sábado, 2 de setembro de 2023

Ao menos


O grupo da SIC Rogeiro / Milhazes mostra-nos um povo batalhador, que vai conquistando espaços, tentando livrar-se de um invasor assassino, exigindo ajudas, é claro, já que está a servir de fronteira, defendendo-se e defendendo o ocidente, mas tratando de se libertar também pelos seus próprios meios, enviando drones, já penetrando em espaços russos, construindo meios sofisticados de combate, reconquistando posições, apesar do encarniçamento dos russos. Manuel Villaverde Cabral está pessimista – sobretudo, todavia, a respeito da Europa e parece ter razão, bem assim outros comentadores que outros canais trazem à televisão, mas outras nuvens se vão adensando nos horizontes das ambições mundiais, pobres sabujos, esses tais ambiciosos. E Putin, que anedota, que fabrica a sua História nacional, e baixa as orelhas ao Xi, que talvez lhe venha a reclamar espaços territoriais, apesar de gelados que são…

À beira do abismo

Para além da Inglaterra, França e Alemanha, a maioria dos outros países europeus só pensa em como sair da guerra, com excepção de eventuais «fronteiriços» por motivos geopolíticos óbvios.

MANUEL VILLAVERDE CABRAL Investigador Emérito do Instituto de Ciências Sociais

OBSERVADOR, 01 set. 2023, 00:1829

Estará efectivamente Portugal à beira do abismo como parece? Do estrito ponto de vista, é possível que não, mas isso só não acontece porque a União Europeia e muito em particular a actual presidente do Conselho da UE têm de suportar o peso crescente do papel negativo desempenhado pela Alemanha e não só desde o ataque da Rússia à Ucrânia. Já lá vai ano e meio de pesados combates e, segundo todos os dados conhecidos, o presumível atentado do ditador russo Putin contra a liderança dos seus combatentes profissionais não será mais do que um novo passo na interminável guerra à Ucrânia.

Segundo se pode imaginar, os dirigentes políticos russos da guerra contra a Ucrânia já só têm como objectivo a cedência dos Estados Unidos bem como das suas dependências da NATO, a começar pelos «grandes» como a Inglaterra, a França e a Alemanha. Obviamente, Portugal não conta para nada bem como os outros «mediterrânicos», os quais têm mais em que pensar. Quanto à maioria dos outros países europeus, só pensa em como sair da guerra, com excepção de eventuais «fronteiriços» por motivos geopolíticos óbvios.

As eleições presidenciais norte-americanas de 2024 terão lugar dentro de pouco mais de um ano e já se apresentam como o horizonte-limite da guerra. Daqui até lá, a Ucrânia não deixará, lamentavelmente, de ter as perdas territoriais exigidas pela Rússia, no mínimo as de 2014, e os USA não terão outro remédioSe não, é o presidente que se arrisca a perder a eleição e nenhum de nós quer o regresso do Trump. Deixará pois de ser um mero confronto militar para se tratar de um finca-pé – para não dizer, consolidação – do território controlado pela antiga URSS, isto é, o domínio espacial que actualmente domina.

É aliás neste quadro que o actual presidente Lula, de regresso à liderança sul-americana, se passeia pelo mundo, incluindo Portugal e as antigas colónias africanas, como a cabeça do terceiro-mundo afro-americano anexado aos antigos BRICS do início do século XXI, ou seja, nada que tire o sono aos USA. Em resumo, a NATO e as democracias europeias não só não ganharam nada como deixaram explodir uma crise económica que levará mais tempo do que o ministro Medina imagina…

É neste quadro de um ano ou muito pouco mais, se não menos, que a maioria dos dirigentes da NATO serão obrigados a seguir os Estados Unidos e os outros países detentores da «bomba nuclear» na gestão da guerra da Ucrânia, como a Inglaterra e a França. Possivelmente, esta necessária viragem bélica já terá sido explicada aos dirigentes ucranianos se não também aos russos designados por Putin para «conversar com o inimigo».

Em qualquer caso, está fora de discussão a NATO ir muito além do território de 2014, ou seja, dez anos para nada que acabarão por ficar mais ou menos na mesma. Resta à UE, além de financiar a reconstrução da Ucrânia, integrar talvez mais um antigo país soviético com todos os custos que isso arrastará. Não imagino, contudo, como é que o actual primeiro-ministro português digerirá tal «osso» que só fará piorar a economia nacional já de si profundamente abalada.

