Mais um passo, talvez
inútil, na tentativa de livrar o mundo de um infame patife, mestre de cinismo,
que envergonharia o anjinho do Lúcifer, caso este resolvesse vir à Terra confrontar
Putin, sendo necessário, primeiramente, encontrar-lhe o domicílio.
Do desarmamento nuclear da Rússia ao
acordo de cereais: os 5 objectivos de Zelensky no discurso na ONU (e será que
vai atingi-los?)
No discurso na ONU, Zelensky quis
garantir apoios, ganhar parceiros para fórmula de paz, tentar o desarmamento
nuclear da Rússia, voltar ao acordo de cereais e denegrir Putin. Vai alcançar
objetivos?
OBSERVADOR, 20 set. 2023, 00:28
Foi recebido no palanque da
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) com um forte aplauso. Esta
terça-feira, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fez um discurso de 15
minutos perante vários líderes mundiais, deixando várias acusações à Rússia e lembrando que a guerra na Ucrânia não tem
um efeito limitado na Europa — afecta todo o mundo. A assistir à
intervenção do Chefe de Estado ucraniano esteve Dmitry Polyanskiy, o número dois da diplomacia russa na ONU, que parecia ignorar — concentrado no
telemóvel e rindo-se em certas ocasiões — as duras palavras do líder da
Ucrânia.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, atribuindo um carácter universal à
guerra na Ucrânia, Volodymyr Zelensky quis
chegar a países mais afastados noutras latitudes, que não compreendem as
implicações do conflito no mundo ou que revelam uma certa simpatia (ou a
simples anuência) face à Rússia. Mas este esteve longe de ser o
único objectivo do Chefe de Estado ucraniano; durante o discurso, focou a crise alimentar, a garantia de
segurança coletiva e até armas nucleares.
O palco oferecido na Assembleia
Geral das Nações não será o único para Kiev sublinhar a importância do apoio à
diplomacia ucraniana. Esta quarta-feira, Volodymyr Zelensky sentar-se-á no
Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde está previsto que se sente frente
a frente com o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov. No dia a seguir, o Chefe de Estado ucraniano
discursará no Congresso norte-americano e estará na Casa Branca, com o
Presidente norte-americano, Joe Biden.
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Olena Zelenska esteve presente na Assembleia Geral da ONU e ouviu o marido AFP VIA GETTY IMAGES
Quais serão,
então, os cinco objetivos do líder da
Ucrânia com os vários pontos
enunciados durante o discurso nas Nações Unidas? Será que vai conseguir obter alguma vitória diplomática, ou o encontro com as autoridades
norte-americanas, as principais parceiras de Kiev desde o início da invasão,
acabará por ser mais importante?
Continuar a garantir apoio político-militar (principalmente dos Estados
Unidos) e rejeitar cedências
Mesmo com uma contraofensiva em curso
que pode não ter os efeitos inicialmente desejados, Kiev continua
empenhado numa maratona diplomática para angariar apoios que lhe permitam
continuar a fazer frente à Rússia. Sem os pacotes militares e de ajuda
humanitária enviados principalmente pelos Estados Unidos e pela União Europeia,
seria difícil que a Ucrânia conseguisse resistir.
Ainda recentemente, a Dinamarca e os
Países Baixos anunciaram que vão doar 61 caças F-16, numa coligação
internacional de que Portugal faz parte (apenas treinando pilotos). Nos últimos
dias, a Alemanha revelou
um novo pacote de ajuda militar no valor de 400 milhões de euros, enquanto
Espanha indicou que enviará mais veículos blindados. E os Estados
Unidos deverão aprovar um novo pacote de ajuda avaliado em 21 mil milhões de
dólares (cerca de 19,6 mil milhões de euros).
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Mesmo com uma contraofensiva em curso que pode não ter os efeitos inicialmente
desejados, Kiev continua empenhado numa maratona diplomática PRESIDENTIAL PRESS SERVICE
HANDOUT/EPA
Com o inverno pela frente e a aguardada estagnação das linhas avançadas de
combate, e ainda que tenha garantido apoios do Ocidente, o Presidente ucraniano
teme que se
comece a exercer uma pressão
internacional para que a Ucrânia se sente à mesa das negociações e seja
obrigada a aceitar as condições de Moscovo, mesmo que estas impliquem perda de territórios. Neste sentido, no discurso
perante a Assembleia Geral, Volodymyr Zelensky frisou que, “pela primeira vez
na história moderna”, a comunidade internacional tem uma oportunidade para “terminar com a agressão nos termos da nação
que foi atacada”.
