Eram os gladiadores que divertiam o público romano a combater entre si ou
com animais possantes, e até, como exemplo bem presente, temos a cena do Ursus
a defender Lígia, atada a um poste, e a combater o touro no “Quo Vadis da nossa
memória antiga. Os outros povos dos restos da civilização romana humanizaram-se
e esqueceram essas touradas desonestas, nós cá na Península Ibérica, habituados
a confrontar o mar, mantivemos a tradição de arrostar com o touro, como forma
de dispersar tormentas de alma ou de exibir denguices de corpo para encanto de
plateias dadas aos prazeres do ludíbrio, mesmo que apenas através de um pano
vermelho em frente a um nobre bicho inocente.
Tudo isto, a propósito das
touradas, de que o nosso primeiro ministro não gosta, por natural repúdio de
civilizado que respeita os animais, o que é de estimar, mesmo que contrarie os
preceitos de respeito pelas tais liberdades em que Manuel Alegre insiste, sensível a essas e não aos touros valentes.
Uma história em vários
capítulos, onde perpassa também a graça e a sabedoria financeira - e não só -
de Bagão Félix. Complemento-a escutando Adriano
Correia de Oliveira, nas Trovas do
vento que passa, excerto do poema do desolado Manuel Alegre, que uma vez mais diz não, na semeadura da sua lavra fatídica:
Trova do vento que passa
Pergunto ao vento
que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz. (…)
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz. (…)
Mas há sempre uma
candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais
triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
CRÓNICA
I - Palavras, expressões e algumas
irritações: civilização e tourada
O “espectáculo” tourada não irá
ver o seu IVA descer de 13% para 6%, como outros. A manutenção deste valor é
justificada pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, “não por uma questão de
gosto, mas de civilização”. Os PANistas ficaram felizes, mas nem todos os
socialistas gostaram.
RITA PIMENTA
PÚBLICO, 11 de Novembro de 2018
Numa semana em que muito se
escreveu sobre “civilização” e “tourada”, fomos consultar as nossas fontes
preferidas: os dicionários (em papel e online).
Para “civilização”, escolhemos este registo: “Conjunto dos
conhecimentos e realizações das sociedades humanas mais evoluídas, marcadas
pelo desenvolvimento intelectual, económico e tecnológico.”
Para “tourada”, “espectáculo numa arena em que touros bravos são
provocados por toureiros ou por cavaleiros para que, investindo contra eles,
lhes permitam fazer a lide, isto é, fazer uma série de movimentos, a pé ou a
cavalo (sortes), que culminam no domínio do touro e, em alguns casos, na sua
morte”.
Este “espectáculo” não irá
ver o seu IVA descer de 13% para 6%, como outros. A manutenção deste valor é
justificada pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, “não por uma questão de gosto, mas de
civilização”.
Os PANistas ficaram felizes,
mas nem todos os socialistas gostaram. Manuel Alegre até escreveu uma carta
aberta ao primeiro-ministro, em que, além da tourada, também defendeu a
caça. Excerto final: “Sim, meu caro António Costa, trata-se de uma tradição
cultural e social que é parte integrante da nossa civilização. (…) E é,
sobretudo, uma questão de liberdade, que sempre foi a essência e a alma do
Partido Socialista.”
André Silva, do PAN, não
gostou e disse à Lusa: “Uma reacção já conhecida,
normal de alguém que se recusa a ler a sociedade e os valores do século XXI, de
quem está fechado à mudança.”
Bagão Félix falou em “assanhadas
‘iniciativas civilizacionais’, com tourada ou sem ela, do solitário PAN e de certa esquerda (mas
não toda), armados em polícias taliban de gostos e costumes”.
Em sentido figurado, “uma
tourada” traduz-se por “barulheira; tumulto” ou ainda “correria, desordem com
muita agitação ou barulho”. Olé!
A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se
publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO
II - Excertos da “Carta Aberta” de Manuel Alegre a A. Costa
Manuel Alegre escreve a António Costa para defender liberdade de gostar
de touradas
RITA DINIS
PÚBLICO, 7/11/2018
Manuel Alegre pede a António Costa para não excluir as touradas na
descida do IVA dos espetáculos: gostar ou não "é uma questão de
liberdade". E impor por decreto "cheira a totalitarismo", diz.
… Afirmando que não aceita a tentativa do Governo de impor um gosto
particular, Alegre diz que tal
comportamento “cheira a totalitarismo” e
ameaça a liberdade, que é a “essência e a alma do PS”. Em
causa está uma das polémicas do momento — a redução do IVA para os espetáculos discriminando a tauromaquia –,
assim como a proposta do PAN para alterar o regime jurídico da caça. Para
Manuel Alegre, não deve ser o Governo a prejudicar atividades que fazem parte
da “tradição cultural e social da nossa civilização”, e que dizem respeito ao
“emprego e à vida de milhares de pessoas”.
