sábado, 3 de novembro de 2018

“Come chocolates, pequena”



Dois textos do Observador, um de Nuno Crato sobre Educação, o segundo, de Paulo Tunhas sobre desconstrução. Com comentários alusivos a cada um. São suficientemente claros, e é com extremo prazer que os guardo no meu recanto, grata a quem sabe extrair, com simplicidade, dados que valorizam o nosso país, caso de Nuno Crato, ou que, com justa ironia, ajudam a definir as malhas de um governo viciado e de um povo astutamente desinteressado em aceitar isso, caso da crónica de Paulo Tunhas:

Nunca tinha ido a Moscovo /premium
0BSERVADOR, 31/10/2018
Na última edição do estudo TIMSS, em 2015, os nossos estudantes passaram à frente de 36 países, incluindo a Finlândia! Como é possível ter passado à frente do país modelo da educação europeia?
Não, nunca tinha ido a Moscovo. Nada contra. Nenhuns preconceitos. Mas a viagem é longa, cara, e ainda não me tinha calhado. Fui agora, a convite, para falar numa conferência internacional sobre o Ensino. Pediram-me para falar sobretudo sobre a preparação dos estudantes antes da entrada na universidade. Estão impressionados com os resultados que os alunos portugueses obtiveram nas últimas avaliações internacionais, de 2015. Estão eles, tal como muitos outros peritos, de muitos países. Pelos mesmos motivos fui ainda este ano a conferências em São Paulo, Londres, Rio de Janeiro, Cidade do México, Varsóvia e noutros locais.
Tenho orgulho nisso, como julgo ser natural que todos tenhamos. Portugal partiu de uma situação muito fraca, nesta transição de século, e passou a estar no radar da educação mundial. Em 1995, quando participámos no estudo TIMSS em matemática do 4.º ano, apenas dois países ficaram pior colocados que nós: a Islândia e o Irão. Na última edição deste estudo, em 2015, os nossos estudantes passaram à frente de 36 países, incluindo a Finlândia! Como é possível ter passado à frente do país modelo da educação europeia?
Progressos semelhantes foram conseguidos no estudo PISA, da OCDE. Em 2000, quando se iniciou esse estudo, ficámos muito atrás da média dos países participantes. Em 2015, ultrapassamos a média da OCDE em todas as áreas, e obtivemos a especial honra de termos sido um dos únicos dois países que conseguiram, simultaneamente e significativamente, aumentar o número dos estudantes no topo e reduzir o número dos estudantes nos percentis inferiores. Quer dizer, ao contrário dos outros países em que as melhorias são provocadas pela subida dos melhores à custa dos menos bons, ou pela subida dos menos bons, à custa dos melhores, Portugal conseguiu que melhorassem todos.
Nicolau Gogol por F. Moller (1840) e Retrato de Mussorvski por I.E Repin (1881), Galeria Tretyakov
Durante a minha estadia, Portugal marcou ainda outros golos. Literalmente! O centro da cidade estava invadido por adeptos do FCP que, como eu, aproveitaram alguns momentos livres para visitar as atracções turísticas mais canónicas: o Kremlin, a Praça Vermelha e alguns museus.
Fiquei muito impressionado com as mostras que visitei. Expunham uma extraordinária riqueza artística, que é, em grande parte, desconhecida no nosso Ocidente. Na Galeria Tretyakov, por exemplo, onde se podem ver alguns, muito poucos, quadros célebres, tais como os retratos mais famosos de Mussorgsky e Gogol, a larga maioria da exposição é constituída por obras de artistas muito pouco conhecidos, mas de extraordinária qualidade.
Cálculo Mental, de Bogdanov-Belsky, de 1895, na Galeria Tretyakov
Detive-me num quadro intitulado Cálculo Mental, de Bogdanov-Belsky (o nome diz-lhe alguma coisa, leitor? a mim não dizia nada…). É um retrato social e psicológico extraordinário. Mostra uma escola dos fins do século XIX em que os alunos se movimentam em liberdade, tentando resolver mentalmente um problema difícil de aritmética — difícil porque obriga a reter de cabeça vários resultados parciais.
As faces dos rapazes são particularmente expressivas, e as atitudes também. Alguns afastam-se para pensar melhor. Outros concentram-se no enunciado, pensando enquanto olham para os números. Outros ainda trocam olhares. Um deles segreda ao professor. Segreda a solução que obteve?
Para quem se interessa pelas polémicas de educação, há ainda outros factos curiosos. Os alunos não cooperam, pensam individualmente, e movimentam-se de forma livre pela sala, que não revela mesas alinhadas, mas sim uma desorganização que alguns dizem que não existia no passado, antes se deveria construir no futuro.
Seria afinal desorganizada, a escola do passado? Em certo sentido sim, pois a escola que hoje conhecemos é uma invenção da modernidade. Uma invenção aliás anterior aos finais do século XIX, quando foi feita a pintura. Uma coisa é certa: pelo menos para certas situações de movimentação dos alunos ninguém está hoje a inventar a pólvora. E as soluções dependem das situações! Hoje, tal como ontem, é tão ridículo dizer que os alunos devem estar sempre sentados, quietos e alinhados em filas na sala de aula, como é absurdo dizer que devem estar sempre sentados em círculo, ou sempre a movimentar-se livremente.
Mas voltemos ao problema da pintura (a soma dos quadrados de 10, 11, 12, 13 e 14 a dividir por 365). O leitor consegue resolvê-lo de cabeça? Vai aqui uma pista: o resultado é surpreendentemente simples.