A acrescer a esta pressão
internacional para continuar a manter e ganhar apoios, estão as eleições
presidenciais dos Estados Unidos em 2024, que poderão representar um volte-face
na ajuda norte-americana. Certos sectores do
Partido Republicano, de que faz parte o
principal candidato às primárias — o ex-Presidente Donald Trump —, querem
terminar o conflito o mais cedo possível, mesmo que isso leve a perdas de
territórios para a Ucrânia.
Assim sendo, com esta viagem
aos Estados Unidos, Volodymyr Zelensky pretende convencer os cépticos de que vale a pena continuar a apoiar a Ucrânia. Ainda assim, não será fácil. O presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, que se vai encontrar com o líder ucraniano, já garantiu que não vai prometer mais ajuda militar, fazendo questão de enfatizar que quer entender para
onde foram os “fundos” norte-americanos enviados para Kiev ao longo de mais de
um ano e meio de conflito. “Qual é o plano para a vitória? Eu
penso que são questões que todos querem saber.”
Desfecho: Para já sim, depois logo se vê
Volodymyr
Zelensky ainda consegue reunir apoios militares, mas será difícil expandi-los
para fora dos actuais parceiros. Se o Partido Republicano vencer em 2024, não é certo que o apoio
norte-americano vá continuar. Não obstante, afigura-se como provável que o
Presidente ucraniano tenha afastado, pelo menos num futuro próximo, negociações
ditadas pela Rússia.
Ganhar
apoios para a fórmula de paz e para uma grande cimeira
Ainda que não
queira negociações ditadas por outra potência ou pela Rússia, a Ucrânia tem
apresentado à comunidade internacional uma fórmula para a paz, sendo organizadas cimeiras propositadamente
para debater a proposta que visa terminar com as hostilidades nos territórios
ucranianos. “Houve conversas importantes e
consultas que tiveram lugar em Hiroshima, em Copenhaga, em Jeddah para
implementar a fórmula de paz”, revelou Volodymyr Zelensky.
Tendo conseguido contar com a presença de países do Sul Global e com a
China nessas reuniões, a diplomacia
ucraniana quer prosseguir com estes esforços e envolver ainda mais países. “Mais de 140 Estados e
organizações internacionais apoiaram a fórmula de paz ucraniana total ou
parcialmente. Está a tornar-se global”, sinalizou
o Chefe de Estado ucraniano.
Para isso, a
Ucrânia tem preparada uma grande
cimeira da paz, com o objectivo de que mais países se juntem à fórmula,
colocando totalmente de lado as exigências russas para terminar com o conflito
e levando ao limite do possível o isolamento de Moscovo. A Assembleia Geral da ONU foi, por isso, uma excelente plataforma para
Volodymyr Zelensky lançar o convite: “Convido-vos a todos — a todos aqueles que não toleram qualquer a agressão
— para prepararem connosco a
cimeira.”
Desfecho: É provável que isso
aconteça
A referência à fórmula de paz
poderá ter um efeito positivo na realização da cimeira e ajudar a Ucrânia a
ditar os termos para a paz. Afigura-se como provável que Volodymyr Zelensky
ganhe ainda mais apoios após o discurso, ainda que se afigure como altamente
improvável (não seria arriscado dizer impossível) que potências de maior
relevo, como a China, adiram ao bloco pró-Ucrânia no conflito.
Tentar
que a Rússia não tenha armas nucleares
No início do discurso, Volodymyr Zelensky recordou um
dos motivos para a fundação das Nações Unidas. “Uma Terceira Guerra Mundial era vista como uma guerra nuclear. Um
conflito entre Estados que usariam armas nucleares. Outras guerras eram vistas
como menos assustadoras comparadas com as ameaças das ‘grandes potências’ que
disparavam as suas ogivas nucleares.”
▲Zelensky
lembrou, durante o discurso, fundação das Nações Unidas DPA/PICTURE ALLIANCE VIA GETTY I
Contudo, segundo o Presidente
da Ucrânia, a destruição está a ganhar
preponderância, mesmo “sem armas nucleares”. “O agressor espalha a morte e cria ruínas, mas os resultados são semelhantes. Há
cidades e aldeias que foram devastadas pela artilharia russa. Há uma guerra de
drones”, denunciou.
