quinta-feira, 1 de novembro de 2018

268 Comentários


Foram os que a crónica de João Miguel Tavares de 27/10 provocou. Deixei-me embalar pelo gosto de conhecer diversos pontos de vista provavelmente síntese de leituras, e transcrevo muitos desses comentários que ajudam a percepcionar ângulos diversos de análise política. Como afirma o primeiro comentador, Gustavo Faria, o artigo de JMT é vago, mas este contesta apenas uma outra afirmação vaga, de Pedro Marques Lopes, e inexacta, como defende, citando exemplos. Mas dos seus contestatários – a maioria de esquerda, entre os quais Gustavo Faria, nenhum contesta a sua afirmação, tímida embora, a respeito do “Estado Novo” que “resolveu vários problemas à população nos anos 30”, segundo Tavares. Todos os comentadores revelam conhecimentos latos do capítulo universal, para atacar ou defender JMT, mas desprezam o tal Estado Novo, que aquele também mal se atreveu a focar, só lhe apontando efeitos positivos nos anos 30, tristemente ingrato. Devíamos ler melhor a nossa História, e não olharmos só para as realizações dos outros, e sobretudo termos a hombridade de nos criticarmos como povo desmazelado, sem interesses intelectuais e morais de monta, como se verifica no paralelo com outros povos mais dinâmicos e civilizados, Salazar sendo o cabeça de turco constante na responsabilidade pelos nossos desastres, apenas porque pretendeu lançar ordem num país sem ela.
OPINIÃO
Jair Bolsonaro explicado aos democratas
Andar a proclamar diariamente a nossa superioridade moral e intelectual em relação aos ignorantes que votam Bolsonaro não é, com certeza, o caminho.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 27 de Outubro de 2018
A propósito da situação no Brasil, Pedro Marques Lopes afirmou no Eixo do Mal: “Nunca uma ditadura em caso algum resolveu algum problema a uma população. Nem tirou da miséria, nem deu melhores serviços de saúde, nem melhor educação. Nunca! Isso nunca aconteceu!” Era tão bonito que fosse verdade. Infelizmente, é mentira. Cuba proporcionou excelentes serviços de saúde à sua população. O Chile de Pinochet teve uma época de grande fulgor económico. A RDA e a URSS educavam o povo e eram excelentes no desporto (como nunca mais foram após deixarem de ser ditaduras). O Estado Novo resolveu vários problemas à população portuguesa nos anos 30. E a China, que não é propriamente conhecida pelos seus pergaminhos democráticos, é a maior potência mundial emergente.
A lista poderia continuar. Aquilo que as democracias liberais efectivamente provaram, no longo prazo, é que a mistura da livre iniciativa com mercado livre, regulado mas não controlado pelo Estado, com o apoio de uma justiça eficaz e independente, e escoradas em todos os pesos e contrapesos que compõem os melhores sistemas políticos, conseguem atingir um nível de riqueza e de felicidade para as suas populações que não têm paralelo com qualquer outro regime. Isso não significa, contudo, que as ditaduras não possam ser pontualmente mais eficazes do que as democracias a resolver problemas imediatos, ou que as democracias não percam terreno para as ditaduras quando se mostram incapazes de garantir a segurança dos seus cidadãos e manter um módico de justiça social.  
Dinheiro no bolso e paz nas ruas – sempre que isto existe, as democracias nada têm a temer; quando isto deixa de existir, não é o amor à liberdade de expressão e à separação de poderes que vai impedir as pessoas de se atirarem para os braços de um qualquer Bolsonaro, sobretudo quando elas têm como argumento – em boa medida justo – que aquilo que existe já não é uma democracia saudável e em pleno funcionamento, mas somente uma caricatura de democracia, gravemente ferida na sua legitimidade. No filme À Bout de Souffle, Jean-Luc Godard põe na boca de Jean Seberg esta citação de William Faulkner: “Entre a dor e o nada, eu prefiro a dor.” Parece masoquismo, mas muitas vezes é apenas a necessidade desesperada de gritar que se está vivo. Entre a dor de um regime autocrático e ordeiro, e o nada de uma democracia paralisada pela violência e pela corrupção, os brasileiros preparam-se para escolhe a dor.
