terça-feira, 20 de novembro de 2018

Altas pedagogias sem traço azul



José Régio se rebelava contra a sociedade de preconceito, no seu “Cântico Negro”, embora não se tratasse de enxovalhar ainda os ensinamentos que aprendera na escola, nem as metodologias seguidas então, que na sua altura ninguém se lembrava de pôr em causa, e muito menos ele, que era um digno representante da docência segundo o lema “magister dixit”. Graças a Deus que, para poderem transmitir com nexo os seus ensinamentos, os professores do seu tempo - e do meu também, tive essa sorte - eram forçados a estudá-los, era ponto assente, e quem o não fizesse com o necessário empenho não era tão respeitado pelos alunos, que sempre souberam reconhecer quem realmente os estimulava para uma vida de brio e competência futuros, entendendo que, para se poder colher, é necessário semear, caso das searas e produtos vegetais, à excepção do eucalipto que nasce espontaneamente, cobrindo os pinheiros queimados pelos incêndios, em manchas de verde belo e contrastante com o negrume do crestado, muito à maneira, é certo, da tal escola referenciada por Eduardo Sá, mas que por isso mesmo o governo manda cortar – os eucaliptos, não “o bom do Sá” - como pragas propícias a incêndios futuros. De facto, do vazio não se extrai senão o vazio, pelo menos, até nova ordem. Não, a rebelião de José Régio tinha mais a ver com os choques “inter pares”, contra os que lhe davam alvitres, que Régio, adulto, se escusava a seguir, dizendo-o bem alto, com grande mestria poética. Eis alguns passos comprovativos, do tal “Cântico Negro”:
Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces 
Estendendo-me os braços, e seguros 
De que seria bom que eu os ouvisse 
Quando me dizem: "vem por aqui!" 
Eu olho-os com olhos lassos, 
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) 
E cruzo os braços, 
E nunca vou por ali... 

Não, não vou por aí! Só vou por onde 
Me levam meus próprios passos... 
Se ao que busco saber nenhum de vós responde 
Por que me repetis: "vem por aqui!"? 
Prefiro escorregar nos becos lamacentos, 
Redemoinhar aos ventos, 
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, 
A ir por aí...    
É essa, igualmente a teoria desenvolvida pelo professor – mais um – do “Clube dos Poetas Mortos“- desempenhado pelo actor Robin Williams, – desta vez, sim, em termos de orientação pedagógica, do género da que o autor do texto infra – Eduardo Sá – expende, matando a escola, à escola cultural preferindo a continuação do “Jardim de Infância” e das teorias experimentalistas do Rousseau expendidas no seu Émile. O tal professor lá do filme chega a impor aos seus alunos que rasguem os compêndios de Literatura, numa das suas aulas, adepto da doutrina da criatividade, cada aluno chamado a expor a sua própria opinião e a exibir as suas capacidades, com a superioridade que lhe é atribuída à partida, mesmo que algum mais honesto possa reconhecer a necessidade de orientação teórica indispensável para a compreensão desses outros escritores sobre quem estudiosos expuseram noções que o professor fez rasgar, segundo a trama do filme, condenatória da sociedade opressiva - do colégio e do país que impõem ordem e respeito e que criam, com essas prepotências, traumas que levam um dos alunos do tal filme a suicidar-se, sentindo-se incompreendido, baralhado entre as regras impostas superiormente e as do professor que o levara a sentir-se um génio incompreendido, tal como a pescada, que antes de ser já o era. Sempre achei abominável esse filme faccioso, no seu pretensiosismo tendenciosamente escarnecedor das saloiices de uma burguesia encurralada nos princípios dogmáticos, etc., etc e que Eduardo Sá traz a lume, achando-se provavelmente um génio descobridor de qualquer coisa original e que, afinal, tem tantas cãs.
Deixo aos seus comentadores o papel crítico, mais amplo de conteúdo do que este de expressar a minha indignação pela torpeza de mais um contributo para a criação de uma sociedade futura de banalidade, vazio, acefalia, idiotia, imodéstia, um descalabro! Pobres crianças! Pobre país este, que produz tais abortos de opinião sem traço azul, só porque se vive em democracia, bla bla bla, criminosamente pueril, de uma pieguice indecorosa e de uma falsidade a merecer condenação.
