Foi lenga-lenga que nunca mais esqueci, do livro de História da escola primária,
sintético nos dados e com perguntas e respostas, para ser decorado a preceito e
sem palmatória: “Em 1418, João Gonçalves
Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a Ilha de Porto Santo. No ano
seguinte, os mesmos e Bartolomeu Perestrelo descobriram a Madeira”. Tratou-se,
pois, dos primeiros Descobrimentos Marítimos portugueses, efectuados a mando do
Infante D. Henrique, no tempo de seu pai D. João I, o de Boa Memória. Mais
tarde, em estudos já universitários, versando sobre D. Francisco Manuel de Melo, leria, contudo, na sua Epanáfora Amorosa, que os ingleses Machim e Ana Arfet, foram os primeiros a habitar a Madeira, ali chegados quando
fugiam das Ilhas britânicas, quais Romeu e Julieta, para se casarem em França,
que um terrífico temporal desviou para a Madeira, assunto do foro lendário, que
revi na Internet.
Açores e Madeira
ficando como únicos terrenos restantes dessas epopeias descobridoras que tantos
glorificaram, em narrativas diversas, embora esses hoje como regiões autónomas
de um país timidamente alienado a uma Europa polivalente e generosa, foi no Arquipélago da
Madeira que Alberto João Jardim não
se importou de governar tanto tempo - ou pouco menos - como o condenado Salazar,
no seu império dilatado. Era do PSD, Jardim, mas um outro PSD o destronou, ao
fim dos seus 37 anos de governo e festança - Miguel Albuquerque, que
se lhe seguiu, em 2015, mas que passará provavelmente, essa sua pasta, para as
mãos de um socialista - Paulo Cafofo, para deleite do nosso
actual ministro António Costa, ao
qual faltava esse belo pitéu insular para seu perfeito equilíbrio na condução
dos destinos portugueses.
Maria João Avillez aproveita a sua viagem à Madeira, para nos
alertar para tudo isso, em reportagem jornalística definidora dos perfis desses
figurantes de mais um episódio das nossas habilidades governativas e gáudio do
DDT que nos conduz.
Foi lenga-lenga que nunca mais esqueci, do livro de História da escola primária, sintético nos dados e com perguntas e respostas, para ser decorado a preceito e sem palmatória: “Em 1418, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira descobriram a Ilha de Porto Santo. No ano seguinte, os mesmos e Bartolomeu Perestrelo descobriram a Madeira”. Tratou-se, pois, dos primeiros Descobrimentos Marítimos portugueses, efectuados a mando do Infante D. Henrique, no tempo de seu pai D. João I, o de Boa Memória. Mais tarde, em estudos já universitários, versando sobre D. Francisco Manuel de Melo, leria, contudo, na sua Epanáfora Amorosa, que os ingleses Machim e Ana Arfet, foram os primeiros a habitar a Madeira, ali chegados quando fugiam das Ilhas britânicas, quais Romeu e Julieta, para se casarem em França, que um terrífico temporal desviou para a Madeira, assunto do foro lendário, que revi na Internet.
Açores e Madeira ficando como únicos terrenos restantes dessas epopeias descobridoras que tantos glorificaram, em narrativas diversas, embora esses hoje como regiões autónomas de um país timidamente alienado a uma Europa polivalente e generosa, foi no Arquipélago da Madeira que Alberto João Jardim não se importou de governar tanto tempo - ou pouco menos - como o condenado Salazar, no seu império dilatado. Era do PSD, Jardim, mas um outro PSD o destronou, ao fim dos seus 37 anos de governo e festança - Miguel Albuquerque, que se lhe seguiu, em 2015, mas que passará provavelmente, essa sua pasta, para as mãos de um socialista - Paulo Cafofo, para deleite do nosso actual ministro António Costa, ao qual faltava esse belo pitéu insular para seu perfeito equilíbrio na condução dos destinos portugueses.
Maria João Avillez aproveita a sua viagem à Madeira, para nos alertar para tudo isso, em reportagem jornalística definidora dos perfis desses figurantes de mais um episódio das nossas habilidades governativas e gáudio do DDT que nos conduz.
António Costa dono disto tudo? /premium
Vale a pena antecipar o duelo entre dois
homens que mutuamente se medem: Miguel Albuquerque, presidente do Governo
Regional (PSD) e Paulo Cafofo (apoiado pelo PS), presidente da Câmara do
Funchal.
1. Foi há dias e foi bonito. Ainda bem. Celebrava-se a arrancada
para a grande aventura, a primeira viagem, o primeiro porto onde encostaram as
caravelas portuguesas. Os navegadores chamaram-lhe Porto Santo. As autoridades – as de lá e as de cá – representaram o
Estado, saudando a data. E eu que tão bem conheço a minúscula ilha, gostaria de
lá ter estado. Um belo arquipélago, a Madeira. Vem a propósito porque
escrevo, dia por dia, seis séculos depois do primeiro português ali ter
aportado, em dia de Todos os Santos.
