quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Foram muitos os protestos…

…que mereceu o Editorial de Ana Sá Lopes, com o título O animalocentrismo, publicado no Público. A mesma página em que saiu, continha, nas “Cartas ao Director”, de Helder Pancadas, o protesto epistolar com o título O partido fofinho, com cuja transcrição inicio este texto, para comprovar os argumentos seguintes, do Editorial de Ana Sá Lopes - a “Srª Lopes”, na designação indignada da comentadora Paula Custodio, certamente que fiel seguidora dos preceitos de descortesia, inegavelmente humana, que levaram em tempos João Jardim – sem senhor – a tratar Cavaco Silva por “O senhor Silva”. Coloco apenas alguns desses protestos, de idêntica aversão contra a editorialista, pois que a maioria dos outros foi ainda mais ofensiva. Para pôr os pontos nos ii, transcrevo ainda, do Observador, o artigo do P. Gonçalo Portocarrero de Almada, sensato e justo, e percorrendo a História, em termos comprovativos da existência do Mal no Mundo.
Sou dos que sofre com o sofrimento dos animais, nos espaços fechados onde são enfiados para o alimento ou diversão do homem, ou nas caçadas de adestramento e visível prazer dos caçadores e tantos mais casos de indiferença humana pelo sofrimento animal que a cada passo nos ferem a sensibilidade. O certo é que os animais também se comem uns aos outros e programas há, televisivos, que mostram a cadeia alimentar poderosa, nos mares, como na Terra, como nos ares, sendo o Homem, todavia, o mais requintado a matar, para seu alimento próprio, ou diversão. Creio que sim, que devemos amar os animais, mas os mosquitos, as baratas, ou os ratos, ou mesmo as moscas, ou os piolhos, as carraças, as pulgas, e até micróbios daninhos, não sei como os defendem os “animalocêntricos”.
A mim, parece-me uma provocação reprovável, essa dos encapuzados do IRA.
I -CARTAS AO DIRECTOR  -   O partido fofinho
HELDER PANCADAS, SOBREDA           PÚBLICO, 17/11/18
Quem havia de dizer, hem?Quem poderia imaginar que aquele partido tão fofinho, criado para proteger os animais e resgatá-los das garras dos seus algozes, é a face legal de um grupo de marginais com a sigla IRA. A mesma sigla do extinto Irish Republican Army que tanto fez sofrer irlandeses e ingleses. Pelo que vi ontem no trabalho de investigação de um operador de TV, os tipos levam a sua “missão” muito a sério. As imagens mostravam um grupo de encapuzados armados, em tudo semelhante a imagens dos grupos clandestinos terroristas. Com o pretexto de salvação dos animais, os “ungidos” do IRA praticam actos de violência gratuita que as autoridades têm obrigação de parar quanto antes. Se a jornalista os conseguiu entrevistar e filmar, a PJ também o poderá fazer. E o IRA que se ponha a pau! Se grupos ligados aos touros ou amantes da caça lhes saírem ao caminho, não se admirem das consequências. O deputado do PAN, André Silva, e a sua chefe de gabinete, Cristina Rodrigues, têm muito que explicar às autoridades sobre tudo aquilo que sabem sobre este grupo, o que parece ser muito.
II - EDITORIAL   -  O animalocentrismo
PÚBLICO,    PÚBLICO, 17 de Novembro de 2018
Felizmente, a relação dos humanos com os animais de companhia mudou muito desde o tempo em que se cantava “Atirei o pau ao gato/mas o gato/não morreu/D. Chica/assustou-se/com o berro/ com o berro/ que o gato deu”, ou se enxotava o cão com um pontapé. Mas a sociedade cada vez mais “animalocêntrica” que estamos a criar, em que o amor por um animal, ou por vários animais, começa a ser considerado superior ao amor por um humano ou vários humanos, é a base de sustentação para grupos extremistas como o IRA – Grupo de Intervenção e Resgate Animal – que, utilizando como acrónimo o nome do grupo separatista irlandês, está agora a ser investigado pela Polícia Judiciária por crimes violentos, nomeadamente agressões e roubo.