Ainda por cima, os novos regimes autocráticos não dispensam certas formalidades da democracia, e por isso o seu combate torna-se ainda mais difícil. As palavras “ditadura” e “fascismo” devem ser usadas com a consciência de que elas já não significam o mesmo que no passado. Embora ninguém duvide que um Trump ou um Bolsonaro andariam de braço estendido na Alemanha dos anos 30, nenhum deles propõe hoje a suspensão da democracia, e até prometem o contrário: dar-lhe justo cumprimento, restituir-lhe a pureza perdida, afastar as oligarquias que a estão a sufocar. E as pessoas acreditam nisso, e agem de uma forma que quebra toda a lógica da comunicação política pré-Trump – dão um desconto significativo às barbaridades que são ditas pelo candidato e não acreditam que ele venha a praticar metade das maldades que promete. Como enfrentar isto? Não é fácil. Mas andar a proclamar diariamente a nossa superioridade moral e intelectual em relação aos ignorantes que votam Bolsonaro não é, com certeza, o caminho.
Jornalista
COMENTÁRIOS em várias cenas:

I – Em monólogo:
Gustavo Garcia, 29.10.2018: Bom... O artigo não explica nada e, mais grave, faz afirmações algo vagas e de justificação difícil em relação às ditaduras e aos seus "benefícios". Mas se deixarmos isso de lado (embora apeteça desmentir JMT) sobra a grande questão de qual é então o caminho para evitar Bolsonaros... É que depois de deitar as culpas do seu surgimento para a esquerda, JMT deverá procurar uma solução à direita. E como recentemente defendeu Cristas como o novo farol da direita portuguesa deve achar que se combate alguém como Bolsonaro com a abstenção. Deve ser isso...
Eme Rod, Bruxelles 28.10.2018: Trump não suspende a democracia e institui uma ditadura onde apenas ele e os seus decidem e mandam porque não pode, porque a democracia americana tem os seus pesos e contrapesos... se pudesse, onde já estariam os Estados Unidos hoje? É certamente há mesmo lá muita gente que o seguiria e prontos a pôr uma ditadura em prática... em nome da supremacia branca, da religião fundamentalista, da desregulação do mercado, etc. E Bolsonaro e os seus filhinhos e companhia, farão o mesmo se os deixarem. Veremos...
II –  Em diálogo:
1 - Tiago Vasconcelos / Nuno Silva
Tiago Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018: O Nuno Silva continua implicitamente a acreditar que o Socialismo, se for tentado repetidas vezes, um dia acabará por resultar. Daí acreditar que o Chile de Allende iria prosperar, e não convergir para o mesmo destino da Venezuela de Chavez/Maduro. Puro wishful thinking incapaz de aprender com a experiência... E a URSS só foi a 2ª economia mundial em estatísticas extensamente maquilhadas pela propaganda. TODAS as estatísticas da URSS para consumo externo eram adulteradas. Sabe qual é o critério mais rigoroso para avaliar quais são os melhores países do mundo para se viver? Não são aqueles que os intelectuais acham que são os melhores. São aqueles para os migrantes querem ir. Tão simples como isso! E os migrantes nunca querem ir para países socialistas. São aqueles para onde os migrantes querem ir.
Nuno Silva, 28.10.2018: Tiago Vasconcelos: Mas tu pagas a electricidade aos comunistas da China (EDP 5% cliente + 95% outras comerciais), e nunca te ouvi queixar. Claro que a URSS caiu porque não se actualizou (não fazia mesmo sentido todas as empresas estatizadas, ao contrário da China, que já nos anos 70 tinham permitido a propriedade de pequenas parcelas de terra, mas que não se sabia no ocidente...)
Tiago Vasconcelos: O Destino do Brasil com o Bolsonaro é pior que a Venezuela. Será como as Honduras, governado há décadas pela extrema-direita, e que esta semana os trumpistas erradamente criticaram aquela caravana de emigrantes a fugir da fome...