COMENTÁRIOS
maria perry: Sinto um grande alívio por os meus filhos terem feito os anos mais importantes da secundária quando Nuno Crato era ministro. Obrigada por ter lutado por um bom nível de educação (até demais às vezes). Muitos, muitos parabéns pelo reconhecimento que lhe está a ser dado.
Maria L Gingeira: Nuno Crato fez um trabalho notável na Educação. Tal como Paulo Macedo o fez na Saúde e continua a mostrar a sua enorme competência na recuperação da CGD. Aos poucos, os factos falam por si e percebemos enfim o nível e empenho dos ministros do Governo de Passos Coelho num tempo em que ao mesmo tempo foi preciso recuperar as contas do país. Por isso são detestáveis as ideologias que ameaçam e travam o desenvolvimento ao ponto de se apropriarem da vontade dos eleitores orientados em campanha eleitoral para a eleição de um primeiro-ministro. E a seguir se apropriam também dos efeitos do trabalho dos seus antecessores. O ciclo que se segue é importante porque vamos ter oportunidade finalmente da assistir à colheita dos frutos da gestão socialista/comunista, no caso, na Educação e na Saúde.
Luis Cunha: Um balsamo os seus artigos de opinião. Obrigado. Devia ser lido pelos actuais governantes no Ministério da Educação. Vieram contrariar as políticas de muitos anos seguida por Maria de Lurdes Rodrigues ( PS ) e o Autor do texto.
julio Almeida: Mentalmente vê-se que a soma dos 3 primeiros quadrados dá 365 bem como a soma dos dois quadrados seguintes. Então o resultado é 2
Audio Vac: Ou o estudo está errado, ou a fasquia é muito baixa, ou eles só sabem matemática (se é que se trata de matemática, pois se são aquelas perguntas de lógica distorcida para enganar as pessoas, cheias de falácias e em português "deslizante", há quem se habitue a esse tipo de coisas e consiga resolver tudo e mais alguma coisa sem saber ler nem escrever...).
Monica Costa: 2. O resultado é 2. Muito difícil para quem não sabe os quadrados, ainda mais difícil para quem não sabe fazer contas, impossível para quem nunca foi treinado em cálculo mental como é o caso dos jovens de hoje. Podem sempre argumentar que não é necessário, que hoje há calculadoras, telemóveis (com calculadora) computadores e o maravilhoso excel. Mas certo é que treinar o cérebro  resulta num maior desenvolvimento mental, tal como os músculos...mas o povo quer-se burro e ignorante. Bem aventurados os pobres de espírito...

