No seu melhor: verrinoso, acutilante, temerário, mas indiscutivelmente
inteligente e certeiro. O que afirma está certo. E provoca reacções como a que
cito, de Paulo Vasconcelos e tantas
outras que omiti, ainda de maior dimensão insultadora, mas também reacções
positivas, de que cito apenas duas, grata que sou, por termos gente capaz. Eis
a crónica de Alberto Gonçalves,
finalizando com a excelente análise de Ahfan Neca:
A propósito de ditaduras /premium
OBSERVADOR, 3/11/2018
Não há que enganar, embora o
engano seja língua franca: fala-se na ditadura que aí vem para dissimular a
ditadura que deveria vir. Agitar tiranos hipotéticos é estratégia típica de
tiranos comprovados.
Não vou escrever sobre o sr. Bolsonaro, o alegado fascista que, com
os votos de milhões de alegados fascistas, vai liderar um governo de alegados
fascistas e estabelecer o alegado fascismo no Brasil. Digo apenas que é triste
ver uma nação que até aqui se distinguia pela prosperidade e pelo sossego
arriscar cair na intolerância e no ódio. O lado positivo é que Portugal não
arrisca nada: já caiu.
Na noite de Domingo, as eleições
brasileiras interessaram-me menos do que as respectivas reacções deste lado do
mar. Nas “redes sociais”,
fervorosos inimigos do racismo e da xenofobia desataram a insinuar com variável
franqueza a deportação da maioria de brasileiros que, por cá, votou no sr.
Bolsonaro. Houve quem recomendasse a varridela incondicional dos brasileiros.
Houve quem sugerisse trocá-los por brasileiros bonzinhos e predispostos à fraternidade.
E houve quem prometesse o despedimento imediato da empregada doméstica, essa
fascista que preferiu entregar o país dela ao sr. Bolsonaro do que à associação caritativa chamada PT.
Por regra, estas manifestações de harmonia universal partiram de anónimos (que urge promover à notoriedade).
Algumas, porém, saíram de gente que, talvez por causa da flagrante
sofisticação, ocupa cargos políticos ou distribui palpites na televisão. Mesmo o prof. Marcelo, o exacto avesso do
populismo, concedeu uns resmungos contra o populismo, a intolerância, a
xenofobia, o chauvinismo e o radicalismo que, além de um desastre diplomático, são um insulto
à escolha livre de milhares de habitantes do território a que em teoria
preside. À primeira trombada na realidade, os fanáticos da indiscriminação
discriminam com curioso fanatismo. Não foram muitos? Foram demasiados.
Aliás, a questão não peca por excesso, e sim por defeito: quantos dos
que não ofenderam pública e desalmadamente os eleitores do sr. Bolsonaro
estavam, e estão, mortinhos por isso? Sem grande risco, aposto na esquerda em
peso, salvaguardando as excepções que se contam pelos dedos de Lula, o
Generoso. É hábito velho. De Reagan a
Passos Coelho, com escalas em Sá Carneiro, Thatcher, os Bush, Cavaco, Merkel e
o sr. Trump, a esquerda anuncia o advento das trevas sempre que um dos seus não
é designado para apascentar os simples. E os simples que, nas urnas,
caucionaram a tragédia são cúmplices da dita, logo indignos da cidadania.
Evidentemente, o problema da esquerda com o sr. Bolsonaro e com os
eleitores do sr. Bolsonaro não se prende com eventuais restrições à liberdade
no Brasil. É ridículo ter de lembrar
que as restrições à liberdade noutras paragens nunca incomodaram a esquerda.
Pelo contrário. Nos paraísos aprovados pelas boas consciências, a censura oficial ou
oficiosa, os saneamentos, as perseguições, as detenções, a corrupção, a miséria
e a genérica opressão dos infiéis são minudências ocultadas, ou desvalorizadas
enquanto indispensáveis à implantação da Felicidade Eterna. Não há que enganar, embora o engano seja
língua franca: fala-se na ditadura que aí vem para dissimular a ditadura que
deveria vir, invoca-se a “política do medo” para assustar os impressionáveis,
lamenta-se o ódio para odiar à vontade, finge recear-se que corra mal por se
recear que corra bem. Agitar tiranos hipotéticos é estratégia típica de tiranos
comprovados. Os autodenominados democratas não querem saber da democracia,
mas mandar em nós.
