domingo, 11 de novembro de 2018

Questões pedagógicas



É de João Miguel Tavares a primeira crónica, é anterior à de Alberto Gonçalves que postei ontem, e de igual tema, justificando, pois, a mordacidade deste, ao jeito esclarecedor e directo e mais amistoso do cronista do Público, como análise de uma comunidade palradora e balofa, gerada na conjuntura favorável a esse avanço de uma esquerda impante de pretensão governativa, de um psitacismo acusatório criador de mitos, para melhor iludir e baralhar, em ilações ridículas, como JMT desmascara. Coloco apenas dois comentários correctos, laudatórios, postados entre a maioria do tal lixo grosseiro e deseducativo de que a Internet é também alfobre, sem traço azul em atenção aos bons costumes, que se vão diluindo em pobreza espiritual e libertinagem, a pedir, realmente, traço.
Mas é também em atenção à sensatez educativa, que coloco a excelente crónica de Pacheco Pereira,  merecedora de reflexão, sobre a polémica em torno dos tais quadros de Mapplethorpe que originaram a demissão do director artístico de Serralves. Seguem-se-lhe apenas dois comentários pertinentes, entre os muitos do diálogo estabelecido entre os comentadores.
I - OPINIÃO
Ou comes a papa ou chamo o Observador
Quantos anos têm de passar para que a direita portuguesa possa simplesmente ser a direita portuguesa, e não o Clube de Fãs de Oliveira Salazar, nem Associação de Admiradores de Jair Bolsonaro, nem o Grupo Recreativo da Trump Tower?
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 6 de Novembro de 2018,
Não queria estar a escrever este texto por razões que explicarei mais à frente, mas teve mesmo de ser – estou farto de viver num país onde o leque de opiniões admissíveis tem a largura da rua da Betesga, e onde a diversidade política é sempre vista como uma ameaça ao regime e reflexo de uma terrível conspiração. Em Portugal, qualquer desvio ao catecismo ideológico das “conquistas de Abril” ganha sempre dimensões tenebrosas: o que eles querem é espezinhar os mais fracos; o que eles querem é favorecer os mais ricos; o que eles querem é recuperar a autocracia salazarista – porque, lá no fundo, no fundo, o seu verdadeiro herói continua a ser o homem de Santa Comba Dão.
Pergunto: quantos anos têm de passar para que a direita portuguesa possa simplesmente ser a direita portuguesa, e não o Clube de Fãs de Oliveira Salazar, nem a Associação de Admiradores de Jair Bolsonaro, nem o Grupo Recreativo da Trump Tower? Quantos anos têm de passar para que passe este sentimento de ter diariamente de pedir desculpa pela existência, porque aquilo que manda a Constituição é caminhar para o socialismo e como a malta não quer caminhar então a sua existência é inconstitucional? Quantos anos têm de passar para que um projecto como o Observador, que nasce da iniciativa de um grupo de accionistas privados que fizeram questão de dar a cara desde o primeiro dia, possa existir ideologicamente à direita sem ser acusado de ter Steve Bannon como guru ou de ser a versão portuguesa da alt-right americana?
Eu não queria estar a escrever este texto porque sou amigo dos fundadores do Observador e porque temos colaborado em vários projectos editoriais. No país do amiguismo, dispenso bem defender amigos que podem defender-se a si próprios, e prefiro evitar o papel de guarda-costas de projectos com os quais mantenho relações profissionais. Mas o número de pessoas que se atiraram ao Observador nos últimos tempos é tão grande, de David Dinis a Pacheco Pereira, de Pedro Marques Lopes a Daniel Oliveira, de Isabel Moreira a Francisco Louçã, passando até por Proença de Carvalho – num texto no DN onde ele defende de forma comovente o liberalismo português (juro!) –, que eu tive aquela sensação muito desagradável que já sentira quando Correio da Manhã era muito criticado por andar em Paris a avaliar os gastos de José Sócrates: este tiro ao alvo não só é completamente injustificado, como tem na sua origem uma pulsão muito pouco democrática.