“É chegada a hora de enfrentar cultural e civicamente o fanatismo do
politicamente correto. É uma questão de liberdade. Liberdade para não gostar de touradas. Mas
liberdade para gostar. Liberdade para não gostar da caça. Mas liberdade para
gostar. Algo que não se pode decidir por decreto nem por
decisões impostas por maiorias táticas e conjunturais. Não é democrático. Para mim, que sou um velho resistente, cheira a
totalitarismo. E não aceito”, escreve o escritor e poeta no
jornal Público.
É por isso que Alegre se dirige directamente a António Costa. “Por isso, meu caro António Costa, peço-lhe
que intervenha a favor de valores essenciais do PS: o pluralismo, a tolerância,
o respeito pela opinião do outro”, diz, pedindo que o primeiro-ministro
interceda pela descida de 6% do IVA para todos os espectáculos sem discriminar
a tauromaquia, “já que os prejudicados serão os mais pobres, os
trabalhadores que tornam possível este espectáculo”, e pedindo que se oponha à proposta
do PAN para alterar o regime jurídico da caça. Segundo Alegre, “estão em causa
centenas de postos de trabalho e elevadas perdas económicas para o país,
sobretudo para aquelas regiões onde a empregabilidade e a actividade económica
estão quase exclusivamente ligadas à caça”.
III - Excerto da resposta epistolar de
António Costa a Manuel Alegre
PÚBLICO, 11/10/2018
Como homem da Liberdade tem também de respeitar os cidadãos que, como
eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de violência ou
de desfrute do sofrimento animal.
Será assim ilegítimo, totalitário, violentador da liberdade a não atribuição
de benefício fiscal à tourada? O que seria então se lhe fosse dado um
tratamento fiscal agravado, como acontece com o tabaco ou o álcool?
Bem sei que o novo politicamente correcto é ser politicamente
"incorrecto"... Mas então prefiro manter a tradição e defender o que
acho certo, no respeito pela liberdade dos outros defenderem e praticarem o
contrário.
IV – OPINIÃO: Poupança
entre bruxas e touros
A actual taxa da poupança
atingiu mínimos históricos, estando actualmente em 4,4% do rendimento disponível.
ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX
PÚBLICO, 9 de Novembro de 2018
Em todos os dias há sempre
um dia mundial, internacional ou nacional de qualquer coisa. A procura já
excede a oferta dos 365 dias. A proliferação destes dias celebratórios tem até
o mesmo efeito da inflação em relação à moeda: de tanto excesso, desvaloriza-se
o valor e a forma superioriza-se ao conteúdo.
Vem isto a propósito do Dia Mundial da Poupança – não sei se em vias de
extinção, não o dia, mas a poupança – que ocorre em 31 de Outubro. O
curioso é que, de há anos a esta parte, este dia coincide com o Dia das Bruxas, mais conhecido pelo
termo inglês Halloween, importado da tradição
americana e britânica e, por sua vez, herdado dos druidas celtas.
O Halloween vai
ganhando mais notoriedade e expressão, sobretudo nas camadas jovens da população. A
sociedade de consumo agradece mais esta oportunidade a juntar à série
infindável de dias disto ou daquilo que sempre movimentam bens, serviços e
dinheiro. As cucurbitáceas abóboras
sentir-se-ão socialmente promovidas, olhando, com algum desdém, para as flores
(inchadas no preçário) que se depositam, no Dia dos Finados, junto dos que já
partiram.
Em suma, convergem no dia 31 de Outubro o tímido elogio da poupança e o
avassalador corrupio do consumo. A primeira que anda pelas ruas
da amargura, o segundo que se estabeleceu urbi et orbi,
mesmo que, para tal, se apele ao
endividamento que mais não é que poupança negativa. Como na senha
do Halloween, o dilema da actualidade é, alegoricamente,
“doce ou travessura”...
O assunto da poupança – que
nesta coluna já tratei – é um dos mais decisivos para o nosso futuro e para uma
saudável equidade intergeracional, mas que, tal qual a demografia, é
negligenciado pelas autoridades políticas e secundarizado pelos media.
O certo é que a actual taxa da poupança atingiu mínimos históricos, estando
actualmente em 4,4% do rendimento
disponível. Este valor é menos de metade da taxa média na União Europeia (12,1%), já de si significativamente
diminuta. A nossa taxa que, outrora, já atingiu valores bem superiores a
20%, tem vindo a cair ano após ano. Era de 11% em 2009, e nos últimos três anos
desceu de 5,3% para 5,1% e agora 4,4%, ainda que, em parte, resulte da fase de
recuperação de decisões adiadas quanto à aquisição de bens duradouros, como
automóveis e electrodomésticos.
