De tão grotesco, na sua perversidade burlesca e apenas
desvirtuadora da subtileza criativa da escritora Agatha
Christie, que os filmes
com David Suchet na personagem
Poirot tão
expressivamenre retratam, tais como outros com as figuras detectivescas
brilhantes, de Miss Marple ou o casal Tommy e Tuppence. Ontem, no “Canal Hollyood” também comecei
a ver “Um crime no Expresso Oriente”, suponho que por idêntico “Poirot” achincalhando o espírito da obra de Agatha Christie. Em breve, desisti de ver o filme, (pura
macacada), como já o fizera noutros filmes perversos sobre os policiais da
autora. Uma oportuna análise crítica de Eurico de Barros, que muito agradeço.
"Mistério em Veneza”: Kenneth
Branagh volta a desfigurar Poirot e a destratar Agatha Christie ★ ★ ★ ★ ★
Kenneth Branagh adapta ao cinema um
livro de Agatha Christie pela terceira vez em "Mistério em Veneza".
Pela terceira vez o resultado é totalmente deplorável. Eurico de Barros dá-lhe
uma estrela.
OBSERVADOR, 14
set. 2023, 06:30
Depois de ter massacrado “Um Crime no
Expresso do Oriente” e esquartejado “Morte no Nilo”, Kenneth Branagh regressa à
pele de Hercule Poirot para o “desconstruir” mais uma vez, e ao mundo de Agatha
Christie para o continuar a descaracterizar, e a desfazer tudo o que ela fez
bem. Desta vez, em “Mistério em Veneza”, que transporta para o sereníssimo
pós-II Guerra Mundial a intriga do livro A Festa das Bruxas, ambientado numa
sumptuosa casa situada na Inglaterra rural, e
de cujo enredo Branagh e o argumentista Michael Green conservaram apenas o
passar-se durante o Halloween, ou Dia das Bruxas. Do resto, nada ficou.
[Veja o “trailer” de “Mistério em
Veneza”:]
Poirot está reformado (!) e vive em
Veneza, onde recebe a visita da sua amiga Ariadne Oliver, que agora é americana
(!!) e já não inglesa, e é responsável por tornar Poirot famoso (!!!), ao tê-lo
transformado no herói de um dos seus livros policiais. Oliver é interpretada
desenxabidamente por Tina Fey, e não podia estar mais distante da personagem
excêntrica e despassarada vivida pela magnífica Zoë Wanamaker na série dos “Poirot” com o inigualável David Suchet. Ela vem convidar Poirot para uma festa de
Dia das Bruxas, seguida de uma sessão espírita, no tumular e decadente
“palazzo” de uma famosa cantora de ópera cuja filha se suicidou após o noivo
ter rompido com ela, atirando-se de uma varanda para o canal.
[Veja o elenco
falar sobre o filme:]
Após a médium ser assassinada e ninguém
poder sair da casa por causa da tempestade que se abateu sobre Veneza, que
também cortou as comunicações, Poirot fecha-se lá com os convidados, para que o
assassino não saia, e volta à actividade. Tal como Kenneth Branagh o personifica, este Poirot não tem nada a
ver com a genial e imortal criação de Agatha Christie. Não passa de Branagh com
uma bigodaça ridícula colada nas beiças, um sotaque comicamente pythoniano e um
físico oposto ao do atarracado e redondinho Poirot. Também ao contrário deste, um fervoroso
católico, o Poirot de Branagh é agora um ateu amargo. E o seu impenitente
racionalismo e a sua crença nos poderes do cérebro humano (as célebres
“celulazinhas cinzentas”) cedem, em “Mistério em Veneza”, e de maneira
totalmente inverosímil, porque contrária à natureza e ao carácter da
personagem, às tentações do irracional e ao temor do sobrenatural.
[Veja uma cena do filme:]
Além de ser um aglomerado de disparates
e absurdos que desvirtuam de forma descarada, grotesca e deplorável, o espírito
e a letra do universo policial de Agatha Christie, e que transforma Hercule
Poirot num “travesti” risível da personagem original, “Mistério em Veneza” é
também um filme com uma história arrevesada, personagens sem relevo (a
criancinha precoce é especialmente irritante, tal como os irmãos “étnicos”) e
um assassino cuja identidade adivinhamos ao fim de pouco tempo. Para instalar
uma atmosfera de história de fantasmas “gótica”, Kenneth Branagh usa e abusa da
grande angular, da profundidade de campo e dos pontos de vista esdruxúlos. Dizer
que parece Ken Russell a fazer um filme de terror para a Hammer nos anos 70, é
insultar quer Russell, quer esta produtora de clássicos do género.
Nalguns planos, Branagh tem mesmo o
descoco de pretender “citar” Orson Welles, mas só consegue mostrar que é
impossível a um realizador cabotino camuflar o seu cabotinismo com pretensas
referências e pseudo-“homenagens” cinéfilas. Por onde quer que se olhe para
ela, “Mistérios em Veneza” é
uma fita retorcida e intragável, em que Kenneth
Branagh insiste no aviltamento da personagem de Hercule Poirot e na
desconsideração de Agatha Christie. E já que nela se fala tanto em
fantasmas, só podemos desejar que o espectro da escritora venha assombrar toda
esta gente associada a tão ruim produto cinematográfico.
CINEMA CULTURA ESTREIA DA SEMANA
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