Portugal ao lusco-fusco /premium
PAULO TUNHAS
OBSERVADOR, 1/11/2018
Tudo parece, sob a batuta de António Costa, viver numa atmosfera de incerteza em que nada é exactamente o que parece, numa ambiguidade organizada que cria as condições da sua própria perpetuação.
Está para breve o fim do último momento de internacionalismo proletário ao qual em Portugal certas pessoas se dedicam com particular enlevo. Por muito que seja fácil e fique de graça dar lições aos outros, sob a forma de abaixo-assinados ou excitações jornalísticas, o interesse pelo Brasil de Bolsonaro tenderá pacatamente  a esvair-se. Bolsonaro não é Trump (ou Reagan, ou George W. Bush) e o Brasil é ligeiramente diferente dos Estados Unidos. Falta-lhe por inteiro a capacidade de sustentar uma atenção e uma paixão continuadas, que os Estados Unidos continuam a ser os únicos a merecer. Depressa passará de moda a exibição de temores incontidos com o fascismo tropical. Outro objecto virá depressa ocupar o seu lugar, como mandam as regras do donjuanismo político-intelectual.
Por mim, aproveitava a pequena pausa que se aproxima para pensar um pouco em Portugal e na curiosa situação de equivocidade e ocultamento, de lusco-fusco, em que vivemos. Tudo parece, sob a batuta de António Costa, viver numa atmosfera de incerteza em que nada é exactamente o que parece, numa ambiguidade organizada que cria as condições da sua própria perpetuação. E isso desde os primeiros passos da criação da geringonça.
Com efeito, é muito estranho viver com um governo que depende de um apoio parlamentar que se define simultaneamente como garante dele e como oposição a ele. Para o PC, por exemplo, é um governo de direita, sendo os únicos méritos da sua política fruto exclusivo das exigências do próprio PC. O Bloco, com ligeiras variantes, não anda longe disso e compete com o PC na reivindicação da responsabilidade do que de bom, ou razoável, o governo possa fazer. Costa e o PS, deixados a si mesmos, seguiriam, por tendência natural historicamente comprovada, uma política de direita não muito diferente da defendida pelo PSD e o CDS. Dito de outro modo: estão com Costa e estão contra Costa. A esquizofrenia da coisa é palpável, mas é uma esquizofrenia que convém a Costa, cujo ineteresse em mantê-la é palpável. A equivocidade e o ocultamento são o seu seguro de vida.
Depois, há a questão da austeridade. A página da austeridade, diz-se, foi virada. Mas, ao mesmo tempo, não foi. Não se explicariam de outro modo as cativações do ministro das Finanças, que se sentem em tudo. Os professores que o digam e que o diga o anterior ministro da Saúde, uma pessoa aparentemente simpática, sistematicamente obrigada a fazer tristes figuras, anunciando aos hospitais dinheiro que fatalmente não chegava ao destino. O exemplo mais notório, até pelo inconfessável cinismo da coisa, é o da ala pediátrica do S. João, que merece tornar-se um caso de estudo da arte das promessas diferidas. Ou o último Orçamento do Estado, “tecnicamente incoerente” segundo os técnicos da UTAO. Tal como o PC e o Bloco estão pelo governo e contra o governo, Mário Centeno pratica a austeridade e não pratica a austeridade.
Face a isto, que é uma pequena parte da encenada esquizofrenia reinante, toda a história de Tancos adquire quase o estatuto de símbolo. O ex-ministro Azeredo Lopes resumiu a atitude geral do governo com indisputável brilho. As armas foram roubadas – mas podem não ter sido roubadas. Recebeu uma informação sobre o encobrimento do furto de material militar – mas não a interpretou como uma informação sobre o encobrimento do furto de material militar. E crescem rumores que não teria sido o único entre as altas instâncias do Estado a viver nesta curiosa duplicidade. Sabem, mas, ao mesmo tempo, não sabem.
Estão e não estão, acabou a austeridade e não acabou a austeridade, há roubo e não há roubo, sabem e não sabem. Aparentemente, é bem verdade que o que nasce torto, e este governo nasceu mesmo torto, tarde ou nunca se endireita. Muito pelo contrário, tende a entortar-se mais a cada dia que passa, na busca da ocultação da sua equivocidade original. E a equivocidade tende, em consequência, a alargar-se progressivamente, como uma mancha negra que desastradas operações de limpeza fazem alastrar pelo soalho inteiro.
De acordo com esta concepção geral das coisas, não surpreende que a preocupação em falar sem ambiguidades seja particularmente mal vista. E, no fundo, percebe-se que os adeptos do lusco-fusco, da hora do lobo, acreditem que o exercício de um discurso que vise, tanto quanto possível, evitar o equívoco, como o de Cavaco Silva no último volume das suas memórias, apareça como exemplo de falta de “sentido de Estado”. O dito “sentido de Estado”, no estado em que estamos, define-se pelo cultivo da arte de esconder sistematicamente uma coisa atrás de outra, num jogo que, se tudo correr bem, e com sorte, se pode prolongar durante muito tempo. Pelo menos até ao momento em que tudo ruirá como um castelo de cartas.
Uma coisa eu sei. Por mais hábil que Costa seja na organização deste estado de coisas, a verdade é que a degradação da confiança política, que já anda pelas ruas da amargura, só se pode acentuar, e com ela a desorientação das pessoas. A vida no lusco-fusco faz-nos perder o sentido das formas e dá vontade de ver o que nos rodeia mais nitidamente. Nesse momento, qualquer pequeno ou grande acidente bastará para pôr fim à extravagante tolerância vigente para com a duplicidade que faz parte do nosso actual modo de viver.

COMENTÁRIOS:
Maria L Gingeira: É o tal “faz de conta” mas tudo o que o governo faz gira em torno de certo modo de ser português. Explora-o. O PS conhece-nos como ninguém. Diz o que as pessoas querem ouvir. Sempre foi assim. O PSD de Cavaco e o PSD de Passos sempre usaram um discurso mais directo menos estratégico, logo, menos político. O português não gosta que lhe digam que é preciso rigor e sacrifício. Há uma grande falta de maturidade porque a cultura do Estado impera. É para o funcionário público que o PS trabalha, enquanto o PSD tenta puxar pelo sector privado. A nossa realidade infelizmente é esse país dividido. E o pior é que é o sector privado que se ressente da política do faz de conta que agora impera. Porque a sente na pele. Os jovens continuam a emigrar e não voltam. Os empresários pequenos estão desanimados. Esse país que paga tudo está no limite. E vamos ver mais desemprego, o primeiro sinal de marcha-atrás. Porque quer queiramos quer não, este governo andou estes quatro anos a viver dos resultados do trabalho feito pela austeridade. É no ciclo que se segue que vamos conhecer os resultados do governo da “geringonça”. É o sector privado que vai mostrar esses “frutos”.


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