A relação profunda que é possível estabelecer entre humanos e animais de companhia não nasceu nos últimos anos. Manuel Alegre, agora muito fustigado por causa da defesa das touradas, tem um livro – Cão como Nós – que fala exactamente sobre isso. A expressão “o cão é o melhor amigo do homem” também não é do século XXI. Como é que se passou da existência de relações de pertença a uma alteração social que põe o valor da vida animal a emocionar multidões – em contraste paradoxal com a frieza com que hoje os animalocêntricos europeus olham para os barcos dos refugiados do Mediterrâneo ou para os sem-abrigo das suas cidades?
Não é fácil encontrar explicações para esta mudança de paradigma. Mas é essa mudança que vai, com bastante probabilidade, aumentar a votação PAN, que responde a uma alteração histórica que, no lado positivo, o pode fazer crescer eleitoralmente e, no lado negativo, ter a sua chefe de gabinete suspeita de ter ligações ao grupo extremista que foi objecto da reportagem da TVI e que está a ser investigado pela PJ. O PCP e Os Verdes percebem a ameaça. Num quase inédito comunicado sobre investigações judiciais, o PCP, para além da preocupação sobre o alegado envolvimento da chefe de gabinete no grupo extremista, põe em causa “uma prática subjacente ao projecto político do PAN que, sob o manto das preocupações sobre a natureza e os animais, e assente num discurso de intolerância, promove uma orientação de incriminação, de estímulo à delação e criminalização de hábitos socioculturais, em si mesmo um caldo de cultura para justificação de práticas criminosas”. Infelizmente, o tempo que corre, corre a favor da intolerância.
COMENTÁRIOS:
Paula Custodio: 17.11.2018 20:53 Sra. Lopes, Quando diz "em contraste paradoxal com a frieza com que hoje os animalocêntricos europeus olham para os barcos dos refugiados do Mediterrâneo ou para os sem-abrigo das suas cidades?" - PRECISA DE PROVAR que são os animalocêntricos que olham com frieza para os barcos de refugiados ou sem abrigos... que eu saiba, é a direita chauvinista e saudosista das "tradições" que tanto alarido faz contra os refugiados e sem-abrigo que lhes "sujam" as suas preciosas cidades e ao mesmo tempo tanto gostam que eles existam para lhes limpar as retretes e os poderem tratar como sub-humanos, i. é, escravos modernos… Quem é defensor dos direitos dos animais não defende a morte da humanidade, apenas que não somos donos deste planeta, mas inquilinos como todas as outras espécies que nele cohabitam.
Pedro Almeida, Pico - Açores 17.11.2018 18:47: Não há outros temas na agenda nem outras prioridades. A Dr.ª Graça, com tese em Coimbra, deu um “banho de civilização” aos portugueses, e abriu o debate à volta do cãozinho, gatinho, periquita, galinhas e os touros de arena - espero ansiosamente pelo debate à volta da caça do coelho bravo ou da perdiz... O vulgo anda agora atento às catacumbas da GNR de Alcochete onde a carrinha da PJ é seguida pela CMTV em direito para o tribunal do Barreiro… Há, no meio disto, uma grande solidão…há cada vez mais casais sem filhos - ou com filhos únicos. Há cada vez mais idosos e menos crianças…mas os temas são outros… Assim vai o País…
Pedro Almeida, Pico - Açores 17.11.2018 18:46: Na "parvoeira" do caruncho do "Parlamento", assistimos à Sr.ª Dr.ª das unhas, a Sr.ª Dr.ª das passwords - consideradas um dado pessoal e intransmissível, mas..."pode-se partilhar”...e outras parvalheiras…como a iniciativa do PSD de propor o Dia Nacional do Cão - atenção projecto de resolução, do lendário Marques Guedes, gosto especialmente do nome “projecto de resolução”…bem como o antigo líder da bancada do PSD que tinha um currículo invejável mas não tinha metido os pés na Califórnia… A cereja em cima do bolo é mesmo o Parlamento ter um deputado eleito, para representar o periquito, a aranha…e as melgas…e já agora as moscas…
Raquel Azulay, 17.11.2018 17:20: uma pessoa que acha que os animais não devem ser maltratados é = a alguém que valoriza os animais mais do que os humanos??? Ana, sinceramente!!!! e logo em Portugal, país onde milhares de animais são tratados de forma brutal. é de pasmar. está a tentar ser polémica?