Já em tempos tratei o tema em “Anuário, Memórias Soltas (1999), por exemplo, entre outros, no texto “Estratégias de ensino: Não à coisificação do aluno?”, de que transcrevo alguns passos, de uma oposição jamais ultrapassada, específica, aliás, dos condenados “velhos do Restelo” nacionais:
«… As modernas pedagogias, assentes como pilares sobre o mundo da afectividade da criança, privilegiam o que nela há de subjectivo, de espontâneo, de criativo, procurando o lúdico como estratégia constante, sem objectivo nem grandeza, por não terem em conta a sua capacidade intelectual, esquecidas de que os estudos posteriores exigirão um tipo de participação mais racional e mais sério, a que elas não foram habituadas à partida.
«...Penso que, ao desejarmos que as crianças desenvolvam a sua criatividade, tirando do nada ou das suas manipulações as suas produções mais ou menos originais, escamoteamos o papel formativo da escola, que não deve só valorizar a diversão, o ensinar brincando, mas deve ensinar o aluno a respeitar aquilo que aprende, que outros construíram ou desenvolveram e que, como ser racional que é, deve procurar obter também. ….»

CRIANÇAS        A Escola morreu. Viva a Escola
EDUARDO SÁ
 OBSERVADOR 19/11/2018,
Todas as escolas deviam ser uma “república das crianças” onde o professor tivesse presente que, sempre que uma criança conhece, faz três perguntas: “o que é isto?”; “porquê?” e “para que é que serve?"
A escola que temos — que foi a invenção (lindíssima!) com que o Homem democratizou o mundo e o tornou mais amável e mais humano –, ao fim de mais de 100 anos… morreu! Como terão morrido alguns dos pressupostos com que, hoje, ela ainda funciona. Tais como aquele que a leva a pressupor que todas as crianças, mal entram na escola, aprendem “do zero”, da mesma forma e à mesma velocidade. Como terá morrido – felizmente! – o equívoco que, não há muito, assolou a escola que fez com que, a determinado momento, ela parecesse querer transformar-se numa espécie de “linha de montagem” de “jovens tecnocratas de sucesso”, como se a escola, em vez de aproveitar as singularidades e de as matizar com pluralidade, servisse mais para excluir do que para incluir. Como estará, também, a morrer a ideia de que será com as novas tecnologias que se reinventa a escola, mesmo que ela tenha, ainda, “vícios de forma” que vêm do século XIX, uma ideia de professor que, por vezes, ficou no século XX, alunos do século XXI e desafios para o próximo século que parecem nem sempre caber nas respostas que ela fornece. E terá morrido — felizmente — a ideia de que a escola se constrói de cima para baixo e de fora para dentro, ou sem os professores e sem os pais.
A escola pode ser mais bonita, mais aconchegante e mais acolhedora! Pode ser séria e exigente, mas amiga do entusiasmo e divertida. Pode ser uma escola comprometida com a troca de ideias, mais centrada na sabedoria com que as crianças lá chegam e mais empenhada com a utilidade e a versatilidade dos conhecimentos com que de lá saem. E pode ser mais atenta ao seu corpo, à sua imaginação prodigiosa, à sensibilidade com que interpretam e à forma como intuem antes, ainda, de perceberem.
A escola vai ter de se reinventar: dos tempos de escola aos manuais escolares. Do modo como avalia aos métodos com que ensina e dá a conhecer. Da forma como prepara para a vida e como transforma em instrumentos úteis as pequenas coisas, aparentemente insignificantes, que se aprendem todos os dias, quase sem querer.