Vários factores têm
contribuído para esta preocupante tendência. Refiro-me, em primeiro lugar, à escassa educação para a poupança, que
tende mesmo a ser irrelevante nas gerações mais novas, bem como à débil cultura
previdencial, particularmente preocupante num tempo em que as expectativas
quanto à evolução da Segurança Social e do seu sistema de pensões são mais
baixas.
Também a política de
expansão monetária protagonizada pelo Banco Central Europeu, que tem induzido uma ideia de “dinheiro
fácil”, está a estrangular o aforro das famílias que praticamente tem uma
remuneração igual ou próxima de zero, seja no sistema bancário,
seja agora mais acentuadamente em produtos de poupança disponibilizados pelo
Tesouro (que somam já 15% do total da dívida pública). A taxa média de juro
para depósitos de um ano é, actualmente, de 0,1%, antes de impostos!
Como afirmou o SE do Tesouro
Mourinho Félix, “uma baixa taxa de poupança deixa as famílias mais
vulneráveis para os chamados ´dias chuvosos´, seja por uma redução dos
rendimentos, como se verifica em situações de desemprego, doença ou na idade da
reforma, seja por um aumento das suas despesas”.
Acontece, porém, que o próprio
Estado tem contribuído para desvalorizar o valor económico, social e familiar
do aforro. Basta verificar o agravamento em 40% (oito pontos percentuais) da
taxa liberatória do IRS sobre depósitos e obrigações que era de 20% há dez
anos, mas que foi sujeita a quatro aumentos (para 21,5%, depois para 25%, a
seguir para 26,5%, fixando-se em 28%), sem que tenha havido uma contestação
política e cívica à altura, como acontece com aspectos orçamentais bem menos
determinantes.
Acresce que com taxas de
remuneração da poupança bem inferiores à taxa de inflação, o IRS acaba por, em
termos reais, atingir o próprio capital, assim se transformando parcialmente um
imposto sobre o rendimento num tributo sobre o próprio património.
Como pude ler num excelente
trabalho na revista da Deco Proteste Investe,
trata-se de uma tributação que é a mais alta na Europa e que incide cegamente
sobre as poupanças, independentemente do seu valor e da sua natureza. Bem
superior à taxa na vizinha Espanha (19%) e sem paralelo com a tributação belga
que isenta de imposto os juros das poupanças até um valor anual de 960 euros.
Perante um OE 2019 que praticamente ignora a poupança, bom
seria que este tema fosse recuperado na discussão na especialidade, devidamente
escrutinado e votado de modo a reduzir este brutal contra-incentivo ao aforro, em vez de assanhadas “iniciativas
civilizacionais”, com tourada ou sem ela, do solitário PAN e de certa esquerda
(mas não toda), armados em polícias talibã de gostos e costumes. Ou será que
quem poupa nem um touro vale?
IPSIS VERBIS
CITAÇÃO: “Não criarás prosperidade se
desestimulares a poupança” (Abraham Lincoln, 1809-65)
METÁFORA: Fez um discurso muito poupado. Estava
sempre a dizer idem aspas
PARANOMÁSIA: Aquela pança precisa de poupança na papança
CATACRESE: Pé-de-meia
OXÍMORO: Amendoins valiosos
SCIENTIA AMABILIS
Cactos e suculentas
Por falar em poupança, escolho hoje para esta secção botânica plantas
que fazem da reserva alimentar o seu modo de vida. Refiro-me às cactáceas e às
suculentas. Todo o cacto é uma planta suculenta, mas nem toda a suculenta é um
cacto. A sua principal distinção à vista desarmada consiste nos pequenos
círculos salientes de onde nascem rebentos, espinhos, pêlos e flores que os
cactos possuem e as outras suculentas não têm. Ambas têm uma notável capacidade
de sobrevivência e de reprodução em ambiente de carência acentuada de água e
humidade e de temperaturas diurnas bastante elevadas. Para tal, armazenam água
sobretudo nas raízes e caule. Além disso, possuem uma textura espessa e algo
cerosa, pelo que perdem pouca água e mantêm-se hidratadas por mais tempo.
Muitos cactos exibem, ainda que com curta duração, expressivas e cromáticas
flores. Os espinhos também os protegem da acção dos animais. Na foto, um dos
mais vulgares e populares cactos Opuntia ficus-indica (figueira-da-Índia ou piteira),
sobretudo no Algarve e Alentejo, e cujo fruto – depois de retirados os espinhos
– é comestível.
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