2. Mas a Madeira também vem
ao caso por razões políticas que justificam a só aparente falta de contexto, em
semana capturada por Web Summits e outras webs.
É que valerá a pena antecipar o duelo entre dois homens que
mutuamente se medem: Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional
(PSD) e Paulo Cafofo (apoiado pelo PS), presidente da Câmara do Funchal.
Porquê? Porque pela primeira vez as sondagens colocam Paulo Cafofo em
(quase) pé de igualdade com Albuquerque e com isso emprestando verosimilhança a
um combate entre forças políticas subitamente “iguais” – coisa nunca vista na
Madeira, onde o PSD reinou sozinho e com grande á vontade durante décadas.
Mas se para o presidente da Câmara as futuras eleições serão uma prova
de vida ou de morte política, para António
Costa elas serão (ainda mais?) cruciais: o primeiro-ministro não terá – e
sabe-o – melhor oportunidade para colher a flor madeirense que lhe falta para o
seu bouquet, nas próximas legislativas e assim ficar o dono eleitoral disto
tudo: Continente, Açores e finalmente a Madeira. Esse dantes inexpugnável
arquipélago, conhecido como um bastião alaranjado. A empreitada é por isso
coisa séria para o Largo do Rato: activada por Lisboa e bem manuseada nas duas
ilhas, está em curso uma geringonça insular (“sim, vamos lá fazer uma igual à
de cá”, confirmava-me há semanas, um ministro, com invejável beatitude).
O PS/Madeira terá obviamente a parte de leão e depois se verá se
algum dos restantes cinco partidos que hoje apoiam Cafofo na Câmara, se
sentará, em caso de sucesso, na geringonça madeirense. De Lisboa têm ido
ideias, apoios e alguma ansiedade. Da Madeira chegam á capital boas notícias: o
candidato “sai-se bem”, cria empatias e simpatias, tem boas iniciativas. Costa prepara-se para rejubilar. Com ele mesmo. Mas há
distrações políticas imperdoáveis e uma delas seria esquecer a costela
guerrilheira politicamente intuitiva, combativa e igualmente implacável de
Miguel Albuquerque, a contar os dias para ir — “ a doer” — para “o terreno”…
Antecipando o duelo, entrevistei cada um destes galgos, no verão. As
entrevistas aparecerão em breve, por ora fica
3. Era um deslumbrante fim de tarde de Julho no Funchal, com aquela
atmosfera um pouco tropical, feita de calor húmido, uma luz coada, densa
vegetação, flores rubras, palmeiras, muitas palmeiras, e mar e mar. Encontrei-me
com Miguel Albuquerque na Quinta da Vigia,
sede do Governo Regional a que ele preside desde 2016 (após ter ganho o PSD a
Alberto João Jardim, em 2014). Falamos num terraço debruçado sobre os
jardins onde se ouvem pássaros. Não já as tonitruantes araras do tempo do dr.
Jardim – aliás expeditamente despachadas para morada mais longínqua ao segundo
dia de ofício governativo de Miguel Albuquerque — mas aves cantadoras de
melhores maneiras. Diante de um sumo de maracujá quase me deixo contaminar
pela harmonia doce daquele fim de tarde mas há que trabalhar: evoco a
governação, o PSD, a oposição, a vida parlamentar, os problemas, a relação “da
Região com a Republica” como por lá se diz. Evoco o roteiro, numa palavra, mas
o roteiro é talvez menos ameno que a quietude amável do cenário.
4. Miguel Albuquerque teve a
ousadia politica de avançar sozinho contra Alberto João Jardim (e o mérito da
sua própria solidão política) e logo a seguir teve o talento de convencer
militantes, eleitores e madeirense que se iniciava nova vida, quando afinal o
PSD governava a ilha há mais trinta de anos. Hoje, fia um pouco mais fino.
Apesar das boas notícias, alguma coisa parece ter-se embrulhado no modo como
ele se lidera a si mesmo na chefia do executivo. Há questões que se arrastam,
sublinhadas por uma relação que se deteriora com a República: o presidente do
Governo Regional convive com uma envenenada suspeita (suspeita é um dizer meu,
ele fala em “manipulação”) dos socialistas de Lisboa, capitaneados pelo
primeiro-ministro, em travarem os compromissos da República com a Madeira. Os
que “pertencem à autonomia”, é isso que o presidente madeirense reivindica.
Cosmopolita e arejado, habitualmente bom conversador, parece por
vezes impacientemente espantado nas explicações que dá às minhas perguntas, de
tal modo é por si adquirido que está a governar bem, a governar como deve.
Remodelou o governo, inventou a figura de “vice”, foi buscar (nuance
interessante) um jardinista para ela, fala de bons resultados. Fornece
exemplos, índices, números.
Percebo porém que a tarefa talvez o desalente ao sentir-se, com mais
ou menos razão, injustamente tratado por Lisboa: o colecionador de rosas estará
a descobrir-lhe alguns espinhos mesmo que a política lhe corra no sangue.