 Porto 17.11.2018 16:00: muito de acordo com ASL. é assustador a personificação dos animais, a sua valorização acima de todas as coisas e pessoas, mas penso que é um discussão sem esperança. os animalocêntricos não são demovíveis, eu tb não: muito respeito pelos animais e pelos vegetais, mas, sem qualquer margem para dúvidas, primeiro as pessoas.
João Teixeira, 17.11.2018 09:23: Nós temos um imenso amor pelos outros animais, é por isso que se estima que 60% dos animais selvagens foram dizimados nos últimos 50 anos por actividades antropogénicas...
III - TOURADAS               As touradas: uma ética bestial? /premium
P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA         OBSERVADOR, 24/11/2018
É da essência do Cristianismo o amor pela criação. Desde sempre, os cristãos amam a natureza, espelho onde admiram a omnipotência e o amor de Deus.
G. K. Chesterton dizia que não é verdade que neste tempo não haja valores, mas parecem ter enlouquecido. Com efeito, mata-se violenta e impunemente um nascituro, ou um doente terminal, mas depois fazem-se campanhas para a ‘adopção’ de animais domésticos, para recolha de alimentos e até cobertores para cães vadios e protesta-se contra a falta de condições dos canis municipais, a que se proíbe o abate de animais porque – ironia do destino! – parece que os matadouros devem ser apenas para os seres humanos!
Se a questão da defesa da vida, no seu início e termo natural, é uma questão de honra e um princípio irrenunciável, pelo menos para qualquer humanista que se preze, bem como para qualquer cristão digno desse nome – não o seria se fosse favorável à eufemística ‘interrupção voluntária da gravidez’, ou ao inverosímil ‘direito a uma morte digna’ – é, pelo contrário, discutível o modo como a sociedade deve encarar a vida animal.
Não é aceitável, não só por questões da mais elementar ciência jurídica, mas também por razões de bom senso, equiparar os animais irracionais, ou as plantas, aos seres humanos, nem conceder-lhes personalidade jurídica: a ausência de inteligência e vontade impede que esses seres vivos possam ser titulares de direitos, do mesmo modo como obsta a que fiquem adstritos ao cumprimento de quaisquer obrigações: só a loucura e a prepotência de um Calígula explica que um cavalo possa ter sido senador em Roma!
Como seres dotados de sensibilidade, como o direito português reconhece, mas não de personalidade, os animais são susceptíveis de protecção jurídica, não apenas pelo seu valor intrínseco, mas sobretudo pela sua relação com os seres humanos. Para algumas pessoas, os animais que criam são o seu sustento e, portanto, essenciais à sua vida. Também há quem os use na sua actividade profissional, ou como meio de transporte e, também para estes, é necessário que o ordenamento jurídico garanta a protecção de tais instrumentos necessários para o trabalho ou deslocações. Também o valor estimativo de um animal é susceptível de protecção jurídica: se um invisual precisa de um cão que o guie, ou uma pessoa tem por única companhia um animal doméstico, é óbvio que esse valor acrescido desse ser vivo deve ser juridicamente relevante.
É evidente, para qualquer pessoa que tenha um mínimo de bom senso, que a questão da protecção dos animais não se põe quando está em perigo uma vida humana. Quando, há já algum tempo, uma criança caiu na jaula dos símios e foi arrastada por um orangotango, felizmente sem danos para o menor, a única decisão acertada foi a então tomada pelas autoridades desse jardim zoológico, que prontamente executaram o animal. O risco, para a vida da criança, era razão mais do que suficiente para o seu abate.
Outra questão, certamente mais discutível, é a utilização de animais em actividades lúdicas, como são os circos, ou as touradas. Há quem entenda que não é aceitável a sua utilização em espectáculos circenses, porque as condições a que os mesmos são sujeitos não são as melhores. Mas, nesse caso, também seria de impedir os jardins zoológicos – não estão, também esses animais, em cativeiro?! – bem como os aquários, oceanários e até as reservas naturais que, a bem dizer, pouco têm de natural, na medida em que os animais, embora tendo mais liberdade de movimentação, também estão confinados a um espaço limitado?! E, se a liberdade de movimentação dos animais é essencial, porquê permitir então a trela e o açaime nos cães?! Não é verdade que esses instrumentos são também inibidores para o animal?! De reconhecer um ‘direito’ do animal irracional, seria preciso, em coerência, abolir tudo o que, de algum modo, os seres humanos impõem, para sua segurança ou comodidade, aos animais que têm consigo.
