Foram os que a crónica de João
Miguel Tavares de 27/10 provocou. Deixei-me embalar pelo gosto de conhecer diversos
pontos de vista provavelmente síntese de leituras, e transcrevo muitos desses
comentários que ajudam a percepcionar ângulos diversos de análise política.
Como afirma o primeiro comentador, Gustavo
Faria, o artigo de JMT é vago, mas este contesta apenas uma outra afirmação
vaga, de Pedro Marques Lopes, e
inexacta, como defende, citando exemplos. Mas dos seus contestatários – a maioria
de esquerda, entre os quais Gustavo Faria,
nenhum contesta a sua afirmação, tímida embora, a respeito do “Estado Novo” que “resolveu vários problemas à população nos anos 30”, segundo
Tavares. Todos os comentadores revelam conhecimentos latos do capítulo
universal, para atacar ou defender JMT, mas desprezam o tal Estado Novo, que aquele também mal se
atreveu a focar, só lhe apontando efeitos positivos nos anos 30, tristemente
ingrato. Devíamos ler melhor a nossa História, e não olharmos só para as
realizações dos outros, e sobretudo termos a hombridade de nos criticarmos como
povo desmazelado, sem interesses intelectuais e morais de monta, como se
verifica no paralelo com outros povos mais dinâmicos e civilizados, Salazar
sendo o cabeça de turco constante na responsabilidade pelos nossos desastres,
apenas porque pretendeu lançar ordem num país sem ela.
OPINIÃO
Jair Bolsonaro explicado aos democratas
Andar a proclamar diariamente a
nossa superioridade moral e intelectual em relação aos ignorantes que votam
Bolsonaro não é, com certeza, o caminho.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Outubro de 2018
A propósito da situação no
Brasil, Pedro Marques Lopes afirmou
no Eixo do Mal: “Nunca uma ditadura em
caso algum resolveu algum problema a uma população. Nem tirou da miséria, nem
deu melhores serviços de saúde, nem melhor educação. Nunca! Isso nunca
aconteceu!” Era
tão bonito que fosse verdade. Infelizmente, é mentira. Cuba proporcionou
excelentes serviços de saúde à sua população. O Chile de Pinochet teve uma
época de grande fulgor económico. A RDA e a URSS educavam o povo e eram
excelentes no desporto (como nunca mais foram após deixarem de ser ditaduras).
O Estado Novo resolveu vários problemas à população portuguesa nos anos 30. E a
China, que não é propriamente conhecida pelos seus pergaminhos democráticos, é
a maior potência mundial emergente.
A lista poderia continuar. Aquilo que as democracias liberais
efectivamente provaram, no longo prazo, é que a mistura da livre iniciativa com
mercado livre, regulado mas não controlado pelo Estado, com o apoio de uma
justiça eficaz e independente, e escoradas em todos os pesos e contrapesos que compõem
os melhores sistemas políticos, conseguem atingir um nível de riqueza e de
felicidade para as suas populações que não têm paralelo com qualquer outro
regime. Isso não significa, contudo, que as ditaduras não possam ser
pontualmente mais eficazes do que as democracias a resolver problemas
imediatos, ou que as democracias não percam terreno para as ditaduras quando se
mostram incapazes de garantir a segurança dos seus cidadãos e manter um módico
de justiça social.
Dinheiro no bolso e paz nas ruas – sempre que isto existe, as
democracias nada têm a temer; quando isto deixa de existir, não é o amor à
liberdade de expressão e à separação de poderes que vai impedir as pessoas de
se atirarem para os braços de um qualquer Bolsonaro, sobretudo quando elas têm
como argumento – em boa medida justo – que aquilo que existe já não é uma
democracia saudável e em pleno funcionamento, mas somente uma caricatura de
democracia, gravemente ferida na sua legitimidade. No filme À Bout de Souffle, Jean-Luc Godard põe na boca de Jean Seberg esta citação de William Faulkner: “Entre a
dor e o nada, eu prefiro a dor.” Parece masoquismo, mas muitas vezes é apenas a
necessidade desesperada de gritar que se está vivo. Entre a dor de um regime autocrático e ordeiro, e o nada de uma
democracia paralisada pela violência e pela corrupção, os brasileiros
preparam-se para escolhe a
dor.
