Mais um texto recebido por
email, de Salles da Fonseca. Enxuto,
saboroso, verdadeiro, corajoso, honesto. Não resisto a transcrevê-lo no meu blog.
Henrique
Salles da Fonseca
A BEM DA
NAÇÃO, 2.11.18
FALA MOLE OU MAIS
DO MESMO
Foi num cenário de exigência de
igualdade, de construção duma sociedade sem classes, de reforma agrária, invasão
de terras, de latifundiários em fuga ou resignando de vastas áreas e de uma
geração de jovens que se consideravam na sombra social mas que agora estavam
dispostos a conquistar um lugar ao Sol, que os revolucionários perceberam que
podiam levar por diante a sua obsessão de implantação do comunismo. Tinham à
disposição jovens universitários ávidos da motivação que lhes proporcionaria a
justiça social. Todos, em idades propícias à absorção de emoções e de grande
inocência perante a «lavagem ao cérebro» que lhes era feita por marxistas
«plantados a dedo» nas Associações de Estudantes das Universidades. O método
foi o de não transmitir argumentação crítica mas sim pensamentos emotivos
baseados em ideias simples e dogmáticas, essência do fanatismo.
Mas, afinal, os inocentes sabiam ler e não pertenciam a outra
classe que não a da burguesia. Pequena, talvez, mas burguesia e não
proletariado. E mesmo que tivessem origens proletárias, as suas ambições
íntimas eram burguesas.
O desencanto foi o destino
quando viram os seus ideais de liberdade e glória social atraiçoados pela
realidade da ditadura do proletariado, pelas decisões «unânimes» dos Comités
Centrais, pela vigilância dos controleiros, enfim, por algo que nada – mas
absolutamente nada – tinha a ver com democracia.
E esse continua a ser o erro da esquerda dogmática, o de julgar
que lida com proletários quando, na realidade, lida com burgueses que não se
deixam manipular como boçais que efectivamente não são.
E onde encontrar essas massas
proletárias ávidas da liberdade propagandeada quando a indústria foi
desmantelada pelas exigências absurdas desses dogmáticos que entretanto regem a
gerontocracia em que se deixaram cair? Esse é o vazio perante o qual os velhos
esbarram e só não se desmobilizam porque não conhecem outra doutrina que não a
da cartilha soviética. Para esses, é tardia a mudança e só o dogmatismo lhes
sustém um pouco o desespero porque se pudessem pensar por si próprios, há muito
que também eles para lá teriam resvalado de corpo inteiro.
Pois é, o século XXI ocidental
não tem o dogma como paradigma e, pelo contrário, a sua juventude puxa pela
cabeça ao enfrentar a invasão de outras civilizações – essas, sim, dogmáticas –
para sobreviver mantendo os Valores da liberdade democrática e algum bem comum.
O desencanto da geração que nasceu nos anos 50 não foi suficiente
para prevenir o embate civilizacional neste início do séc. XXI deixando a
liderança a Partidos amolecidos que terão uma séria responsabilidade no que de
mal nos acontecerá depois de todos estes desencantos se somarem. Mais do que
uma sociedade acomodada, os invasores encontram uma sociedade liderada
maioritariamente por Partidos contentes com a suavidade do politicamente correcto que construíram; todos liberais
só divergindo nas congregações mais ou menos conhecidas, mais ou menos secretas
em que os seus membros se integram, todos empenhados na divisão do bolo sem que
o eleitor se aperceba claramente do que lhe sonegam.
Mas há sempre um limite pois não se pode enganar toda a gente
durante todo o tempo.
E, das duas, uma: ou nos resta navegar de desencanto dogmático em
desencanto de moleza se não tivermos a força das convicções profundas da
liberdade democrática como a temos entendido no Ocidente desde a segunda guerra
mundial ou então, resta-nos seguir a sugestão
de Karl Popper que é, na consumação do desespero global, irmos todos
para o Inferno.
Contudo, há mais um «mas» que é
o de não nos deixarmos manipular nem nos deixarmos amolecer. E isso pode ser muito mau
para quem nos tem manipulado e amolecido sob o título da governança pacífica e
da continuidade dessa mesma governança. Pacífica ou podre? Eis a questão.
Questão que horroriza a
diplomacia do croquete perante quem fala grosso, mesmo que do nosso lado e
tenha sotaque de Manhattan. Mais do que o conteúdo do discurso, o que mais
horroriza a diplomacia cor-de-rosa é o tom. O que não isenta o Fulano de uma
certa boçalidade. Mas não será o tempo de se usar um pouco dela perante a
invasão sunita da Europa?
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