, indefensável
do ponto de vista linguístico, é também inaceitável do ponto de vista político.
E é aos políticos, em quem votámos, que temos de pedir contas, porque andaram a
negociar - nas nossas costas, e ultrajando a confiança que neles depositámos -
o destino da língua portuguesa, matéria em que não têm a mínima competência
científica. E, além disso, espezinharam a democracia que têm o dever de
respeitar, impondo a aplicação do AO90 ao país e permanecendo cegos e
insensíveis perante o desastre claramente visível de que são responsáveis! "Errar é comum a todos os homens.
Mas quando errou, não é imprudente nem desgraçado aquele que, depois de ter
caído no mal, lhe dá remédio e não permanece obstinado. A teimosia merece o
nome de estupidez." ("Antígona", Sófocles.
mzeabranches.
15.11.2018: O A090 só pode
ter um destino: desaparecer de vez, a fim de reencontrarmos algum rigor e
estabilidade ortográfica, em Portugal e no vasto mundo que usa a língua
portuguesa. "É uma péssima reforma ortográfica, que tem como mirífico
objectivo a unificação ortográfica da "lusofonia" e que, na
realidade, contribui de forma clamorosa, para a acentuação da fragmentação ortográfica
da mesma. (...) feita sem qualquer transparência no final dos anos 80 (...) sem
os necessários estudos prévios, sem bases científicas e sem a indispensável
discussão pública (...) TODOS os pareceres sobre o AO90 (...) solicitados pelo
Instituto Camões (...) eram contra a aplicação do mesmo [excepto o] da Academia
das Ciências de Lisboa [da responsabilidade de] um dos autores do AO90(!)"
(Prof. Dr. António Emiliano)
luisvaz,
16.11.2018 Peço desculpa,
mas deve haver aí confusão com Malaca Casteleiro que negociou o AO90 para
vender os seus próprios dicionários que já estavam cozinhados pelo AO90. Na
notícia do Público 1626119 de 26 de Fevereiro de 2014 da autoria de Ivo Miguel
Barroso consta o seguinte: - Parafraseando o Professor, linguista e filólogo
ANTÓNIO EMILIANO[9], “O Acordo Ortográfico é um monumento de incompetência e
ignorância”[10], “um desastre”[11], produto de “indigência intelectual”[12] de
“inépcia científica”[13], e de “completa insensatez”[14]. Se alguém definiu
maravilhosamente o produto escatológico que é o AO90, foi o Professor António
Emiliano. Quanto a Malaca Casteleiro, representante em Portugal da editora
brasileira Houaiss, teria imenso gosto em nos pôr a escrever concani,
bosquímano ou aborígena.
DCM,
charneca de caparica 15.11.2018: Aceitar o mirandês com segunda língua
oficial e fingir unidade ortográfica é de facto uma aberração,
Raquel Azulay,
15.11.2018: sim,
aprendemos: se não lutares e ganhares, morres.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 25.11.18
Foto de Platão,
com a seguinte afirmação:
PLATÃO: «Procurando o Bem para o nosso semelhante, encontramos o nosso».
Comentário de
HSF:
Tenho como dogma a obrigação de
praticarmos o bem.
Parafraseando o Cardeal D.
Manuel Clemente, Patriarca de Lisboa, no seu livro “1810-1910-2010
DATAS E DESAFIOS” na pág.
121, «as coisas não são boas ou más
porque Deus as mande ou as proíba; antes as manda porque são boas e as proíbe
porque são más».
Mas eu não preciso de ordem
divina para praticar o bem; tenho a sua prática como algo que é do meu próprio
interesse. Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por
egoísmo que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída
a acções que estejam relacionadas com sentimentos de aprovação e dever».
Mesmo assim, repetimos, com Salles
da Fonseca: «Nesta linha de raciocínio platónico, quase diria que é por egoísmo
que pratico o bem cuja melhor definição me parece ser «a qualidade de excelência ética atribuída a acções que estejam relacionadas
com sentimentos de aprovação e dever».
Novembro
de 2018
Henrique Salles da Fonseca
(Nikósia, ABR18)
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