Ainda
por cima, os novos regimes autocráticos não dispensam certas formalidades da
democracia, e por isso o seu combate torna-se ainda mais difícil. As palavras “ditadura” e “fascismo” devem
ser usadas com a consciência de que elas já não significam o mesmo que no
passado. Embora ninguém duvide que um Trump ou um Bolsonaro andariam de braço
estendido na Alemanha dos anos 30, nenhum deles propõe hoje a suspensão da
democracia, e até prometem o contrário: dar-lhe justo cumprimento,
restituir-lhe a pureza perdida, afastar as oligarquias que a estão a sufocar.
E as pessoas acreditam nisso, e agem de uma forma que quebra toda a lógica
da comunicação política pré-Trump – dão um desconto significativo às
barbaridades que são ditas pelo candidato e não acreditam que ele venha a
praticar metade das maldades que promete. Como enfrentar isto? Não é fácil. Mas andar a proclamar diariamente a
nossa superioridade moral e intelectual em relação aos ignorantes que votam
Bolsonaro não é, com certeza, o caminho.
Jornalista
COMENTÁRIOS em
várias cenas:
I – Em monólogo:
Gustavo
Garcia, 29.10.2018: Bom... O artigo não explica nada e, mais grave, faz
afirmações algo vagas e de justificação difícil em relação às ditaduras e aos
seus "benefícios". Mas se deixarmos isso de lado (embora apeteça
desmentir JMT) sobra a grande questão de qual é então o caminho para evitar
Bolsonaros... É que depois de deitar as culpas do seu surgimento para a
esquerda, JMT deverá procurar uma solução à direita. E como recentemente
defendeu Cristas como o novo farol da direita portuguesa deve achar que se
combate alguém como Bolsonaro com a abstenção. Deve ser isso...
Eme Rod,
Bruxelles 28.10.2018: Trump não
suspende a democracia e institui uma ditadura onde apenas ele e os seus decidem
e mandam porque não pode, porque a democracia americana tem os seus pesos e
contrapesos... se pudesse, onde já estariam os Estados Unidos hoje? É
certamente há mesmo lá muita gente que o seguiria e prontos a pôr uma ditadura
em prática... em nome da supremacia branca, da religião fundamentalista, da
desregulação do mercado, etc. E Bolsonaro e os seus filhinhos e companhia, farão
o mesmo se os deixarem. Veremos...
II –
Em diálogo:
1 - Tiago Vasconcelos /
Nuno Silva
Tiago
Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018: O Nuno Silva
continua implicitamente a acreditar que o Socialismo, se for tentado repetidas
vezes, um dia acabará por resultar. Daí acreditar que o Chile de Allende iria
prosperar, e não convergir para o mesmo destino da Venezuela de Chavez/Maduro.
Puro wishful thinking incapaz de aprender com a experiência... E a URSS só foi
a 2ª economia mundial em estatísticas extensamente maquilhadas pela propaganda.
TODAS as estatísticas da URSS para consumo externo eram adulteradas. Sabe qual
é o critério mais rigoroso para avaliar quais são os melhores países do mundo
para se viver? Não são aqueles que os intelectuais acham que são os melhores.
São aqueles para os migrantes querem ir. Tão simples como isso! E os migrantes
nunca querem ir para países socialistas. São aqueles para onde os migrantes
querem ir.
Nuno Silva,
28.10.2018: Tiago
Vasconcelos: Mas tu pagas a electricidade aos comunistas da China (EDP 5%
cliente + 95% outras comerciais), e nunca te ouvi queixar. Claro que a URSS
caiu porque não se actualizou (não fazia mesmo sentido todas as empresas
estatizadas, ao contrário da China, que já nos anos 70 tinham permitido a
propriedade de pequenas parcelas de terra, mas que não se sabia no ocidente...)
Tiago Vasconcelos: O Destino do Brasil com
o Bolsonaro é pior que a Venezuela. Será como as Honduras, governado há décadas
pela extrema-direita, e que esta semana os trumpistas erradamente criticaram
aquela caravana de emigrantes a fugir da fome...
