Dois textos do Observador, um de Nuno Crato sobre Educação,
o segundo, de Paulo Tunhas sobre desconstrução. Com comentários alusivos
a cada um. São suficientemente claros, e é com extremo prazer que os guardo no
meu recanto, grata a quem sabe extrair, com simplicidade, dados que valorizam o
nosso país, caso de Nuno Crato, ou
que, com justa ironia, ajudam a definir as malhas de um governo viciado e de um
povo astutamente desinteressado em aceitar isso, caso da crónica de Paulo Tunhas:
Nunca tinha ido a Moscovo /premium
0BSERVADOR, 31/10/2018
Na última edição do estudo TIMSS, em 2015, os nossos estudantes
passaram à frente de 36 países, incluindo a Finlândia! Como é possível ter
passado à frente do país modelo da educação europeia?
Não, nunca tinha ido a Moscovo. Nada contra. Nenhuns preconceitos. Mas
a viagem é longa, cara, e ainda não me tinha calhado. Fui agora, a convite,
para falar numa conferência internacional sobre o Ensino. Pediram-me para falar
sobretudo sobre a preparação dos estudantes antes da entrada na universidade.
Estão impressionados com os resultados que os alunos portugueses obtiveram nas
últimas avaliações internacionais, de 2015. Estão eles, tal como muitos outros
peritos, de muitos países. Pelos mesmos motivos fui ainda este ano a
conferências em São Paulo, Londres, Rio de Janeiro, Cidade do México, Varsóvia
e noutros locais.
Tenho orgulho nisso, como julgo
ser natural que todos tenhamos. Portugal partiu de uma situação muito fraca,
nesta transição de século, e passou a estar no radar da educação mundial. Em
1995, quando participámos no estudo TIMSS em matemática do 4.º ano, apenas dois
países ficaram pior colocados que nós: a Islândia e o Irão. Na última edição
deste estudo, em 2015, os nossos estudantes passaram à frente de 36 países,
incluindo a Finlândia! Como é possível ter passado à frente do país modelo da
educação europeia?
Progressos semelhantes foram conseguidos no estudo PISA, da OCDE. Em
2000, quando se iniciou esse estudo, ficámos muito atrás da média dos países
participantes. Em 2015, ultrapassamos a
média da OCDE em todas as áreas, e obtivemos a especial honra de termos sido um
dos únicos dois países que conseguiram, simultaneamente e significativamente,
aumentar o número dos estudantes no topo e reduzir o número dos estudantes nos
percentis inferiores. Quer dizer, ao contrário dos outros países em que as
melhorias são provocadas pela subida dos melhores à custa dos menos bons, ou
pela subida dos menos bons, à custa dos melhores, Portugal conseguiu que
melhorassem todos.
Nicolau Gogol por F. Moller (1840) e Retrato de Mussorvski por I.E
Repin (1881), Galeria Tretyakov
Durante a minha estadia, Portugal marcou ainda outros golos.
Literalmente! O centro da cidade estava invadido por adeptos do FCP que,
como eu, aproveitaram alguns momentos livres para visitar as atracções
turísticas mais canónicas: o Kremlin, a Praça Vermelha e alguns museus.
Fiquei muito impressionado com as mostras que visitei. Expunham uma
extraordinária riqueza artística, que é, em grande parte, desconhecida no nosso
Ocidente. Na Galeria Tretyakov, por exemplo, onde se podem ver alguns, muito
poucos, quadros célebres, tais como os retratos mais famosos de Mussorgsky e
Gogol, a larga maioria da exposição é constituída por obras de artistas muito
pouco conhecidos, mas de extraordinária qualidade.
Cálculo Mental, de
Bogdanov-Belsky, de 1895, na Galeria Tretyakov
Detive-me num quadro intitulado Cálculo Mental, de Bogdanov-Belsky (o nome diz-lhe
alguma coisa, leitor? a mim não dizia nada…). É um retrato social e
psicológico extraordinário. Mostra uma escola dos fins do século XIX em que os
alunos se movimentam em liberdade, tentando resolver mentalmente um problema
difícil de aritmética — difícil porque obriga a reter de cabeça vários
resultados parciais.
As faces dos rapazes são particularmente expressivas, e as atitudes
também. Alguns afastam-se para pensar melhor. Outros concentram-se no
enunciado, pensando enquanto olham para os números. Outros ainda trocam
olhares. Um deles segreda ao professor. Segreda a solução que obteve?
Para quem se interessa pelas polémicas de educação, há ainda outros
factos curiosos. Os alunos não cooperam, pensam individualmente, e movimentam-se
de forma livre pela sala, que não revela mesas alinhadas, mas sim uma
desorganização que alguns dizem que não existia no passado, antes se deveria
construir no futuro.
Seria afinal desorganizada, a escola do passado?
Em certo sentido sim, pois a escola que hoje conhecemos é uma invenção da
modernidade. Uma invenção aliás anterior aos finais do século XIX, quando foi
feita a pintura. Uma coisa é certa: pelo menos para certas situações de
movimentação dos alunos ninguém está hoje a inventar a pólvora. E as soluções
dependem das situações! Hoje, tal como ontem, é tão ridículo dizer que os
alunos devem estar sempre sentados, quietos e alinhados em filas na sala de
aula, como é absurdo dizer que devem estar sempre sentados em círculo, ou
sempre a movimentar-se livremente.