Pela destruição causada,
Volodymyr Zelensky considera que a Rússia “não tem direito” de possuir “armas
nucleares”, ao contrário do que a comunidade internacional acreditava nos anos
90 após a queda da União Soviética, numa altura em que, em sentido inverso, a
Ucrânia teve de renunciar ao terceiro maior arsenal nuclear. Porém, para o líder ucraniano, “a história mostra que é a Rússia
que merecia um desarmamento nuclear. E
a Rússia ainda merece — os terroristas não têm o direito de possuir armas
nucleares.”
Lembrando o que aconteceu com
a ocupação russa da central nuclear de Zaporíjia, o Presidente da Ucrânia notou
que a “arquitectura de segurança global” não oferece “qualquer resposta ou
protecção” contra uma “ameaça nuclear”,
daí ser importante retirar do arsenal de Moscovo ogivas nucleares.
Desfecho: Praticamente impossível
É quase impossível que a Ucrânia consiga liderar uma
iniciativa para retirar as armas nucleares da Rússia. Ainda que Vladimir Putin
tenha feito ameaças nucleares após o início da invasão, isso não será razão
suficiente para um desarmamento nuclear da Rússia.
Pressionar a Rússia a aceitar o acordo de cereais (e tentar alertar a
comunidade internacional para os impactos)
Em meados de julho de 2022, a comunidade internacional saudava o acordo de
cereais assinado entre a ONU, a Turquia, a Rússia e a Ucrânia. Apesar de várias queixas dos dirigentes russos, a iniciativa ainda
durou um ano, até que, há dois meses, Moscovo decidiu revogá-la
unilateralmente, justificando que as outras partes não estariam a cumprir o que
ficara acordado.
▲Moscovo decidiu revogar acordo de cereais unilateralmente, justificando que
as outras partes não estariam a cumprir o que ficara acordado IGOR
TKACHENKO/EPA
Desde aí, Ancara e as Nações
Unidas têm-se esforçado em renovar o acordo, mas a Rússia mantém-se inflexível. Terá havido inclusivamente uma carta enviada pelo
secretário-geral da ONU em que prometia a Moscovo que algumas
sanções aplicadas pelo Ocidente seriam levantadas se voltasse à iniciativa.
Na sua intervenção desta terça-feira na Assembleia Geral, António Guterres
frisou que não iria desistir de alcançar aquele objectivo, porque o mundo
precisava “desesperadamente de
fertilizantes russos e ucranianos”.
Por sua vez,
Volodymyr Zelensky aproveitou o discurso para apontar baterias à Rússia — e
culpabilizá-la. “Desde
o início da invasão, os portos ucranianos no Mar de Azov e no Mar Negro foram
bloqueados pela Rússia. Até agora, os portos no rio Danúbio continuam a ser um
alvo de mísseis e drones. É clara
a tentativa russa de transformar a comida numa arma em troca do
reconhecimento de alguns, se não todos, os territórios ocupados.”
Tocando num
ponto particularmente sensível para os países em desenvolvimento (muitos dos
quais não condenam a Rússia pela invasão de larga escala da Ucrânia, em
fevereiro do ano passado), Volodymyr Zelensky sublinhou que a Rússia está a “aumentar os preços da comida” a nível
global. “Este impacto vai desde a costa do Atlântico a África ao Sudeste
Asiático. É uma ameaça”, classificou.
"Desde
o início da invasão, os portos ucranianos no Mar de Azov e no Mar Negro foram
bloqueados pela Rússia. Até agora, os portos no rio Danúbio continuam a ser um
alvo de mísseis e drones. É clara a tentativa russa de tornar a comida como uma
arma em troca do reconhecimento de alguns, se não todos, territórios
ocupados" Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia
Agradecendo aos
líderes que apoiaram o acordo de cereais e lamentando novamente que a Rússia
tenha “minado” a iniciativa, o Chefe de Estado ucraniano garantiu que Kiev continua à procura de maneiras de “garantir a segurança alimentar”. Como tal, exemplificou, Kiev
criou “um corredor de exportação” de cereais que vai desde o rio Danúbio até à
Croácia, sendo que Volodymyr Zelensky piscou igualmente o olho a possíveis
parceiros: “Espero que muitos se juntem
a nós nestes esforços.”
