terça-feira, 20 de novembro de 2018

A QUESTÃO DAS GALINHAS



Chegou ontem por email, antes do programa “da Fátima Campos Ferreira, Prós e Contras” que ontem recebeu o título de “Cultura ou Tortura”, e onde tudo se passou com a facúndia irada ou irónica dos respectivos oponentes, os do pró considerando o carácter cultural do espectáculo, e até, para apoio desse raciocínio, reivindicando a distinção de “património cultural da humanidade”, que seria muito frutuoso cá para a nossa Península Ibérica, com as suas ligações fortes a touradas, como um dos convidados demonstrou com um mapa só de Portugal, todavia, em tons vermelhos de diversas tonalidades, consoante a densidade taurina dessas ligações afectivas.
Tudo isso foi erguido por conta da questão de não redução do IVA, imposta pelo nosso sensível PM, avesso a essa tourada, redução que outros espectáculos mais favorecidos têm, mas os do contra falaram ainda em tortura dos touros, tanto na ida para o campo, como na retirada dos ferros a frio, do corpo dos nobres animais lidados, antes do abate final deslustroso em matadoiro, o qual não temos coragem de fazer em campo, como os nossos aguerridos e mais misericordiosos irmãos peninsulares, que têm o abate do touro em campo como ponto espectacular e eutanásico de honra nas suas touradas
O texto por email, de Salles da Fonseca, é, naturalmente, irónico, contra os que repudiam o espectáculo, segundo o seu parecer, por hipocrisia, indiferentes que são à carnificina que cometemos todos os omnívoros em prol dos nossos estômagos - tal como, aliás, se passa na selva, a cada passo o verificamos nos espectáculos poderosos da National Geographic, o que nos leva ao problema da carnificina como norma terráquea específica, e não só da Humanidade.
De resto já a nossa Sophia o dissera no seu poema das pessoas sensíveis, com que remato o meu comentário, antes de registar o de Salles da Fonseca, do seu modo facecioso e sem papas na língua:

O Poema
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
Porque cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão"

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)

DAS TOIRADAS
Segunda, 19/11
sallesfonseca@sapo.pt
Eu sou trasmontano ou beirão e abomino a barbárie das touradas. Prefiro a matança do porco e ver-lhe escorrer o sangue enquanto ele chia...
Eu sou algarvio ou estremenho e abomino a barbárie das touradas. Prefiro cozer lagostas ou percebes vivos...
Eu sou minhoto ou duriense e abomino a barbárie das touradas. Prefiro cortar o pescoço às galinhas para aproveitar o sangue para a cabidela...
Eu sou pescador das Caxinas ou de Peniche ou de Olhão e abomino a barbárie das touradas. Prefiro congelar sardinhas e douradas vivas, para ficarem mais fresquinhas...
Eu sou um lisboeta ou portuense moderno, e abomino a barbárie das touradas. O que eu gosto mesmo é de sushi de atum, electrocutado pelos civilizados japoneses...


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