Mas voltemos ao problema da
pintura (a soma dos quadrados de 10, 11, 12, 13 e 14 a dividir por 365). O
leitor consegue resolvê-lo de cabeça? Vai aqui uma pista: o resultado é
surpreendentemente simples.
COMENTÁRIOS
maria perry: Sinto um grande alívio por os meus filhos
terem feito os anos mais importantes da secundária quando Nuno Crato era
ministro. Obrigada por ter lutado por um bom nível de educação (até demais às
vezes). Muitos, muitos parabéns pelo reconhecimento que lhe está a ser dado.
Maria L Gingeira: Nuno Crato fez um trabalho notável na Educação. Tal
como Paulo Macedo o fez na Saúde e continua a mostrar a sua enorme competência
na recuperação da CGD. Aos poucos, os factos falam por si e percebemos enfim o
nível e empenho dos ministros do Governo de Passos Coelho num tempo em que ao
mesmo tempo foi preciso recuperar as contas do país. Por isso são detestáveis
as ideologias que ameaçam e travam o desenvolvimento ao ponto de se apropriarem
da vontade dos eleitores orientados em campanha eleitoral para a eleição de um
primeiro-ministro. E a seguir se apropriam também dos efeitos do trabalho dos
seus antecessores. O ciclo que se segue é importante porque vamos ter
oportunidade finalmente da assistir à colheita dos frutos da gestão socialista/comunista,
no caso, na Educação e na Saúde.
Luis Cunha: Um
balsamo os seus artigos de opinião. Obrigado. Devia ser lido pelos actuais
governantes no Ministério da Educação. Vieram contrariar as políticas
de muitos anos seguida por Maria de Lurdes Rodrigues ( PS ) e o Autor do texto.
julio Almeida: Mentalmente vê-se que a soma dos 3 primeiros
quadrados dá 365 bem como a soma dos dois quadrados seguintes. Então o
resultado é 2
Audio Vac: Ou o estudo está errado, ou a fasquia é
muito baixa, ou eles só sabem matemática (se é que se trata de matemática, pois
se são aquelas perguntas de lógica distorcida para enganar as pessoas, cheias
de falácias e em português "deslizante", há quem se habitue a esse
tipo de coisas e consiga resolver tudo e mais alguma coisa sem saber ler nem
escrever...).
Monica Costa: 2. O resultado é 2. Muito difícil para quem
não sabe os quadrados, ainda mais difícil para quem não sabe fazer contas,
impossível para quem nunca foi treinado em cálculo mental como é o caso dos
jovens de hoje. Podem sempre argumentar que não é necessário, que hoje há
calculadoras, telemóveis (com calculadora) computadores e o maravilhoso excel.
Mas certo é que treinar o cérebro resulta num maior desenvolvimento
mental, tal como os músculos...mas o povo quer-se burro e ignorante. Bem
aventurados os pobres de espírito...
Portugal ao lusco-fusco /premium
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 1/11/2018
Tudo parece, sob a
batuta de António Costa, viver numa atmosfera de incerteza em que nada é
exactamente o que parece, numa ambiguidade organizada que cria as condições da
sua própria perpetuação.
Está para breve o fim do último
momento de internacionalismo proletário ao qual em Portugal certas pessoas se
dedicam com particular enlevo. Por
muito que seja fácil e fique de graça dar lições aos outros, sob a forma de
abaixo-assinados ou excitações jornalísticas, o interesse pelo Brasil de
Bolsonaro tenderá pacatamente a esvair-se. Bolsonaro não é Trump (ou
Reagan, ou George W. Bush) e o Brasil é ligeiramente diferente dos Estados
Unidos. Falta-lhe por inteiro a capacidade de sustentar uma atenção e uma
paixão continuadas, que os Estados Unidos continuam a ser os únicos a merecer.
Depressa passará de moda a exibição de temores incontidos com o fascismo
tropical. Outro objecto virá
depressa ocupar o seu lugar, como mandam as regras do donjuanismo político-intelectual.
Por mim, aproveitava a pequena
pausa que se aproxima para pensar um pouco em Portugal e na curiosa situação de
equivocidade e ocultamento, de lusco-fusco, em que vivemos. Tudo parece, sob a
batuta de António Costa, viver numa atmosfera de incerteza em que nada é
exactamente o que parece, numa ambiguidade organizada que cria as condições da
sua própria perpetuação. E isso desde os primeiros passos da criação da
geringonça.