A escola pode ser mais bonita. E é por isso que estamos tão determinados em transformá-la. Com boas ideias, com novas formas de a vivermos e com pequenos projetos que impliquem os pais e a escola numa parceria de pessoas que se confiem à construção de crianças sábias, humildes, com garra e com paixão, mas que sejam, sobretudo, pessoas melhores. É por isso que ansiamos por uma escola que escute; mais atenta aos interesses das crianças, desde o recreio à sala de aulas. E que as ajude a pensar, a discorrer e a escolher. E é, ainda, por isso que trabalhamos para que as crianças se tornem mais comprometidas, melhor educadas e mais civilizadas. Mais implicadas com o mundo à sua volta e mais solidárias. E mais convictas na forma como, todas juntas, conquistarão para a escola, todos os dias, um rosto mais humano.
É por isso que todos nós acreditamos que com a Escola Amiga da Criança se iniciou uma “revolução tranquila” que, com a ajuda de todos, mudará a escola e transformará a educação. Com os pais, reclamando para si o desafio de se ligarem à escola para que ela se ligue, mais e melhor, a tudo aquilo que leve a que os seus filhos cresçam melhor. E com todos os professores, como pessoas preciosas que vão de estranhos ou desconhecidos a pessoas insubstituíveis e da família, no espaço de alguns meses. Todos juntos, a construir uma escola onde conhecimento e humanidade se entrelacem mais e mais, todos os dias.
As crianças amam a escola! Mas a escola não tem amado as crianças. E deve-lhes isso; com urgência! A escola, todas as escolas, deviam ser uma “república das crianças”. Onde, considerando a escola, as crianças sejam o principal e os professores o indispensável. E onde cada professor não perca de vista que, sempre que uma criança conhece, ela faz três perguntas: “o que é isto?”; “porquê??” e  “para que é que serve???”. E sobre tudo aquilo que ela aprenda é suposto que uma criança pense, discorra, fale e empreenda. É por isso que a escola tem de incentivar a singularidade, animar a diversidade e  acolher a parceria. E, já agora, tem de prescindir dos alunos que se “matam” a estudar e acarinhar aqueles que passeiam os livros e se passeiam nos livros. Sem nunca perder de vista que aprender é esperar. Mas, muito mais que esperar é, também, escutar, perguntar, duvidar e exigir.
As crianças gostam que a escola goste delas. E nós gostamos que elas “fujam” para a escola! É por isso qu as crianças agradecem a todos os pais e a todas as escolas que aceitaram juntar-se a este projeto que trabalhar para tornar a escola num laboratório da liberdade, uma  oficina da justiça, um ginásio da diversidade, um “refeitório” para a inclusão e no recreio da sabedoria.
E ficarão, sobretudo, muito reconhecidas se, na segunda edição da Escola Amiga da Criança, fizerem parte daqueles que sonham e trabalham por uma escola que ligue família, educação e mundo como uma ponte, irrequieta, para o futuro.
No âmbito do Dia Internacional dos Direitos das Crianças e do Lançamento da 2ª Edição do Projecto Escola Amiga da Criança

COMENTÁRIOS:
Maria Augusta Martins: Estou a imaginar um aluno filho por exemplo dum/a PSP ou GNR, apresentar-se na aula com a "Glock" do pai ou da mãe, (não estou a brincar isso passou-se há anos na escola onde andei), Gostava de saber como esse sr prof.dr, pedagogo descalçava a bota? obviamente sem grande escândalo.
victor guerra: Sempre tão suave este Sá, não fosse a realidade passar lá fora. Eu vejo uma escola com quadro interactivo e crianças com "tablets", sem livros, nem mochilas. Já existem alguns exemplos, mesmo neste atrasado país. Mas, a verdade é que professores e alunos e vêem-na como trabalho e chato, não fora a convivência, muito comandada pelas "ovelhas negras" que proliferam
Eu Mesmo: A banda sonora disto devia ser a "pedra filosofal" do Manuel Freire, o tempo Maio de 68 e o uniforme calças de boca de sino. 
O modelo Rousseauista está moribundo, na prática só produz egocêntricos disfarçados de "humanistas", revoltados profissionais e pessoas incapazes de lidar com as frustrações da vida.  Por favor, parem de estar sempre a tocar o mesmo disco e olhem a realidade, o sonho não comanda a vida, a vida comanda a vida.
