Era o ministro finlandês Steinbroken, frequentador do “Ramalhete”,
que usava a expressão “definitiva” dos seus comentários anódinos, jamais
comprometedores. Não resisto a transcrever, da romagem de Carlos por Lisboa, no
final de “Os Maias”, com o seu amigo Ega, a descrição síntese da personagem.
Servirá, quando muito, para um sorriso de deleite, na penúria de alegrias que a
época baça em que vivemos nos cria, e em que artigos claros e honestos como o
de Rui Ramos e mais o comentário de António Moreira sobre a degradação do nosso
Estado Social, nos deixam ainda mais empenados. De susto.
«E a besta do Steinbroken? - Ministro em Atenas, exclamou Carlos, entre
as ruínas clássicas! E esta ideia do Steinbroken, na velha Grécia, divertiu-os
infinitamente. Ega imaginava já o bom Steinbroken, teso nos seus altos
colarinhos, afirmando a respeito de Sócrates, com prudência: «Oh, il est très
fort, il est excessivement fort!» Ou ainda, a propósito da batalha das
Termópilas, rosnando, com medo de se comprometer: «C’est très grave, c’est
excessivement grave!» Valia a pena ir à Grécia para ver!» (OS MAIAS; Cap. XVIII)
Mas é o que sentimos, sem
sermos Steinbroken, uma preocupação bem real: ´É, de facto, “excessivamente
grave”, isto aqui, em Portugal.
Em Portugal, só os “neo-liberais” é que
não podem destruir o Estado /premium
OBSERVADOR, 16/11/2018
A geringonça provou que um
governo em Portugal pode degradar os serviços públicos sem enfrentar mais do
que notícias avulsas. Precisa é de ser de esquerda.
Uma das coisas mais bizarras
deste tempo são os cumprimentos que os parceiros da “geringonça” se dão a si
próprios pelo “rigor e equilíbrio” nas contas do Estado. Como
se esse rigor e equilíbrio fossem uma opção. Num país endividado,
totalmente dependente da ajuda europeia, e que estaria em apuros à primeira
dúvida sobre as suas contas, não são uma opção: são uma obrigação. Portugal não
é a Itália (e ainda está para se saber até pode ir a Itália). O governo
minoritário socialista, sustentado pela geringonça, não provou nada em relação
a 2001 ou a 2011: simplesmente, já não há condições, como então houve, para
fazer défices do mesmo tamanho.
Há uns anos atrás, os sócios da actual maioria irritavam-se muito
quando se dizia que não havia alternativa: agora talvez já tenham percebido o
que isso quer dizer. É óbvio que há alternativa, mas é tão custosa e tão
contrária a tudo o que somos e queremos, que nem o BE e o PCP, agora que são
poder, se atrevem a propô-la. Não
deviam ter escarnecido tanto da rendição do camarada Tsipras.
Do que a geringonça se gaba menos
é daquilo que, essa sim, foi uma opção. Numa das conjunturas económicas e financeiras mais favoráveis dos
últimos cinquenta anos, o governo optou por não fazer reformas. Não melhorou a
eficiência do Estado nem, no que lhe dizia respeito, a competitividade da
economia. Pelo contrário, manteve a carga fiscal dos tempos do
ajustamento e sobrecarregou o Orçamento a favor das classes
que, segundo a sabedoria oligárquica, decidem as eleições. Este, sim, foi um
caminho que o governo escolheu e que poderia ter sido diferente.
A opção teve um aspecto
revelador: para contrabalançar as benesses às suas clientelas, o governo não
hesitou em recorrer a cativações, cortes de investimento e acumulação de
dívidas, que estropiaram dramaticamente os serviços públicos. Deixou de haver
dúvidas: para os partidos que apoiam a geringonça, o chamado Estado social vale
sobretudo como um empregador. O serviço público é secundário.
Eis porque transportes, hospitais, polícias, escolas e tribunais passam
por aflições que, se tivessem ocorrido sob a “troika”, teriam inspirado furores
mediáticos infindáveis. Mas para o jornalismo do regime, a grande questão da
sociedade portuguesa é, actualmente, a alt-right no Brasil. A geringonça provou assim que um governo
pode degradar os serviços públicos sem enfrentar mais do que notícias avulsas.
Precisa é de ser de esquerda. Em Portugal, só os “neo-liberais” é que não têm
licença para destruir o “Estado social”.
O custo da geringonça não é só o comboio que falha ou a consulta
para daqui a um ano. É também uma das taxas de crescimento económico mais
medíocres da Europa — embora disfarçada, em relação à média, pelo mau
desempenho de algumas grandes economias, como a Itália. Nos últimos anos,
muitos países convergiram com os níveis de riqueza médios da Europa. Portugal,
ao contrário do que nos tínhamos habituado na segunda metade do século XX, não
foi um deles, nem mesmo nas circunstâncias actuais, que dificilmente poderiam ser
mais propícias (juros baixos, petróleo barato, acesso a alguns dos maiores
mercados do mundo, etc.). Passámos décadas à espera do dia em que fossemos tão
ricos como os mais ricos. Já não
esperamos. Nunca as expectativas foram tão baixas em Portugal.
Dir-me-ão: não é um problema por que possamos culpar só este
governo. Sem dúvida, mas é um problema para que este governo, tal como os
anteriores governos socialistas, teve sempre uma só resposta: mais Estado, isto é, mais impostos e mais
burocracia. É isso que têm feito os países cujas economias mais se
expandiram na Europa nas últimas duas décadas? Não parece. Mas nunca
houve geringonças de graça.
UM COMENTÁRIO:
António
Moreira: Há 4
anos quando a esquerda queria “insultar” os partidos da direita portuguesa que
formaram um governo de salvação nacional apelidavam-nos de neoliberais (sem qualquer ponta de sentido, diga-se de passagem).
Depois de formada a geringonça
o discurso, até para o PS justificar aquela união de facto improvável, foi
alinhado à esquerda e o “insulto” passou a ser fascista/racista/xenófoba (e às vezes também lhes sai um misógino que
outro).
Agora, ao verem o
aparecimento do fenómeno Bolsonaro, e eventualmente receosos de
um dia destes serem apeados como aconteceu com o até há pouco tempo inapeável
PT, além de fascista/racista mais o
resto daquela coisada toda, a esquerda chora baba e ranho com saudades da
“velha direita liberal”.
Quando essa “velha direita liberal” foi governo, o que nos últimos 20
aconteceu para resgatar o país de pântanos ou de bancarrotas socialistas, a
acusação era de querer acabar com o SNS e com o Estado Social. Agora que a
esquerda governa em ciclo de crescimento mundial pode dar cabo à vontade do SNS
e do Estado Social que já não há interrupções de comissões parlamentares de
saúde, nem grandoladas, nem indignados, e o pior que acontece são umas greves
em part-time dos funcionários judiciais e uma ou outra manif light do Arménio
CGTP Carlos ou do Mário Fenprof Nogueira, que pouco ou nada emocionam o país e
ainda menos a Comunicação Social amiga do regime.
E, portanto, é facílimo
ser-se de esquerda e mais ainda ser-se governo de esquerda, contando que se
tenha bom estômago e uma coluna vertebral não mais firme que um guardanapo. E
na verdade, pensando bem e no alto do meu comodismo natural, acho mesmo que só
não sou de esquerda porque não tenho jeito para ser actor em tragi-comédias!
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