Dos vários seres, animados e inanimados, numa natureza extraordinariamente animada.
Seis razões para a destruição provocada
pela tempestade Daniel na Líbia
Os solos muito secos não conseguiram
reter tanta chuva e as infraestruturas não estavam preparadas para a força das
águas. Do fenómeno natural aos conflitos armados, tudo contribuiu para o
desastre.
OBSERVADOR, 13
set. 2023, 16:07 1
As inundações na cidade de Derna, na
Líbia, era um desastre à espera de acontecer. Um
investigador do país tinha alertado para os riscos num artigo científico
publicado em novembro de 2022. A destruição de um quarto da cidade costeira e
os milhares de mortos e desaparecidos confirmam os receios do investigador — na
manhã desta quarta-feira já tinham sido registados 6.000 mortos e 10.000
desaparecidos.
“A
situação actual na bacia do rio Wadi Derna exige que as autoridades tomem medidas imediatas,
realizando manutenção regular das barragens existentes”, escreveu
Abdelwanees A. R. Ashoor, enquanto investigador
na Universidade de Omar Al-Mukhtar (Líbia), no artigo científico de 2022. Na altura, o engenheiro civil
alertava que “no caso de uma grande inundação, o resultado será desastroso para
os residentes do vale e da cidade”.
O Observador explica-lhe as principais causas da catástrofe no leste
da Líbia.
Tempestade
Daniel transformou-se num furacão
A
principal responsável pela catástrofe natural na Líbia é a tempestade Daniel,
que já tinha provocado inundações graves na Europa e a morte de, pelo menos, 26
pessoas na Grécia, Bulgária e Turquia. Mas foi só depois de passar no mar
Mediterrâneo que a tempestade mostrou o seu potencial demolidor: a temperatura
do mar acima do normal (resultado das alterações climáticas) alimentou a
tempestade que se transformou num “medicane” (um ciclone de tipo tropical,
mas no Mediterrâneo).
Bayda: choveu
quase tanto num dia como num ano inteiro
O “medicane” viajou então para sul,
em direcção à Líbia, onde descarregou toneladas de água sobre o nordeste do
país. Na cidade
de Bayda, uma das que tem o maior número de mortos, a
precipitação foi de 414,1 milímetros em 24 horas, a maior parte no espaço de
seis horas — isto equivale a 414,1 litros de água por metro
quadrado no espaço de um dia. Para se poder fazer uma comparação, Bayda costuma ter 12,7 milímetros de chuva num mês
de setembro normal e 543,56 milímetros num ano inteiro, refere o jornal The
Washingthon Post.
Uma outra cidade do mesmo
distrito, Marawah em Jabal al Akhdar, registou uma precipitação de 240 milímetros
e Al Abraq, no distrito de Derna, 170 milímetros, refere o site Floodist. Na cidade de Derna, a
precipitação foi consideravelmente menor do que nestas cidades (83 mm no dia 11
de setembro), mas ainda assim muito acima de um mês de setembro normal (menos
de 10 mm num mês) e equivalente ao do mês mais chuvoso (dezembro).
Solo demasiado seco para absorver a
precipitação elevada
O rio Wadi Derna, que se
estende por 70 quilómetros e desagua na cidade com o mesmo nome, é um rio
efémero, que se mantém seco a maior parte do
ano, mas que enche com as chuvas e, ocasionalmente, provoca inundações graves
enquanto escorre das altitudes mais elevadas em direcção ao mar. Quando a tempestade Daniel atingiu a
Líbia, no sábado à noite, o rio encheu rapidamente e as correntes avançaram em
direção à cidade. A grande
quantidade de água que caiu na região não se infiltrou no solo seco e
endurecido da bacia do rio e escorreu em direção a Derna.
Uma das recomendações feitas por
Abdelwanees A. R. Ashoor no artigo, publicado na revista científica Journal of
Pure & Applied Sciences da Universidade Sebha, era que se aumentasse a cobertura vegetal na bacia hidrográfica do
rio para reduzir a desertificação (e, assim, aumentar a retenção de água no
solo). Esta bacia hidrográfica, ou seja, toda a área de onde escorrem águas até
ao rio, é extensa e com um decline acentuado.
Diques não aguentaram a força
das águas
A
quantidade de chuva que caiu no vale do rio e a força das águas destruíram uma primeira represa,
a 12 quilómetros de Derna,
noticiou a Sky News. As águas continuaram a fluir com intensidade destruindo uma segunda represa às portas
da cidade e lançando 30 milhões de metros
cúbicos de água sobre Derna, de acordo com a Al Jazeera. O
investigador Abdelwanees A. R. Ashoor tinha alertado para a necessidade
imediata de manutenção das barragens sob o risco de se assistir a um desfecho
como o desta semana.
Os
habitantes da cidade de Derna dizem ter ouvido uma explosão por volta da
meia-noite — provavelmente, como resultado da destruição de uma das barragens. Muitas das pessoas estariam a dormir
nessa altura e não se aperceberam do que se estava a passar. Os sobreviventes
ouvidos pela agência Reuters contam que perderam dezenas de elementos
das suas famílias: Mostafa Salem, de 39 anos, diz que, pelo menos,
30 dos seus familiares morreram.
Não estamos a falar de um ou dois
mortos, mas cerca de 10 pessoas de cada família mortos”, disse Walid Abdulati à
agência Reuters.
Derna: um
quarto da cidade destruído pelo rio
O
rio Wadi Derna atravessa e desagua na cidade portuária mediterrânica e essa foi
uma das causas da grande destruição de Derna. Dentro da cidade com cerca de 90 mil
habitantes, as águas galgaram as margens, colidiram contra as paredes dos
prédios, arrancaram as fachadas e fizeram os andares colapsarem. As ruas
encheram-se de lama, destroços e pilhas de carros destruídos, descrevem os
repórteres da agência Reuters no local. As cinco pontes sobre o rio que
existiam na cidade desapareceram e, pelo menos, um quarto da cidade ficou
destruída — incluindo as áreas junto ao mar, onde o nível da água terá subido
10 metros (em altura).
Entre
as recomendações do investigador da Universidade de Omar Al-Mukhtar estava
também a educação dos
cidadãos que vivem o leito de cheia do rio sobre os riscos de cheias e medidas
de segurança. As falhas nestas medidas de segurança incluem também a falta de
aviso atempado às populações para que pudessem fugir para locais mais seguros.
A Líbia
não tem governo central desde 2011
Desde a queda do líder
autocrático Muammar Kadhafi, deposto
pelo golpe de Estado de 2011, que
a Líbia não tem um governo central: está dividida entre um governo a este e
outro a oeste (o único reconhecido pela comunidade internacional e sem poder
sobre o leste do país). Isto somado aos conflitos armados que assolam o país,
deixou as infraestruturas fragilizadas e sem manutenção, aumentando a
suscetibilidade às cheias e chuvas fortes.
Para agravar, Derna já era a cidade mais marginalizada, das regiões marginalizadas pelos
conflitos, disse Natasha Hall, investigadora no Centro para os Estudos
Estratégicos e Internacionais, ao jornal The Washinghton Post. Primeiro sob o
domínio de extremistas islâmicos, foi tomada e é agora governada pelo general
Khalifa Hifter, que chefia uma coligação de milícias do leste conhecidas como
Exército Nacional da Líbia (LNA, Libyan National Army).
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COMENTÁRIO:
Pertinaz: Já estamos a ajudar o povo líbio…???
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