É de João Miguel Tavares a primeira crónica, é anterior à de Alberto Gonçalves que postei ontem, e
de igual tema, justificando, pois, a mordacidade deste, ao jeito esclarecedor e
directo e mais amistoso do cronista do Público, como análise de uma comunidade palradora
e balofa, gerada na conjuntura favorável a esse avanço de uma esquerda impante
de pretensão governativa, de um psitacismo acusatório criador de mitos, para
melhor iludir e baralhar, em ilações ridículas, como JMT desmascara. Coloco
apenas dois comentários correctos, laudatórios, postados entre a maioria do tal
lixo grosseiro e deseducativo de que a Internet é também alfobre, sem traço
azul em atenção aos bons costumes, que se vão diluindo em pobreza espiritual e
libertinagem, a pedir, realmente, traço.
Mas é também em atenção à
sensatez educativa, que coloco a excelente crónica de Pacheco Pereira, merecedora de reflexão, sobre a polémica em
torno dos tais quadros de Mapplethorpe que originaram a
demissão do director artístico de Serralves.
Seguem-se-lhe apenas dois comentários pertinentes, entre os muitos do diálogo estabelecido
entre os comentadores.
I - OPINIÃO
Ou
comes a papa ou chamo o Observador
Quantos anos têm de passar para
que a direita portuguesa possa simplesmente ser a direita portuguesa, e não o
Clube de Fãs de Oliveira Salazar, nem Associação de Admiradores de Jair
Bolsonaro, nem o Grupo Recreativo da Trump Tower?
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 6 de Novembro de 2018,
Não queria estar a escrever
este texto por razões que explicarei mais à frente, mas teve mesmo de ser – estou
farto de viver num país onde o leque de opiniões admissíveis tem a largura da
rua da Betesga, e onde a diversidade política é sempre vista como uma ameaça ao
regime e reflexo de uma terrível conspiração. Em Portugal, qualquer desvio ao catecismo ideológico das “conquistas de
Abril” ganha sempre dimensões tenebrosas: o que eles querem é espezinhar os
mais fracos; o que eles querem é favorecer os mais ricos; o que eles querem é
recuperar a autocracia salazarista – porque, lá no fundo, no fundo, o seu
verdadeiro herói continua a ser o homem de Santa Comba Dão.
Pergunto: quantos anos têm de passar
para que a direita portuguesa possa simplesmente ser a direita portuguesa, e
não o Clube de Fãs de Oliveira Salazar, nem a Associação de Admiradores de Jair
Bolsonaro, nem o Grupo Recreativo da Trump Tower? Quantos anos têm de passar para que
passe este sentimento de ter diariamente de pedir desculpa pela existência,
porque aquilo que manda a Constituição é caminhar para o socialismo e como a
malta não quer caminhar então a sua existência é inconstitucional? Quantos anos têm de passar para que
um projecto como o Observador, que nasce da iniciativa de um grupo de
accionistas privados que fizeram questão de dar a cara desde o primeiro dia,
possa existir ideologicamente à direita sem ser acusado de ter Steve Bannon
como guru ou de ser a versão portuguesa da alt-right americana?
Eu não queria estar a escrever
este texto porque sou amigo dos fundadores do Observador e porque temos
colaborado em vários projectos editoriais. No
país do amiguismo, dispenso bem defender amigos que podem defender-se a si
próprios, e prefiro evitar o papel de guarda-costas de projectos com os quais
mantenho relações profissionais. Mas o número de pessoas que se atiraram
ao Observador nos últimos tempos é tão grande, de David Dinis a Pacheco Pereira, de Pedro Marques Lopes a Daniel
Oliveira, de Isabel Moreira a Francisco Louçã, passando até por Proença de Carvalho – num texto
no DN onde ele defende de forma comovente o
liberalismo português (juro!) –, que eu tive aquela sensação muito desagradável
que já sentira quando o Correio da Manhã era
muito criticado por andar em Paris a avaliar os gastos de José Sócrates: este
tiro ao alvo não só é completamente injustificado, como tem na sua origem uma
pulsão muito pouco democrática.