É da essência do Cristianismo o amor pela criação, obra de Deus, como recentemente recordou o Papa Francisco, com a encíclica Laudato Si. Desde sempre, os cristãos amam a natureza, espelho em que admiram a omnipotência e o amor de Deus. Apesar de muitos dos primeiros cristãos terem sido pasto das feras, é próprio da doutrina católica entender que os animais são um bem, que importa preservar. São úteis para a alimentação dos seres humanos, como são prestáveis para o trabalho e como meio de transporte. Também podem ser uma boa companhia, embora nunca com eles se possa estabelecer uma relação afectiva ou amorosa, que há-de ser sempre interpessoal. É da responsabilidade dos poderes públicos preservar a natureza na sua integridade, defendendo as raças em vias de extinção, impondo defesos em relação à caça ou pesca de certos animais e criando reservas, onde a sua existência possa estar ameaçada e, por isso, deva ser assegurada.
A questão que se põe é, contudo, em relação à licitude de certos espectáculos, como o circo ou as touradas. Há quem entenda que a tourada deve ser proibida porque é cruel para o animal, que é exposto a um sofrimento desnecessário. Com certeza que, para o touro, não são agradáveis as bandarilhas que lhe são espetadas, nem as pegas, nem muito menos a morte em plena praça, embora, se for instantânea, não seja mais dolorosa do que a que lhe é provocada no matadouro. Mas, para os cavalos de corrida, são amenas as chibatadas recebidas até chegar à meta?! Não será também cruel o uso das esporas?! E as trelas e açaimes dos cães, não são também outras formas de tortura animal?!
A verdade é que, pela via do suposto interesse ou bem do animal, seria praticamente impossível estabelecer um código de conduta razoável. Se calhar, todas as práticas desportivas humanas têm um impacto negativo na natureza: os atletas de corta-mato, ou praticantes de BTT, podem destruir ou obstruir o trilho de algumas formigas, os praticantes de para-quedismo, asa delta ou aviação, interferem com o voo das aves, os surfistas e nadadores perturbam o habitat marinho, etc., etc., etc. Mas também é verdade que os animais, entre si, estão em constante luta e que a sua sobrevivência não pode ser alcançada senão pela morte dos seus agressores, ou daqueles de que carecem para a sua alimentação. Não se negue, portanto, aos homens, pelo menos as mesmas prerrogativas que se reconhecem, naturalmente, aos ‘outros’ animais.
No contexto de uma ética personalista, a vida animal deve ser encarada como instrumental para o homem, que é o cume de criação: as pessoas não existem para os animais, mas estes existem, como aliás as plantas e o resto do mundo, para o homem. Uma ética cristã é, por definição, antropocêntrica. E é, portanto, nesta perspectiva, que devem ser encaradas as diversas actividades lúdicas, como o circo ou as touradas.
Não parece razoável que uma pessoa ponha em causa a sua vida por uma questão tão fútil como um espectáculo circense, ou taurino. Se um ser humano morre em defesa da sua fé, ou da sua pátria, ou da sua família, ou de um inocente, é certamente heroico, mas não seria honrosa a morte que acontece por indesculpável temeridade. Ir a uma velocidade excessiva, porque assim o exige a vida em perigo de um doente que se transporta, com urgência, para um hospital, é louvável; mas não o seria se fosse apenas para ganhar uma corrida, pondo em causa vidas humanas, a começar pela do próprio. Introduzir a cabeça no focinho de um leão, ou de um crocodilo, só para ganhar um aplauso, não é razoável: não seria um acto de bravura, mas de supina estupidez. Se lidar um touro significa pôr, desnecessariamente, em risco a própria vida, não é eticamente aceitável, por mais divertido ou emocionante que possa ser o espectáculo.
Nenhuma mãe ou pai perdoaria a um seu filho, ou filha, o imenso desgosto da sua perda, pela mera futilidade de um qualquer desporto, ou diversão. A vida humana inocente, desde a concepção até à morte natural, é um imperativo moral absoluto e, ante esta exigência irrenunciável, não faz sentido recorrer a argumentos sobre os supostos direitos, dignidade ou sofrimento animal. A não ser que, como manifesta expressão da loucura de que já se queixava Chesterton, se queira trocar a moral humanista cristã por uma ética verdadeiramente bestial.

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