Evangelista Miranda Miranda: Os últimos 73 anos de vida no Ocidente foram um logro. Não que os que viveram a segunda guerra mundial não estivessem bem intencionados, e tivessem trabalhado por causas nobres a favor da paz. Mas a paz não se constrói com preguiça e desleixo, que caracterizou as gerações, filhas dos originais fundadores das instituições, que tinham em vista perpetuar a paz e o bem-estar, especialmente no mundo Ocidental. Acontece ainda, que por via disso, e porque o mundo ficou mais pequeno, os povos Orientais iriam aproveitar as oportunidades e, levar por diante conquistas já esquecidas pelo Ocidente, como seja o valor e a importância do Trabalho. Diríamos portanto, que o mal da Escola foi esquecer muito do que vinha do século XIX e, embora a funcionar no século XX, foi ignorado e desprezado nas últimas décadas, colocando as populações a saberem dizer tudo, sem saberem fazer nada. Portanto: esta retórica aqui expressa pelo seu autor, é a resposta aos erros e omissões praticados na Escola no Ocidente, onde Portugal pontua sempre, para imitar os erros que vêm de fora: ampliando-os.
Audio Vac: Chorrilho de asneiras e de baboseiras. Precisamente  porque as crianças não aprendem todas à mesma velocidade, é que é preciso disciplina: caso contrário haverá sempre algumas que não acompanham e ficam para trás. E uma escola que seja uma "república" ou um "laboratório", significa não apenas desperdiçar milhares de anos de saber acumulado em matéria de ensino e de psicologia infantil, como começar cada dia a partir do zero!!! Além disso a família não deve interferir na escola, porque é precisamente a separação dos dois mundos que cria um ambiente propício ao ensino, em vez de permitir a invasão do espaço de aprendizagem pelas relações de poder e de manipulação típicas (ou atípicas) de qualquer família. O ensino deve ser uma ponte não "irrequieta", mas o mais segura possível para o futuro, sob perigo de deixar uns quantos pelo caminho...
Tiago Ramalhais > Audio Vac: "caso contrário haverá sempre algumas que não acompanham e ficam para trás." ... e qual é o problema? os tugas têm é que perder a mania de olhar para o "ficar para trás" como um estigma de burrice ou como uma machadada fatal nas aspirações profissionais e pessoais das crianças, se há coisa que aprendi nesta vida é que tudo tem o seu tempo e todas as pessoas são diferentes e não é por uma criança chumbar 1 ou 2 vezes que é mais burra do que as outras ou que terá o seu futuro hipotecado, tive contacto com centenas de profissionais do meu ramo e conheci várias que chumbaram e são excelentes profissionais e várias com um percurso académico impecável que são umas bestas burras. O problema aqui é olhar para os chumbos e as más notas como algo fatídico em vez de se perceber qual a razão dos problemas e resolver sem atulhar a criança em TPC's e horas de estudo pouco produtivas que só servem para que estas desmotivem e que ganhem ódio à escola.
Audio Vac > Tiago Ramalhais  Folgo em saber que apesar de você ter chumbado 1 ou 2 vezes conseguiu superar o estigma e até conseguiu encontrar outras pessoas como você no seu meio profissional. É pena não ter superado o ódio aos bons alunos. Todavia o problema não é "você", mas sim os muitos milhares de crianças que abandonam a escola e que se tornam adultos dependentes e sem qualificações. O que não quer dizer que não haja entre eles pessoas com diplomas. Por isso mesmo é que a escola deve ser exigente.
Sois Trumpa: A ESCOLA NÃO MORREU, EXISTE E EXISTIRÁ E DEVE SERVIR TODA A COMUNIDADE seja de DIA ou  NOITE e onde for possível, o resto que se oferece é LIXO BIDERBERGUIANO E ZUCKERBERGUIANO. A Escola não morreu, está apenas em estado letárgico, deixa vir ou surgir algumas tecnologias mais modernas e poderosas e vais ver onde vai parar 80% da ESCOLA que conheceste.

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