Comentários:
Alvaro van Zeller, 06.11.2018: Mais uma
vez JMT faz um resumo lúcido e preciso do “bloco
centro-esquerda-extrema-esquerda” em que vivemos.
Liberal,
Passa
o tempo numa alienação onírica com javalis, tripeiros e incompetentes 06.11.2018:
Precisam de um inimigo, João Miguel Tavares! Como diz de forma mais ou
menos implícita, os
perseguidores incansáveis daquilo que não seja "qualquer coisa de
esquerda" sofrem de uma ausência, de uma carência, de uma saudade, que
dura há mais de cinquenta anos - do homem de Santa Comba Dão!
II - OPINIÃO
A discussão à volta de fake news ou
a discussão à volta dos problemas
Há barreiras etárias,
vivenciais e de experiência que impedem a comunicação de um olhar adulto destas
“coisas” para uma criança.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 3 de Novembro de 2018,
A discussão que realmente importa é a que está por fazer, porque no
estado actual da campanha contra Serralves prefere-se os estereótipos –
Mapplethorpe, logo censura e puritanismo, saliva-se pavlovianamente – a
discutir algo vai para além da obra de Mapplethorpe mas que tem a ver com a
sociedade dos nossos dias. A saber, se uma criança pode ver tudo, sem
restrições e sem acompanhamento.
Apenas o Diário
de Notícias suscitou a questão indo ouvir quem pode
dar respostas mais esclarecedoras e qualificadas, psicólogos e pedopsiquiatras,
mas a tese dominante, pelo menos no
PÚBLICO, é que quem deve responder a essa pergunta são os artistas, os críticos
de arte, os curadores, o “meio” cultural. Quem contesta que seja assim ou não percebe nada de arte moderna, ou é
um censor. Eles são os donos da liberdade, acenando como fez o
ex-director do Museu, na Assembleia da República, com a Constituição, como se
fosse o Livro Vermelho e falando de “liberty”. Eu não contesto que a liberdade total
esteja do lado da criação, e que há quem tenha morrido a defender essa
liberdade, como ainda recentemente aconteceu aos caricaturistas do Charlie Hebdo, mas a exposição pública ilimitada de imagens
e textos acrescenta uma componente social que não pode ser ignorada. Ela não se
limita à questão do olhar infantil, visto que os problemas, chamemos-lhe assim,
envolvem a blasfêmia, o lugar e as circunstâncias onde se mostra uma obra, uma
fotografia, uma performance, ou se lê um texto, mas, devendo em princípio
mostrar-se tudo, a forma como se mostra é socialmente determinada. E
se o que se pretende é uma provocação, os provocados respondem. Aliás, há muita
hipocrisia nesta discussão porque a volta de nós todos estão dezenas de
interditos legais, sociais, religiosos e cívicos, uns sensatos, outros
censórios, outros de facto puritanos. Desde restrições a horários televisivos,
até aos espectáculos, incluindo o banimento legal de discursos do ódio, violência
e racismo, que também tem expressão estética, ou não lêem Céline, mas pelos
vistos isso não incomoda ninguém.
Mas de que é que estamos a falar quando discutimos a exposição pública
de parte da obra (pequena, aliás, no conjunto) de Mapplethorpe? O
ex-director do Museu de Serralves fez uma comparação enganadora entre os nus
masculinos de Mapplethorpe e as esculturas de Miguel Ângelo. Eu quis discutir
isto na entrevista dada ao PÚBLICO mas
essa parte foi cortada. Há,
aliás, um aspecto conexo que é sugerir, ao modo jesuítico da suggestio falsi, de que os corpos homoeróticos incomodavam
e, por isso, podia haver homofobia na “censura” das fotografias. Há um público
para estas insinuações e há quem saiba usá-lo.
