Da Ermelinda Duarte, embora os exemplos nos venham de França, segundo
a citação de Helena Matos.
Uma gaivota surrealista, de
asas de vento e coração de mar, pobrezinha! Nem percebo como se aguentava no
voo, com a fragilidade do vento a sustentar o peso das águas marinhas, matéria
específica do seu coração. Mas essas anomalias da nossa pieguice doce despedaçaram-nos
o raciocínio, daí que nos desfaçamos da civilização que veio sendo cultivada,
para regressarmos à tribo, como esclarece Helena
Matos, bastante dura, a meu ver, connosco. É preciso respeitar a gaivota,
não resisto a transcrever o refrão da Ermelinda, justificativo da nossa mudança
civilizacional:
Uma
gaivota voava, voava,
asas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.
asas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.
Nascidos numa civilização, morreremos numa
tribo? /premium
OBSERVADOR, 11/11/2018
A histeria em torno das fake news, da imprensa de direita, das notícias
reaccionárias… procura legitimar a censura e diabolizar qualquer análise à
tribalização das sociedades ocidentais.
Paris, 24 de Outubro. Dois adolescentes morrem nos
confrontos que opõem grupos de diferentes bairros. Na noite anterior um jovem de 17 anos não
sobrevivera às agressões sofridas numa rixa que as autoridades parisienses,
certamente para descansarem os seus concidadãos, explicaram ter ocorrido num
conflito em “très petit comité” e não numa dessas batalhas campais que cada vez
mais acontecem nos bairros franceses.
Créteil. 18 de Outubro. Contrariado com a marcação de uma falta de
presença um jovem aponta uma arma à cabeça de uma professora no Liceu
Edouard-Branly. A situação foi filmada e levou a que outros professores doutros
liceus revelassem ter passado dias antes por situações idênticas.
Paris, 14 de Outubro. Um adolescente (ou se se
preferir uma criança de 12 anos) morreu no meio de uma rixa. Foi agredido com uma das muitas barras de
ferro empunhadas numa rixa entre jovens, em Seine-Saint-Denis.
Val-d’Oise,
Garges-lès-Gonesse 29 de Setembro. Um rapaz de 17 anos é linchado
por um grupo que as autoridades dizem rival. Mais uma vez as testemunhas
filmaram, gritaram e não fizeram nada.
Angoulême, 27 de Setembro. Um grupo de 30 jovens toma
de assalto um autocarro. Estavam armados de sabres e tacos de baseball.
Paris, 18 de Setembro. Um adolescente morre no meio de
uma troca de tiros entre grupos.
Esta lista que desde já digo
incompleta das agressões recentes entre jovens em França (mas que também
poderia ser dos esfaqueamentos em Londres) coloca várias questões, cada uma
delas mais perturbante: que jovens são estes? O que aconteceu para que as ruas de várias cidades europeias pareçam
saídas de um filme de guerrilha? Porque
não se fala disto?…
Comecemos pelo “porque que não
se fala disto?”: não se fala porque
se tem medo. Não de se ser fisicamente agredido como aconteceu e acontece com
as pessoas que em Garges-lès-Gonesse filmaram o ataque àquele jovem de 17
anos mas sim o medo de se ser classificado reaccionário. Fascista. Racista.
Populista… Nesta fase do texto é suposto que para que o Observador não seja
considerado uma espécie de pasquim da reacção da direita rufia, da direita que
era culta e liberal e agora é reaccionária e ignorante, eu trate de explicar
que ou o centro começa a abordar estes assuntos ou a extrema-direita os
tratará. Não o farei. Em primeiro
lugar porque não vale a pena: direita
é aquilo que a esquerda quiser. Logo é um exercício inútil tentar
explicar-se o disparate e a má fé dessas classificações. E em segundo lugar e para mim muito mais
importante, porque aquilo que estamos a viver coloca-se num outro nível: mais
precisamente no plano inclinado que nos está a levar da civilização à sociedade
tribal. Nessa regressão tem desempenhado um papel crucial o activismo
das causas identitárias. As agendas identitárias fraccionaram as
sociedades: onde antes tínhamos projectos para países temos agora agendas
antagónicas e particulares de comunidades que se subdividem em comunidades mais
específicas que por sua vez se segmentam noutras ainda mais minoritárias… E
assim sucessivamente numa espécie de recorrente pulsão divisora que nos
acantona em grupos.
Características que dantes eram
uma circunstância tornaram-se agora numa espécie de segunda pele: é o bairro onde se nasceu, a
terra/continente donde vieram os pais ou os avós, a cor da pele, as opções
sexuais… Nestas sociedades
decompostas em tribos a liberdade individual diminui (como se muda de
comunidade?); a responsabilidade de cada um é transferida para o grupo e
avaliada em função da valorização ou desvalorização desse grupo (são
jovens migrantes; os gays; os hetero; o lixo branco…) e tornada
obrigatória a censura por omissão do que possa dar uma imagem negativa de cada
uma das tribos: isso não se diz
porque dá uma má imagem dos muçulmanos; aquilo não se escreve porque pode
ser interpretado como homofóbico…
Na prática a histeria em torno
das fake news, da imprensa de direita, das notícias reaccionárias… procura
apenas legitimar a censura e diabolizar qualquer análise à tribalização das
sociedades ocidentais. O resto é a agit-prop do costume.
PS. Exmº Senhor
Deputado José Magalhães sensibilizada com a sua campanha não só para detectar fake news mas
também para as suprimir e por fim penalizar os seus difusores venho dar-lhe conta de
um um caso gritante de mentira: dizem os sectores populistas que a senhora
ministra da Cultura colocou Évora a sul do Sado. Recorrendo a uma
técnica tipicamente reaccionária os autores desta falsa notícia, para a
credibilizarem, até indicam um local e uma data em que Graça Fonseca teria
feito esta declaração que como é óbvio nenhum titular de uma pasta ministerial
para mais da Cultura pronunciaria em Portugal. Assim a reacção pôs a correr nas
redes sociais que a 6 de Novembro, na Audição da Comissão de Orçamento, Finanças e
Modernização Administrativa sobre
o Orçamento de Estado de 2019, a senhora a ministra da
Cultura anunciou que o Museu Regional de Évora instalado no antigo Paço
Episcopal, frente ao Templo Romano, vai tornar-se “no primeiro Museu Nacional a Sul do Sado”. Desnecessário será explicar
que isto só pode ser mentira. Como pode uma ministra, para mais ministra da
Cultura num governo de esquerda que é mesmo que dizer uma pessoa cultíssima,
colocar Évora ao sul do Sado? Obviamente que se por um infeliz acaso a senhora
ministra tivesse proferido tal enormidade o facto teria sido amplamente
destacado, pelo menos teria sido tão destacado quanto o foram as revelações
que, no tempo em que era secretária de Estado, a agora ministra da Cultura fez sobre a sua vida privada e que tantas
notícias, louvores
e elogios lhe valeram. Assim proponho que se identifique quem pôs esta
notícia a circular nomeadamente se a sua difusão não está associada ao
activismo de grupos de incivilizados aficionados do toureio a cavalo. Porquê a
cavalo? Siga o Sado, senhor deputado, siga o Sado…
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