Tiago Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018: Nuno Silva, chamar a economia chinesa actual de "comunista" é de uma miopia atroz. A economia da China moderna está, por sinal, muito mais próxima de uma economia fascista: iniciativa privada mas com controlo estatal sobre sectores chave da economia. Quanto aos seus prognósticos sobre o futuro do Brasil, guarde-os para o fim do jogo... O Brasil já teve uma ditadura militar e, durante esse período, deu-se aquilo que se designa como o "milagre económico". Taxas de crescimento na ordem dos 10 e 12%. Em 1980 o número de homicídios rondava os 10 mil por ano. Agora ronda os 60 mil. As ditaduras sul-americanas podem estar longe de ser modelos de governação exemplar. Mas algumas pavimentaram o terreno para o progresso futuro. O Chile é um exemplo paradigmático disso.
2 -  Maria Moreira / Tiago Vasconcelos
Maria Moreira, 28.10.2018: Quando JMT cita, sem subterfúgios justificando assim uma escolha pela ditadura e por Bolsonaro, exemplos de ditaduras que trouxeram coisas boas às pessoas, cita predominantemente ditaduras de esquerda, claro, porque estas retiraram a liberdade às pessoas em nome de um valor mais alto:+educação+ saúde=justiça social e cumpriram em parte. Em relação ao Chile, o crescimento económico só beneficiou os privilegiados, como é apanágio das ditaduras de direita, ao contrário do crescimento económico de Allende que se pretendia para todos e ameaçava os privilégios. No Brasil o q se passa é diferente. Eu sei o q é a alta taxa de criminalidade, vivi-a, ela está indexada à pobreza. Sem sistemas de apoio social, sem soluções, o crime dispara. Nenhum ser humano aceita pacificamente morrer de fome (cont)
Como ninguém aceita morrer de fome e não há soluções, a solução é o crime e na falta de horizontes há quem faça carreira. Ao contrário da demagogia e fanfarronice de Bolsonaro, o PT sabe que a integração dos pobres é lenta e os frutos não se colhem de imediato, pode ter falhado na eficácia, mas a solução inenarrável de castrar os pobres e dizimar os criminosos como Duterte é mais ineficaz e escabrosa, porque é a opulência imoral e a falta de investimento social que fabrica a desigualdade e a pobreza, assim atrás de uma fileira de pobres eliminada virá outra e assim indefinidamente. O Brasil não teve paciência para a lentidão com que se resolvem os problemas em Democracia e esqueceu-se que na ditadura existia não só a pobreza e o crime comum mas o crime oficial do Estado(cont)
Em relação à corrupção, ela é endémica das democracias jovens que ainda não se alicerçaram. Não é só o PT que é corrupto, é todo o sistema político. A única coisa que se pode dizer de Bolsonaro é que ainda não esteve em situação de ser corrompido. A ficha limpa foi criada pelo PT. Os brasileiros estavam a fazer o caminho. A Democracia corrige-se com mais Democracia e não com a perda de direitos e liberdades à maneira da China. Bolsonaro, tal como Trump, não traz soluções, traz falsificações, ambos são apenas a embalagem de interesses obscuros e não auditados. Os brasileiros não tiveram paciência para a corrupção, o crime e o desemprego. Abriram a caixa de Pandora para velhas e novas pestes. Em relação à educação é verdade q Portugal pode servir de referência pq não perdemos (Cont)
em Portugal completamente, apesar da massificação do ensino, os critérios de qualidade e exigência herdados de antes do 25 de Abril, por isso está certo que Portugal seja tomado como referência em matéria de educação, mas aquilo que os brasileiros estão a comprar de Portugal em matéria de educação, embora pareça o mais adequado para a situação brasileira, é aquilo que os professores portugueses já não compram porque já deu provas de não resultar. Assim não admira que a educação brasileira não dê o salto de que precisa. O mesmo acontece com outros países de língua portuguesa. Em relação à situação política brasileira, deviam ter usado a sua pujança para virar o nada ao contrário porque a dor é certa. Bolsonaro é mais estúpido que Trump e este está a pôr o mundo em pantanas.