Também nas partes que não
saíram da entrevista eu contestei que fosse o facto de serem descritas como ”sexualmente explícitas” a razão da
restrição do seu acesso a crianças. Insisti, e é por isso que a comparação com
Miguel Ângelo é redutora e enganadora, que
é mais exacto compará-las com as representações medievais do inferno ou com a
mosca nas naturezas mortas flamengas. Não
são “sexo explícito”, mas sim a trilogia sexo, violência e morte, que aliás
lhes dá densidade estética e filosófica. E nessa trilogia, deve-se andar
de trás para a frente, da morte para a violência e por fim ao sexo, como o Dr.
Freud explicou.
Vamos pois ver do que se
está a falar? Proponho como imagem deste “ruído do mundo” , uma das obras
reservada para crianças, sabendo que ela pode não ser publicada pelo jornal,
que aliás sempre ilustrou esta discussão com imagens, chamemos-lhe assim, mais
prudentes. Se o fizerem ajudam-me na discussão que muitas vezes se deve a quem
não sabe do que está a falar, nem viu a exposição. Por outro lado, se
resolverem não a publicar eu serei o último a dizer que houve censura. Coloquem
o espaço em branco, não precisam de me explicar nada. O que eu não quero é imagens distantes de pénis erectos para dar a entender
que se mostra o que não se mostra. Eu sei que isto vai abrir uma discussão no
jornal, só não queria que ela fosse: “ponham lá a imagem para o homem não
marcar um pontito, ou não ponham porque não devemos ceder à chantagem”...
Muito bem, passada a porta ou
não, temos imagens de um homem a urinar na boca de outro homem, de uma mão
enfiada no ânus de outro homem, de um homem vestido de bebé com chupeta na boca.
Faço estas descrições puras e duras porque é isto que uma criança vê, não vê
arte, nem filosofia, vê as imagens. O
ex-director do museu fez uma afirmação na audição parlamentar que está ao nível
da conversa de café: que sentido teria reservar certas obras, se tudo se podia
ver na Internet. Poder pode, mas não deve, e não é a mesma coisa. Aliás,
ficaria surpreendido se uma criança de seis anos procurasse no Google por
sadomasoquismo.
Como é que se explicam estas
imagens? Dizendo que é um jogo? Mas não é um jogo, isso a criança percebe
melhor do que o adulto, até porque sadismo não lhe falta. Que há homens que gostam daquelas “coisas” e que são “normais”? Eu se
visse um professor ou um pai a dizer isto a uma criança de seis anos olharia
muito de lado a personagem, porque a pedofilia não existe apenas nos ginásios e
nas escolas. Talvez se possa explicar tudo, mas há barreiras etárias,
vivenciais e de experiência que impedem a comunicação de um olhar adulto destas
“coisas” para uma criança. Ou então não estamos a falar da obra de Mapplethorpe…..
Colunista
COMENTÁRIOS
Tiago:
03.11.2018 "Eu não
contesto que a liberdade total esteja do lado da criação (...)" Falando de
Liberdade como valor maior a preservar, nem eu. Mas até no plano cósmico só
terá existido "Liberdade TOTAL" no momento do Big Bang. Em tempo, o
Universo ganhou estrutura e ordem, que limita sem impedir a liberdade de
movimento de sistemas e astros em torno de um centro, como os planetas em torno
de um sol, em órbitas regulares. As estruturas e órbitas cósmicas são o mais
belo e grandioso exemplo do exercício da
Liberdade dentro de limites, em
oposição ao liberalismo sem limites, que mais se aproxima do início
explosivo e caótico da criação, e de como o equilíbrio e coexistência de
Liberdade e limites foi e é fundamental para a que vida na Terra pudesse nascer
e florescer. Maravilhoso, não?
Corrupto,
Nómada 03.11.2018 : O Mapplethorpe tinha gostos incomuns e
agora chamam-lhe arte. Alguém que goste de ver crianças em poses semelhantes
seria também considerado um artista? O mundo da arte por vezes idolatra cada
idiota.
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