quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Horror no mundo


Dos vários seres, animados e inanimados, numa natureza extraordinariamente animada.

Seis razões para a destruição provocada pela tempestade Daniel na Líbia

Os solos muito secos não conseguiram reter tanta chuva e as infraestruturas não estavam preparadas para a força das águas. Do fenómeno natural aos conflitos armados, tudo contribuiu para o desastre.

VERA NOVAIS: Texto

OBSERVADOR, 13 set. 2023, 16:07 1 

As inundações na cidade de Derna, na Líbia, era um desastre à espera de acontecer. Um investigador do país tinha alertado para os riscos num artigo científico publicado em novembro de 2022. A destruição de um quarto da cidade costeira e os milhares de mortos e desaparecidos confirmam os receios do investigador — na manhã desta quarta-feira já tinham sido registados 6.000 mortos e 10.000 desaparecidos.

A situação actual na bacia do rio Wadi Derna exige que as autoridades tomem medidas imediatas, realizando manutenção regular das barragens existentes”, escreveu Abdelwanees A. R. Ashoor, enquanto investigador na Universidade de Omar Al-Mukhtar (Líbia), no artigo científico de 2022. Na altura, o engenheiro civil alertava que “no caso de uma grande inundação, o resultado será desastroso para os residentes do vale e da cidade”.

O Observador explica-lhe as principais causas da catástrofe no leste da Líbia.

Tempestade Daniel transformou-se num furacão

A principal responsável pela catástrofe natural na Líbia é a tempestade Daniel, que já tinha provocado inundações graves na Europa e a morte de, pelo menos, 26 pessoas na Grécia, Bulgária e Turquia. Mas foi só depois de passar no mar Mediterrâneo que a tempestade mostrou o seu potencial demolidor: a temperatura do mar acima do normal (resultado das alterações climáticas) alimentou a tempestade que se transformou num “medicane” (um ciclone de tipo tropical, mas no Mediterrâneo).

Bayda: choveu quase tanto num dia como num ano inteiro

O “medicane” viajou então para sul, em direcção à Líbia, onde descarregou toneladas de água sobre o nordeste do país. Na cidade de Bayda, uma das que tem o maior número de mortos, a precipitação foi de 414,1 milímetros em 24 horas, a maior parte no espaço de seis horas — isto equivale a 414,1 litros de água por metro quadrado no espaço de um dia. Para se poder fazer uma comparação, Bayda costuma ter 12,7 milímetros de chuva num mês de setembro normal e 543,56 milímetros num ano inteiro, refere o jornal The Washingthon Post.

Uma outra cidade do mesmo distrito, Marawah em Jabal al Akhdar, registou uma precipitação de 240 milímetros e Al Abraq, no distrito de Derna, 170 milímetros, refere o site Floodist. Na cidade de Derna, a precipitação foi consideravelmente menor do que nestas cidades (83 mm no dia 11 de setembro), mas ainda assim muito acima de um mês de setembro normal (menos de 10 mm num mês) e equivalente ao do mês mais chuvoso (dezembro).

Solo demasiado seco para absorver a precipitação elevada

O rio Wadi Derna, que se estende por 70 quilómetros e desagua na cidade com o mesmo nome, é um rio efémero, que se mantém seco a maior parte do ano, mas que enche com as chuvas e, ocasionalmente, provoca inundações graves enquanto escorre das altitudes mais elevadas em direcção ao mar. Quando a tempestade Daniel atingiu a Líbia, no sábado à noite, o rio encheu rapidamente e as correntes avançaram em direção à cidade. A grande quantidade de água que caiu na região não se infiltrou no solo seco e endurecido da bacia do rio e escorreu em direção a Derna.

Uma das recomendações feitas por Abdelwanees A. R. Ashoor no artigo, publicado na revista científica Journal of Pure & Applied Sciences da Universidade Sebha, era que se aumentasse a cobertura vegetal na bacia hidrográfica do rio para reduzir a desertificação (e, assim, aumentar a retenção de água no solo). Esta bacia hidrográfica, ou seja, toda a área de onde escorrem águas até ao rio, é extensa e com um decline acentuado.

Diques não aguentaram a força das águas

A quantidade de chuva que caiu no vale do rio e a força das águas destruíram uma primeira represa, a 12 quilómetros de Derna, noticiou a Sky News. As águas continuaram a fluir com intensidade destruindo uma segunda represa às portas da cidade e lançando 30 milhões de metros cúbicos de água sobre Derna, de acordo com a Al Jazeera. O investigador Abdelwanees A. R. Ashoor tinha alertado para a necessidade imediata de manutenção das barragens sob o risco de se assistir a um desfecho como o desta semana.

Os habitantes da cidade de Derna dizem ter ouvido uma explosão por volta da meia-noite — provavelmente, como resultado da destruição de uma das barragens. Muitas das pessoas estariam a dormir nessa altura e não se aperceberam do que se estava a passar. Os sobreviventes ouvidos pela agência Reuters contam que perderam dezenas de elementos das suas famílias: Mostafa Salem, de 39 anos, diz que, pelo menos, 30 dos seus familiares morreram.

Não estamos a falar de um ou dois mortos, mas cerca de 10 pessoas de cada família mortos”, disse Walid Abdulati à agência Reuters.

Derna: um quarto da cidade destruído pelo rio

O rio Wadi Derna atravessa e desagua na cidade portuária mediterrânica e essa foi uma das causas da grande destruição de Derna. Dentro da cidade com cerca de 90 mil habitantes, as águas galgaram as margens, colidiram contra as paredes dos prédios, arrancaram as fachadas e fizeram os andares colapsarem. As ruas encheram-se de lama, destroços e pilhas de carros destruídos, descrevem os repórteres da agência Reuters no local. As cinco pontes sobre o rio que existiam na cidade desapareceram e, pelo menos, um quarto da cidade ficou destruída — incluindo as áreas junto ao mar, onde o nível da água terá subido 10 metros (em altura).

Entre as recomendações do investigador da Universidade de Omar Al-Mukhtar estava também a educação dos cidadãos que vivem o leito de cheia do rio sobre os riscos de cheias e medidas de segurança. As falhas nestas medidas de segurança incluem também a falta de aviso atempado às populações para que pudessem fugir para locais mais seguros.

A Líbia não tem governo central desde 2011

Desde a queda do líder autocrático Muammar Kadhafi, deposto pelo golpe de Estado de 2011, que a Líbia não tem um governo central: está dividida entre um governo a este e outro a oeste (o único reconhecido pela comunidade internacional e sem poder sobre o leste do país). Isto somado aos conflitos armados que assolam o país, deixou as infraestruturas fragilizadas e sem manutenção, aumentando a suscetibilidade às cheias e chuvas fortes.

Para agravar, Derna já era a cidade mais marginalizada, das regiões marginalizadas pelos conflitos, disse Natasha Hall, investigadora no Centro para os Estudos Estratégicos e Internacionais, ao jornal The Washinghton Post. Primeiro sob o domínio de extremistas islâmicos, foi tomada e é agora governada pelo general Khalifa Hifter, que chefia uma coligação de milícias do leste conhecidas como Exército Nacional da Líbia (LNA, Libyan National Army).

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COMENTÁRIO:

Pertinaz: Já estamos a ajudar o povo líbio…???

 

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