De resto, uma democracia funcional é o pior pesadelo dos
autodenominados democratas. Onde já se viu as pessoas decidirem o futuro pela
própria cabecinha, com frequência mal informada e carente das luzes que
abrilhantam por exemplo o dr. Louçã? Não admira que, durante a semana, diversas
“personalidades” desfilassem preocupação com a libertinagem que reina no
Facebook e no Twitter, antros em que a Verdade não beneficia do filtro da RTP,
da Sic, do “Público”, do “Expresso” e demais faróis. É em faróis assim que os
drs. Louçãs da vida, que ocupam a existência a venerar atrocidades
incomparáveis aos maiores desvarios que o sr. Bolsonaro venha a cometer,
ensinam o povo a pensar correctamente, leia-se de acordo com eles. A chatice é
que raramente o povo aprende, pelo que se impõe o castigo.
A propósito de castigos, os últimos acontecimentos convenceram certa
“direita” de que a eleição do sr. Bolsonaro, depois do sr. Trump (e do
“Brexit”), preparam Portugal para a chegada de um Messias e a sublevação do
“homem comum”, enfim cansado de enxovalhos. Não sou tão optimista. Primeiro, porque apesar da propaganda
nem o sr. Bolsonaro é o sr. Trump, nem o
Brasil, há décadas cenário de uma espécie de guerra civil, é a América. Segundo, porque os portugueses são óptimos a aderir à
última hora a golpes de Estado e terríveis a golpear sozinhos essa sagrada
entidade. Terceiro, porque a
raiva que o sr. Bolsonaro e os eleitores do sr. Bolsonaro inspiraram nas castas
indígenas não deixa dúvidas: a esquerda que há três anos tomou conta disto
é extrema nas políticas, na mentira, na
manipulação, na força, no descaramento e na gula. Ainda que, por milagre, o
famoso “espectro partidário” trouxesse um dia a alternativa que a actual
União Nacional não consente, não me parece que os senhores no poder abdicassem
jovialmente deste por via de processos democráticos ou mariquices afins. Hoje como ontem, sentem que o regime é
deles. A diferença é que hoje têm
razão, e não estão dispostos a perdê-la. Custe o que custar.
COMENTÁRIOS:
Paulo Vasconcelos: Esta alminha de extrema-direita ficou
radiante com a vitória de Bolsonaro, assim como tinha ficado excitado com a
vitória de Trump. Está feliz com a vitória de dois animais sem escrúpulos, sem
moral, falsos como judas, que propagam o ódio e a violência. Uma pessoa
assim que aprecia homens desta estirpe é lixo humano do mais sórdido que
existe.
Miguel Cardoso ->; paulo vasconcelos: E aí
está tudo o que o AG descreveu, um fascista no seu melhor. Conhecendo o
AG pelo que escreve, é óbvio que está nos antípodas do Bolsonaro, já tu, pelo
que escreves, és uma alma gémea de qualquer criminoso, desde que seja de
esquerda. Os Bolsonaros e os Trumpsters são filhos ideológicos de gente
como tu!
Ahfan Neca: Excelente artigo, como vai sendo norma. A fasquia é sempre colocada bem alta, pelo
que vale sempre a pena esperar pela madrugada de Sábado para ler AG. Não sei se o que os pseudo-democratas, que
tanto se angustiam e babam de raiva com a vitória eleitoral de Bolsonaro,
pretendem é uma ditadura de certo sinal. Em relação a alguns não tenho dúvidas de que é isso mesmo que desejam.
Mas o que posso garantir em relação à
maioria dos raivosos e histéricos é que eles lutam pela corrupção, querem
corrupção, desejam que a mesma se mantenha intocável pois é isso que para eles
é a "democracia" que dizem defender. Ou seja, um Estado onde se realizam algumas formalidades
democráticas mas onde se praticam impunemente actos de corrupção em favor de
uma oligarquia político-empresarial que vive à custa do Estado, ou seja, do
povo mal informado e enganado..
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