Em suma: não foi por acaso que, desde o primeiro minuto em que Putin declarou a guerra à Ucrânia, ameaçou tudo e todos com a bomba nuclear… E assim continuou a proferir a ameaça de tempos a tempos sem jamais se preocupar com uma eventual resistência da população russa, a qual efectivamente não se verificou. Com efeito, aquilo de que Putin parece estar convicto é, actualmente, uma devastadora «tese histórica» segundo a qual, parafraseando o estudioso russo exilado Andrei Kolesnikov no seu ensaio «O fim da ideia russa…?» (Foreign Affairs, Set.º-Out.º 2023)!

Resumindo, a enorme dimensão da Rússia com mais de 140 milhões de habitantes – o maior país do mundo, incluindo o espaço remoto da Sibéria – terá mantido o mito histórico da distância e do isolamento que só na passagem para o século XVIII o czar Pedro o Grande teria dado à Rússia, simultaneamente, uma identidade própria e um equivalente por assim dizer alternativo ao Ocidente. Tal mito, segundo o «mestre» de Putin, teria sido retomado por Alexandre II no séc. XIX a fim de manter a «equivalência» com a Europa; e finalmente Stalin faria algo de similar ao passado czarista em pleno séc. XX.

Foram estes ciclos que, segundo o mestre de Putin, teriam feito da Rússia o enorme país único e diverso de todos outros. Segundo o autor, é essa Rússia que Putin pretende reincarnar como o país mítico do século actual… A Ucrânia não seria mais do que um atropelo na visão russa do nosso mundo. Daí que tudo se possa esperar da Rússia simultaneamente gigantesca, absolutista e ortodoxa. Não terá sido inteiramente por acaso que o actual Papa lá viu algo que nos escapa.

GUERRA NA UCRÂNIA   UCRÂNIA   EUROPA   MUNDO

COMENTÁRIOS (de 29):

Alexandre Nicolau: A extrema cautela dos EUA em assumirem um papel mais incisivo neste conflito tem um único motivo - a China. A China já tem neste momento (em números) uma força naval superior à Americana e conhecidos objectivos expansionistas no Índico e Pacífico. Enquanto a Nato (os EUA em particular) desgastam armamento no conflito com a Rússia e nele focam a sua atenção, mantém a sua pressão por via diplomática e militar. A China, nesta última reunião dos BRICS, assumiu sem pudor o seu objectivo de ser o contrapeso da hegemonia dos EUA no plano internacional. Abriu a porta de entrada para a entrada de mais países que formam assim uma espécie de "bloco do Hemisfério Sul " Mal as reuniões terminadas, é lançado o mapa Anual dos territórios Chineses. Como quem não quer a coisa, diversos territórios Indianos surgem como Chineses. Cada vez disfarçam menos os seus objectivos expansionistas. A Índia já protestou, a China lançou um lacónico " não se enervem e estejam quietinhos" Se a Rússia continuar a sangria de material e homens, será a próxima a ver territórios seus ocupados pela China, que reclama precedentes históricos ( ah, a Ironia) Se os EUA e a Nato avançarem em força para o mar Negro ou entrarem directamente no conflito,  fica estendida a passadeira para a ocupação do Taiwan e as disputas territoriais com a Índia. Neste momento a China está refastelada a comer pipocas, aguardando desenvolvimentos, enquanto aumenta a sua frota naval a um ritmo sem precedentes.                 joaquim Pocinho: Não sabia que o cronista pertencia ao grupo dos que quer alienar o futuro dos netos em função do presente         joaquim Pocinho: Que grande confusão vai nessa cabeça!!!                    vitor Manuel: Por esta não esperava, mas pronto ...              Paula Barbosa: Assim se perdem as batalhas !!!! Ajoelhando! Prontos para lhes porem a canga !!! Imagino que no liceu , sempre se escondeu pelos cantos, quando começava a confusão....Graças a Deus , Mário Soares deu o grito de guerra na Fonte Luminosa ........ Eu, vi eu fui para a rua e uma bomba rebentou mesmo ao meu lado, numa papeleira da Av. da Liberdade...Continuei! No Couço, atiraram-me uma barra de ferro pelo vidro do meu carro. Fiquei com uma valente cicatriz num braço para o resto da vida. Mas voltei lá e sentei-me na taberna a contar, alto e bom som, o que tinham feito. Os olhos deles, todos em baixo... E sou uma simples mulher...            Carlos Chaves: Caríssimo Manuel Villaverde Cabral muito obrigado por esta análise alternativa ao “comentariado” em geral! Fica claríssimo porquê que o nosso bonacheirão, oportunista, traidor e em formação para ditador PM, expressa reticências e nervosismo em relação à entrada da Ucrânia na UE e na Nato!          João Ramos: A Europa está em franca decadência só que ainda não o percebeu, a Alemanha de Merkel é que deu o tiro de partida para este descalabro…

 

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