Tiago Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018 : Maria, isso é conversa fiada. Durante a ditadura militar o número de homicídios por ano era 6 vezes menor do que é actualmente
Se a alta taxa de criminalidade está indexada à pobreza, então porque é que depois de mais de uma década de políticas sociais activas por parte dos governos do PT, de crescimento económico (que beneficiou mais o segmento dos mais pobres) há agora 6 vezes mais homicídios do que em 1980? (tempo da ditadura militar)
Maria Moreira, 28.10.2018: Tiago Vasconcelos: porque na falta de elevador social, a pobreza multiplica-se exponencialmente, a educação é um problema grave no Brasil, a pobreza intergeracional cresce a uma velocidade que não consegue ser contrariada pelas políticas de integração, sobretudo num país sem estruturas e instituições sólidas como o Brasil. Nós não temos crianças de rua, eles têm crianças quase em estado selvagem, que abandonadas na rua, não conhecem outra forma de sobrevivência que o estratagema. A solução da ditadura brasileira foram os esquadrões da morte, que dizimavam estas crianças e os sem abrigo na rua, enquanto dormiam indefesas, em bandos. Claro que os que sobrevivem fazem carreira e escola de crime organizado, é a sua profissão, aquilo em q são bons e a q dedicaram toda a vida. Isto responde.
3 - Tiago / Tiago Vasconcelos
Tiago, 28.10.2018: Tiago, não se aliviam séculos de extrema desigualdade em apenas uma década, ainda mais num momento em que, muito devido à expansão da mídia e tecnologia, as desigualdades ficaram ainda mais evidentes, o que aguçou a ganância social pela prosperidade, num momento de crises ecológicas globais. O crime tem vindo a explodir nas mãos do PT, que mal fez para o conter, mas já estava armado há muito tempo. Monstruosas favelas já existiam antes do PT chegar ao poder. Acha, realisticamente, que o imenso fosso social no Brasil se resolveria em apenas 12 anos? Nem com um pacto social entre todos os partidos e todos os recursos da União, quanto mais com as constantes guerras e vendettas partidárias pelo poder e os imensos desvios de verbas públicas por todo o bloco central, em que o PT se especializou.
Tiago Vasconcelos, Amsterdam28.10.2018 : Tiago, eu não esperava que o PT acabasse com a criminalidade e com o número de homicídios. Não pediria tanto. Mas esperava que a criminalidade DIMINUÍSSE significativamente durante os anos em que o rendimento dos pobres cresceu tanto. Mas não foi isso que aconteceu.
Tiago, 28.10.2018: Tiago, o problema é muito complexo. O mundo ocidental vive uma onda de redução do Estado em favor da privatização. Isso, por si só, já tem levado ao asfixiamento de forças de segurança, até em Portugal, onde se manifestam. No Brasil, a situação agrava-se pelos rancores do PT à ditadura e da natureza militar da polícia que herdou. Falhou o diálogo. Por outro lado, para agravar, a desigualdade que existia ficou bem mais aparente às classes mais pobres, pelo exibicionismo narcisista da riqueza de muitos e que se promove activamente e assiste nas mídias; TV, cinema e redes sociais. O crime mais violento hoje não é por sobrevivência. É por ganância por luxos que não se conquistam numa geração, mais ainda numa crise mundial e menos que se seja um gênio ou muito corrupto, com poder nas mãos.
Tiago, 28.10.2018 : O PT falhou na segurança, acredito eu muito pelo seu antagonismo com a Polícia Militar e muito pela falta de investimento no seu reforço e modernização, provavelmente pelo mesmo antagonismo. Em contrapartida, nas últimas décadas a sociedade moderna - global, não só no Brasil - tornou-se muito mais hedonista, narcisista, materialista, ambiciosa - gananciosa mesmo - e muito graças à promoção desses valores na politica, de prosperidade, na cultura e na comunicação social. Foi a combinação perfeita para o crime explodir. Governantes e o crime organizado cavalgaram a onda liberal, desde o final da ditadura, e agora o circo está pegando fogo, enquanto as forças de segurança são asfixiadas e alguns elementos acabam até se corrompendo também. Caos institucionalizado. Esperar o quê? Milagre
IV – Um remate:
JLR, Ílhavo 28.10.2018: Comentários muito pertinentes de Maria Moreira e de Tiago, que tentam analisar com lucidez a(s) raiz(es) do problema, sem superficialidade, sem clichés nem facciosismo. Do melhor que já li aqui.

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