Com efeito, é muito estranho
viver com um governo que depende de um apoio parlamentar que se define
simultaneamente como garante dele e como oposição a ele. Para o PC, por
exemplo, é um governo de direita, sendo os únicos méritos da sua política fruto
exclusivo das exigências do próprio PC. O Bloco, com ligeiras variantes, não
anda longe disso e compete com o PC na reivindicação da responsabilidade do que
de bom, ou razoável, o governo possa fazer. Costa e o PS, deixados a si mesmos,
seguiriam, por tendência natural historicamente comprovada, uma política de
direita não muito diferente da defendida pelo PSD e o CDS. Dito de outro modo:
estão com Costa e estão contra Costa. A esquizofrenia da coisa é palpável, mas
é uma esquizofrenia que convém a Costa, cujo ineteresse em mantê-la é palpável.
A equivocidade e o ocultamento são o seu seguro de vida.
Depois, há a questão da
austeridade. A página da austeridade, diz-se, foi virada. Mas,
ao mesmo tempo, não foi. Não se explicariam de outro modo as cativações do
ministro das Finanças, que se sentem em tudo. Os professores que o digam
e que o diga o anterior ministro da Saúde, uma pessoa aparentemente simpática,
sistematicamente obrigada a fazer tristes figuras, anunciando aos hospitais
dinheiro que fatalmente não chegava ao destino. O exemplo mais notório, até
pelo inconfessável cinismo da coisa, é o da ala pediátrica do S. João, que
merece tornar-se um caso de estudo da arte das promessas diferidas. Ou o último
Orçamento do Estado, “tecnicamente incoerente” segundo os técnicos da UTAO. Tal
como o PC e o Bloco estão pelo governo e contra o governo, Mário Centeno
pratica a austeridade e não pratica a austeridade.
Face a isto, que é uma pequena parte da encenada esquizofrenia
reinante, toda a história de Tancos adquire quase o estatuto de símbolo. O
ex-ministro Azeredo Lopes resumiu a atitude geral do governo com indisputável
brilho. As armas foram roubadas – mas podem não ter sido roubadas. Recebeu uma
informação sobre o encobrimento do furto de material militar – mas não a
interpretou como uma informação sobre o encobrimento do furto de material
militar. E crescem rumores que não teria sido o único entre as altas instâncias
do Estado a viver nesta curiosa duplicidade. Sabem, mas, ao mesmo tempo, não
sabem.
Estão e não estão, acabou a
austeridade e não acabou a austeridade, há roubo e não há roubo, sabem e não
sabem. Aparentemente, é bem
verdade que o que nasce torto, e este governo nasceu mesmo torto, tarde ou
nunca se endireita. Muito pelo contrário, tende a entortar-se mais a cada dia
que passa, na busca da ocultação da sua equivocidade original. E a equivocidade
tende, em consequência, a alargar-se progressivamente, como uma mancha negra
que desastradas operações de limpeza fazem alastrar pelo soalho inteiro.
De acordo com esta concepção
geral das coisas, não surpreende que a preocupação em falar sem ambiguidades
seja particularmente mal vista.
E, no fundo, percebe-se que os adeptos do lusco-fusco, da hora do lobo,
acreditem que o exercício de um discurso que vise, tanto quanto possível,
evitar o equívoco, como o de Cavaco Silva no último volume das suas memórias,
apareça como exemplo de falta de “sentido de Estado”. O dito “sentido de Estado”, no estado em que estamos, define-se pelo
cultivo da arte de esconder sistematicamente uma coisa atrás de outra, num jogo
que, se tudo correr bem, e com sorte, se pode prolongar durante muito tempo.
Pelo menos até ao momento em que tudo ruirá como um castelo de cartas.
Uma coisa eu sei. Por mais hábil que Costa seja na organização deste
estado de coisas, a verdade é que a degradação da confiança política, que já
anda pelas ruas da amargura, só se pode acentuar, e com ela a desorientação das
pessoas. A vida no lusco-fusco
faz-nos perder o sentido das formas e dá vontade de ver o que nos rodeia mais
nitidamente. Nesse momento, qualquer pequeno ou grande acidente bastará para
pôr fim à extravagante tolerância vigente para com a duplicidade que faz parte
do nosso actual modo de viver.
COMENTÁRIOS:
Maria L Gingeira: É o tal “faz de conta” mas tudo o que o governo faz
gira em torno de certo modo de ser português. Explora-o. O PS conhece-nos como
ninguém. Diz o que as pessoas querem ouvir. Sempre foi assim. O PSD de Cavaco e
o PSD de Passos sempre usaram um discurso mais directo menos estratégico, logo,
menos político. O português não gosta que lhe digam que é preciso rigor e
sacrifício. Há uma grande falta de maturidade porque a cultura do Estado
impera. É para o funcionário público que o PS trabalha, enquanto o PSD tenta
puxar pelo sector privado. A nossa realidade infelizmente é esse país dividido.
E o pior é que é o sector privado que se ressente da política do faz de conta
que agora impera. Porque a sente na pele. Os jovens continuam a emigrar e não
voltam. Os empresários pequenos estão desanimados. Esse país que paga tudo está
no limite. E vamos ver mais desemprego, o primeiro sinal de marcha-atrás.
Porque quer queiramos quer não, este governo andou estes quatro anos a viver
dos resultados do trabalho feito pela austeridade. É no ciclo que se segue que
vamos conhecer os resultados do governo da “geringonça”. É o sector privado que
vai mostrar esses “frutos”.
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