Tiago
Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018: Nuno Silva, chamar a economia chinesa actual
de "comunista" é de uma miopia atroz. A economia da China moderna
está, por sinal, muito mais próxima de uma economia fascista: iniciativa
privada mas com controlo estatal sobre sectores chave da economia. Quanto aos
seus prognósticos sobre o futuro do Brasil, guarde-os para o fim do jogo... O
Brasil já teve uma ditadura militar e, durante esse período, deu-se aquilo que
se designa como o "milagre económico". Taxas de crescimento na ordem
dos 10 e 12%. Em 1980 o número de homicídios rondava os 10 mil por ano. Agora
ronda os 60 mil. As ditaduras sul-americanas podem estar longe de ser modelos
de governação exemplar. Mas algumas pavimentaram o terreno para o progresso
futuro. O Chile é um exemplo paradigmático disso.
2 - Maria Moreira / Tiago Vasconcelos
Maria Moreira,
28.10.2018:
Quando JMT cita, sem subterfúgios justificando assim uma escolha pela ditadura
e por Bolsonaro, exemplos de ditaduras que trouxeram coisas boas às pessoas,
cita predominantemente ditaduras de esquerda, claro, porque estas retiraram a
liberdade às pessoas em nome de um valor mais alto:+educação+ saúde=justiça
social e cumpriram em parte. Em relação ao Chile, o crescimento económico só
beneficiou os privilegiados, como é apanágio das ditaduras de direita, ao
contrário do crescimento económico de Allende que se pretendia para todos e
ameaçava os privilégios. No Brasil o q se passa é diferente. Eu sei o q é a
alta taxa de criminalidade, vivi-a, ela está indexada à pobreza. Sem sistemas
de apoio social, sem soluções, o crime dispara. Nenhum ser humano aceita
pacificamente morrer de fome (cont)
Como ninguém aceita morrer de fome e não há
soluções, a solução é o crime e na falta de horizontes há quem faça carreira.
Ao contrário da demagogia e fanfarronice de Bolsonaro, o PT sabe que a
integração dos pobres é lenta e os frutos não se colhem de imediato, pode ter
falhado na eficácia, mas a solução inenarrável de castrar os pobres e dizimar
os criminosos como Duterte é mais ineficaz e escabrosa, porque é a opulência
imoral e a falta de investimento social que fabrica a desigualdade e a pobreza,
assim atrás de uma fileira de pobres eliminada virá outra e assim
indefinidamente. O Brasil não teve paciência para a lentidão com que se
resolvem os problemas em Democracia e esqueceu-se que na ditadura existia não
só a pobreza e o crime comum mas o crime oficial do Estado(cont)
Em relação à corrupção, ela é endémica das
democracias jovens que ainda não se alicerçaram. Não é só o PT que é corrupto,
é todo o sistema político. A única coisa que se pode dizer de Bolsonaro é que
ainda não esteve em situação de ser corrompido. A ficha limpa foi criada pelo
PT. Os brasileiros estavam a fazer o caminho. A Democracia corrige-se com mais
Democracia e não com a perda de direitos e liberdades à maneira da China.
Bolsonaro, tal como Trump, não traz soluções, traz falsificações, ambos são
apenas a embalagem de interesses obscuros e não auditados. Os brasileiros não
tiveram paciência para a corrupção, o crime e o desemprego. Abriram a caixa de
Pandora para velhas e novas pestes. Em relação à educação é verdade q Portugal
pode servir de referência pq não perdemos (Cont)
em Portugal completamente, apesar da
massificação do ensino, os critérios de qualidade e exigência herdados de antes
do 25 de Abril, por isso está certo que Portugal seja tomado como referência em
matéria de educação, mas aquilo que os brasileiros estão a comprar de Portugal
em matéria de educação, embora pareça o mais adequado para a situação
brasileira, é aquilo que os professores portugueses já não compram porque já
deu provas de não resultar. Assim não admira que a educação brasileira não dê o
salto de que precisa. O mesmo acontece com outros países de língua portuguesa.
Em relação à situação política brasileira, deviam ter usado a sua pujança para
virar o nada ao contrário porque a dor é certa. Bolsonaro é mais estúpido que
Trump e este está a pôr o mundo em pantanas.