Ainda neste tópico, Volodymyr Zelensky quis deixar uma palavra a três
países europeus: Hungria, Eslováquia e Polónia. Os
dirigentes daqueles Estados-membros da União Europeia proibiram a importação de
grãos ucranianos, o que revoltou Kiev. “É alarmante ver como alguns
dos nossos amigos na Europa parecem ser solidários na cena internacional. Dizem
que estão a desempenhar o seu papel [e a defender os seus interesses], mas na
verdade estão a ajudar Moscovo.”
Desfecho: Não será fácil
Voltar a convencer a Rússia a juntar-se ao acordo de cereais revela-se
difícil, já que a moeda de troca de Moscovo passa pelo levantamento de sanções,
algo a Ucrânia se opõe abertamente. No entanto, a questão da iniciativa do Mar
Negro pode ser importante para que Kiev
cative alguns aliados, ganhando credibilidade e demonstrando igualmente
a inflexibilidade russa face a apelos da ONU e da Turquia.
Descredibilizar
a Rússia e torná-la (ainda mais) um pária
Transversal a
todo o discurso, foram várias as tentativas do Presidente ucraniano de descredibilizar e denegrir a imagem da Rússia
na cena internacional, lembrando o acordo de cereais, as ameaças
nucleares e até a morte do líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin. Tudo isto prova que o Presidente russo, Vladimir Putin, não é uma pessoa
confiável — e que merece ser punido. “Não há como confiar no mal. Perguntem ao Prigozhin se alguém pode confiar
nas promessas de Putin” ficará como uma das frases
marcantes do discurso de Zelensky em Nova Iorque.
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Número dois da diplomacia russa na ONU, Dmitry Polyanskiy, esteve presente
no discurso de Zelensky JUSTIN LANE/EPA
Outra das acusações dirigidas por
Volodymyr Zelensky contra Moscovo consistiu no “rapto em massa e deportação” de
crianças ucranianas por parte de “grupos terroristas” russos. “Sabemos os nomes de dezenas de milhares de
crianças e temos provas de que centenas de milhares foram raptadas pela Rússia
nos territórios ocupados da Ucrânia e depois foram deportadas”, assegurou o Chefe de Estado ucraniano, que depois
jogou uma importante cartada:“O Tribunal Penal Internacional emitiu um
mandado de captura em nome de Putin por este crime.”
Elevando o tom das acusações, Volodymyr
Zelensky disse que aquelas crianças deportadas serão ensinadas a “odiar a
Ucrânia” e a “cortar todos os laços com as famílias”:“É um claro
genocídio.”
Volodymyr Zelensky não se ficou pelo presente, recordando, no seu
discurso perante a comunidade internacional,
que a Rússia começa uma guerra “em todas as décadas”. “Há partes da Moldávia e da Geórgia que permanecem
ocupadas. A Rússia transformou a Síria em ruínas. A Rússia praticamente engoliu
a Bielorrússia. Está obviamente a ameaçar o Cazaquistão e os Estados Bálticos”,
enumerou o Presidente ucraniano, numa tentativa de expor o carácter imperialista
do regime russo.
Volodymyr Zelensky, Presidente
da Ucrânia
“O
objetivo desta guerra contra a Ucrânia é transformar a nossa terra, as nossas
pessoas, as nossas vidas, os nossos recursos numa arma contra vocês — contra a
ordem internacional baseadas em regras”, clarificou Volodymyr Zelensky, que
ainda foi mais longe: se o imperialismo russo não for travado, muitos dos
lugares na Assembleia Geral podem “ficar vazios”.
Desfecho: Poderá ter sucesso
Desde o
início da invasão que a diplomacia ucraniana se tem esforçado por apontar o
dedo às políticas expansionistas do regime russo, alertando várias vezes que outros países — como a Moldávia ou a Geórgia — podem sofrer um ataque se a Ucrânia for
derrotada. E, durante este discurso, Volodymyr Zelensky tentou demonstrar que a
Rússia não cumpre várias das disposições do direito internacional — desde a
deportação de crianças (que valeu um mandado de captura em nome de Vladimir
Putin) à ocupação de ilegal de países vizinhos.
Tudo isto pode
fazer com que vários Estados-membros, incluindo alguns do Sul Global, se
lembrem do passado da Rússia — e passem a encarar Moscovo como sendo um
parceiro pouco confiável.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO RÚSSIA VLADIMIR
PUTIN
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