Comentários:
Alvaro van Zeller,  06.11.2018: Mais uma vez JMT faz um resumo lúcido e preciso do “bloco centro-esquerda-extrema-esquerda” em que vivemos.
Liberal, Passa o tempo numa alienação onírica com javalis, tripeiros e incompetentes  06.11.2018: Precisam de um inimigo, João Miguel Tavares! Como diz de forma mais ou menos implícita, os perseguidores incansáveis daquilo que não seja "qualquer coisa de esquerda" sofrem de uma ausência, de uma carência, de uma saudade, que dura há mais de cinquenta anos - do homem de Santa Comba Dão!
II - OPINIÃO
A discussão à volta de fake news ou a discussão à volta dos problemas
Há barreiras etárias, vivenciais e de experiência que impedem a comunicação de um olhar adulto destas “coisas” para uma criança.
JOSÉ PACHECO PEREIRA
PÚBLICO, 3 de Novembro de 2018,
A discussão que realmente importa é a que está por fazer, porque no estado actual da campanha contra Serralves prefere-se os estereótipos – Mapplethorpe, logo censura e puritanismo, saliva-se pavlovianamente – a discutir algo vai para além da obra de Mapplethorpe mas que tem a ver com a sociedade dos nossos dias. A saber, se uma criança pode ver tudo, sem restrições e sem acompanhamento.
Apenas o Diário de Notícias suscitou a questão indo ouvir quem pode dar respostas mais esclarecedoras e qualificadas, psicólogos e pedopsiquiatras, mas a tese dominante, pelo menos no PÚBLICO, é que quem deve responder a essa pergunta são os artistas, os críticos de arte, os curadores, o “meio” cultural. Quem contesta que seja assim ou não percebe nada de arte moderna, ou é um censor. Eles são os donos da liberdade, acenando como fez o ex-director do Museu, na Assembleia da República, com a Constituição, como se fosse o Livro Vermelho e falando de “liberty”. Eu não contesto que a liberdade total esteja do lado da criação, e que há quem tenha morrido a defender essa liberdade, como ainda recentemente aconteceu aos caricaturistas do Charlie Hebdo, mas a exposição pública ilimitada de imagens e textos acrescenta uma componente social que não pode ser ignorada. Ela não se limita à questão do olhar infantil, visto que os problemas, chamemos-lhe assim, envolvem a blasfêmia, o lugar e as circunstâncias onde se mostra uma obra, uma fotografia, uma performance, ou se lê um texto, mas, devendo em princípio mostrar-se tudo, a forma como se mostra é socialmente determinada. E se o que se pretende é uma provocação, os provocados respondem. Aliás, há muita hipocrisia nesta discussão porque a volta de nós todos estão dezenas de interditos legais, sociais, religiosos e cívicos, uns sensatos, outros censórios, outros de facto puritanos. Desde restrições a horários televisivos, até aos espectáculos, incluindo o banimento legal de discursos do ódio, violência e racismo, que também tem expressão estética, ou não lêem Céline, mas pelos vistos isso não incomoda ninguém.
Mas de que é que estamos a falar quando discutimos a exposição pública de parte da obra (pequena, aliás, no conjunto) de Mapplethorpe? O ex-director do Museu de Serralves fez uma comparação enganadora entre os nus masculinos de Mapplethorpe e as esculturas de Miguel Ângelo. Eu quis discutir isto na entrevista dada ao PÚBLICO mas essa parte foi cortada. Há, aliás, um aspecto conexo que é sugerir, ao modo jesuítico da suggestio falsi, de que os corpos homoeróticos incomodavam e, por isso, podia haver homofobia na “censura” das fotografias. Há um público para estas insinuações e há quem saiba usá-lo.  