Tiago
Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018 : Maria, isso é conversa fiada. Durante a
ditadura militar o número de homicídios por ano era 6 vezes menor do que é actualmente
Se a alta taxa de criminalidade está
indexada à pobreza, então porque é que depois de mais de uma década de
políticas sociais activas por parte dos governos do PT, de crescimento
económico (que beneficiou mais o segmento dos mais pobres) há agora 6 vezes
mais homicídios do que em 1980? (tempo da ditadura militar)
Maria Moreira,
28.10.2018:
Tiago Vasconcelos: porque na falta de elevador social, a pobreza multiplica-se
exponencialmente, a educação é um problema grave no Brasil, a pobreza
intergeracional cresce a uma velocidade que não consegue ser contrariada pelas
políticas de integração, sobretudo num país sem estruturas e instituições
sólidas como o Brasil. Nós não temos crianças de rua, eles têm crianças quase
em estado selvagem, que abandonadas na rua, não conhecem outra forma de
sobrevivência que o estratagema. A solução da ditadura brasileira foram os
esquadrões da morte, que dizimavam estas crianças e os sem abrigo na rua,
enquanto dormiam indefesas, em bandos. Claro que os que sobrevivem fazem
carreira e escola de crime organizado, é a sua profissão, aquilo em q são bons
e a q dedicaram toda a vida. Isto responde.
3 -
Tiago / Tiago Vasconcelos
Tiago,
28.10.2018: Tiago,
não se aliviam séculos de extrema desigualdade em apenas uma década, ainda mais
num momento em que, muito devido à expansão da mídia e tecnologia, as
desigualdades ficaram ainda mais evidentes, o que aguçou a ganância social pela
prosperidade, num momento de crises ecológicas globais. O crime tem vindo a
explodir nas mãos do PT, que mal fez para o conter, mas já estava armado há
muito tempo. Monstruosas favelas já existiam antes do PT chegar ao poder. Acha,
realisticamente, que o imenso fosso social no Brasil se resolveria em apenas 12
anos? Nem com um pacto social entre todos os partidos e todos os recursos da
União, quanto mais com as constantes guerras e vendettas partidárias pelo poder
e os imensos desvios de verbas públicas por todo o bloco central, em que o PT
se especializou.
Tiago
Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018 :
Tiago, eu
não esperava que o PT acabasse com a criminalidade e com o número de
homicídios. Não pediria tanto. Mas esperava que a criminalidade DIMINUÍSSE
significativamente durante os anos em que o rendimento dos pobres cresceu
tanto. Mas não foi isso que aconteceu.
Tiago,
28.10.2018: Tiago,
o problema é muito complexo. O mundo ocidental vive uma onda de redução do
Estado em favor da privatização. Isso, por si só, já tem levado ao asfixiamento
de forças de segurança, até em Portugal, onde se manifestam. No Brasil, a
situação agrava-se pelos rancores do PT à ditadura e da natureza militar da
polícia que herdou. Falhou o diálogo. Por outro lado, para agravar, a
desigualdade que existia ficou bem mais aparente às classes mais pobres, pelo
exibicionismo narcisista da riqueza de muitos e que se promove activamente e
assiste nas mídias; TV, cinema e redes sociais. O crime mais violento hoje não
é por sobrevivência. É por ganância por luxos que não se conquistam numa
geração, mais ainda numa crise mundial e menos que se seja um gênio ou muito
corrupto, com poder nas mãos.
Tiago,
28.10.2018
: O PT falhou na segurança, acredito eu muito
pelo seu antagonismo com a Polícia Militar e muito pela falta de investimento
no seu reforço e modernização, provavelmente pelo mesmo antagonismo. Em
contrapartida, nas últimas décadas a sociedade moderna - global, não só no
Brasil - tornou-se muito mais hedonista, narcisista, materialista, ambiciosa -
gananciosa mesmo - e muito graças à promoção desses valores na politica, de
prosperidade, na cultura e na comunicação social. Foi a combinação perfeita
para o crime explodir. Governantes e o crime organizado cavalgaram a onda
liberal, desde o final da ditadura, e agora o circo está pegando fogo, enquanto
as forças de segurança são asfixiadas e alguns elementos acabam até se
corrompendo também. Caos institucionalizado. Esperar o quê? Milagre
IV – Um remate:
JLR,
Ílhavo 28.10.2018: Comentários muito pertinentes de Maria Moreira e de
Tiago, que tentam analisar com lucidez a(s) raiz(es) do problema, sem
superficialidade, sem clichés nem facciosismo. Do melhor que já li aqui.
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