5. Mas de repente, tudo se altera neste prestar de contas a uma
jornalista curiosa: o tom de voz muda, a posição na cadeira também, a sombra
que por vezes lhe toldava o olhar dá lugar a um brilhozinho cáustico, o
governante dá lugar ao guerrilheiro:
“Ah dizem isso? Que vou perder? Em Lisboa dizem isso? Vão ver…” Miguel Albuquerque tamborila com os
dedos no vidro da mesa, absorvido pela bomba atómica que atirei para aquele
terraço: a minha certeza bem informada no (imenso) empenho político da
geringonça nacional na vitória de Paulo
Cafofo, nas próximas legislativas. Não que Miguel Albuquerque não soubesse
(“de cor”) do empenho socialista, ignorava é que fosse “vox populi” a aposta na
sua derrota e na do PSD.
A partir daí, tudo o que ouvirei é parecido com aquilo que os
madeirenses ouviram na nas eleições internas do PSD em 2014 (contra Jardim) e
um ano depois, para o governo, (contra sete partidos políticos madeirenses): um discurso politicamente forte, disparado
com contundência contra o adversário. O
adversário é hoje um mosaico onde se confundem Paulo Cafofo, a Câmara do Funchal,
a coligação que a sustenta, o PS nacional, António Costa, a geringonça, Lisboa.
“As vezes há uns rumores aqui na Madeira sobre mudanças… Mudar para
pior? Os madeirenses não são estúpidos.”
Despeço-me. Mas de quem? Do guerrilheiro? (“eles não percebem que
até é bom duvidarem de mim, sou um tipo de combate, vou para ganhar e com
percentagem maior do que pensam…”). Ou do governante confiante?
“Sou as duas coisas: governante e combatente. E sou bom nas duas.”
6. Anda
de moto, cita o Papa, é bem-falante, gosta de se ouvir. É determinado e aprendeu
depressa. Haja ou não substância ideológica ou experiência política por detrás
do seu verbo veloz, Paulo Cafofo personifica o mais relevante facto
político ocorrido na Madeira, após o longo jejum da oposição: o de desafiar, de igual para igual, o
todo-poderoso PSD regional. Não sendo ele próprio filiado no PS /Madeira – nem
em partido nenhum – a coisa espanta mas a perplexidade logo se esbate quando se
sabe que foi o próprio líder socialista
local, Emanuel Câmara, fortemente
aconselhado na Madeira e em Lisboa, quem abdicou no independente Cafofo, na
candidatura ao cargo de Chefe do Governo, mantendo-se apenas na chefia do
partido. O que tem de ser tem muita força, a troca era imperiosa: com este
figurino político talvez os socialistas ilhéus saíssem – de uma vez por todas –
de uma cepa torta com 40 anos.
Conheço Paulo Cafofo numa sala do município, mangas de camisa,
atitude informal, discurso directo. Oferece-me café, passa ao ataque.
O autarca do Funchal vem da Madeira “profunda”, ensinava História
numa escola rural e tinha posição cimeira no Sindicato dos Professores, onde
deu nas vistas por posições políticas. Tornou-se notado. E um dia foi convidado
para candidato independente ao município funchalense — apoiado por umas até aí
anémicas “forças de esquerda” – mas nesse dia talvez tenha saído a sorte grande
aos socialistas locais.
Eleito em 2013, seria reeleito em
2017 com maioria absoluta. A performance é atribuída à “criação imediata de
empatias” (onde investe tudo), ao ser “moderno”, a uma disponibilidade igual à
ubiquidade: está ao mesmo tempo nas ruas, em eventos musicais, gastronómicos,
sociais e artísticos; em arraiais, procissões, festivais, funerais. Está onde
pode ser visto.
Confessando-se “ideologicamente muito perto do PS”, trabalha estreitamente
com ele para quem já co-organizou uns “Estados Gerais abertos á sociedade
civil”.
Acredita firmemente” numa política do diálogo constante, como
expressão do exercício da cidadania”; quer “o cidadão no centro das suas
preocupações e prioridades”; promete “maior aposta no desenvolvimento humano”;
reivindica – quase como uma obsessão – a sua matriz “diferenciadora”. E
agarra-se com unhas e dentes a um filão político do qual reclama autoria,
chamado “proximidade”. Indisfarçavelmente
inspirada em Marcelo – mesmo que os seus genes tenham dado uma
substancial ajuda –, a sua “proximidade” é cultivava à outrance, politique oblige.
Se o Governo e o Largo do Rato
não largam este isco onde depositam todas as suas esperanças, convém também
reparar no mérito deste aluno tão aplicado e (excessivamente?) seguro de si. E
na sua boa cota parte de responsabilidade na aventura. Seria outra distracção
política imperdoável não o fazer.
Ao fim de 40 anos, um duelo que promete quase tudo.
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