Também nas partes que não saíram da entrevista eu contestei que fosse o facto de serem descritas como ”sexualmente explícitas” a razão da restrição do seu acesso a crianças. Insisti, e é por isso que a comparação com Miguel Ângelo é redutora e enganadora, que é mais exacto compará-las com as representações medievais do inferno ou com a mosca nas naturezas mortas flamengas. Não são “sexo explícito”, mas sim a trilogia sexo, violência e morte, que aliás lhes dá densidade estética e filosófica. E nessa trilogia, deve-se andar de trás para a frente, da morte para a violência e por fim ao sexo, como o Dr. Freud explicou.
Vamos pois ver do que se está a falar? Proponho como imagem deste “ruído do mundo” , uma das obras reservada para crianças, sabendo que ela pode não ser publicada pelo jornal, que aliás sempre ilustrou esta discussão com imagens, chamemos-lhe assim, mais prudentes. Se o fizerem ajudam-me na discussão que muitas vezes se deve a quem não sabe do que está a falar, nem viu a exposição. Por outro lado, se resolverem não a publicar eu serei o último a dizer que houve censura. Coloquem o espaço em branco, não precisam de me explicar nada. O que eu não quero é imagens distantes de pénis erectos para dar a entender que se mostra o que não se mostra. Eu sei que isto vai abrir uma discussão no jornal, só não queria que ela fosse: “ponham lá a imagem para o homem não marcar um pontito, ou não ponham porque não devemos ceder à chantagem”...
Muito bem, passada a porta ou não, temos imagens de um homem a urinar na boca de outro homem, de uma mão enfiada no ânus de outro homem, de um homem vestido de bebé com chupeta na boca. Faço estas descrições puras e duras porque é isto que uma criança vê, não vê arte, nem filosofia, vê as imagens. O ex-director do museu fez uma afirmação na audição parlamentar que está ao nível da conversa de café: que sentido teria reservar certas obras, se tudo se podia ver na Internet. Poder pode, mas não deve, e não é a mesma coisa. Aliás, ficaria surpreendido se uma criança de seis anos procurasse no Google por sadomasoquismo.
Como é que se explicam estas imagens? Dizendo que é um jogo? Mas não é um jogo, isso a criança percebe melhor do que o adulto, até porque sadismo não lhe falta. Que há homens que gostam daquelas “coisas” e que são “normais”? Eu se visse um professor ou um pai a dizer isto a uma criança de seis anos olharia muito de lado a personagem, porque a pedofilia não existe apenas nos ginásios e nas escolas. Talvez se possa explicar tudo, mas há barreiras etárias, vivenciais e de experiência que impedem a comunicação de um olhar adulto destas “coisas” para uma criança. Ou então não estamos a falar da obra de Mapplethorpe…..
Colunista
COMENTÁRIOS
Tiago:  03.11.2018 "Eu não contesto que a liberdade total esteja do lado da criação (...)" Falando de Liberdade como valor maior a preservar, nem eu. Mas até no plano cósmico só terá existido "Liberdade TOTAL" no momento do Big Bang. Em tempo, o Universo ganhou estrutura e ordem, que limita sem impedir a liberdade de movimento de sistemas e astros em torno de um centro, como os planetas em torno de um sol, em órbitas regulares. As estruturas e órbitas cósmicas são o mais belo e grandioso exemplo do exercício da Liberdade dentro de limites, em oposição ao liberalismo sem limites, que mais se aproxima do início explosivo e caótico da criação, e de como o equilíbrio e coexistência de Liberdade e limites foi e é fundamental para a que vida na Terra pudesse nascer e florescer. Maravilhoso, não?
Corrupto, Nómada 03.11.2018 : O Mapplethorpe tinha gostos incomuns e agora chamam-lhe arte. Alguém que goste de ver crianças em poses semelhantes seria também considerado um artista? O mundo da arte por vezes idolatra cada idiota.

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