Miudinho, pequenino, mais do que
comentador político, afigura-se-me uma espécie de coscuvilheiro, demasiado rápido
e conclusivo, no seu exibicionismo opinioso, que não aguentaria confronto de
ideias. Um senhor sabe-tudo, moralista de solavancos, cansativo no seu desejo
de impor, em aparência de virtude, o seu ponto de vista, miudinho, pequenino,
não fundamentado em saber dos livros, mas das apalpadelas às opiniões gerais,
fundamentadas na virtude consuetudinária, a sua também, a nossa, afinal… Enfim,
à nossa medida… Mas, não, obrigado.
Outro comentador televisivo a presidente? Não, obrigado
Lá apareceu outra vez, como candidato
ideal, o comentador televisivo que há anos sorri para toda a gente, com muito
cuidado para não se comprometer. Já experimentámos isso. Já vimos no que deu.
RUI RAMOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 08 set. 2023, 00:238
Regressado de férias, senti por uns
momentos o que deve ter sentido Rip Van Winkle, quando percebeu que a sua sesta
durara duas décadas. Toda a gente discutia as eleições presidenciais, como se
fosse 2026. Teria eu estado fora duas semanas, ou dois anos? Mas ao contrário do mítico americano, a
quem o longo sono fez perder a fundação dos EUA, as férias não me fizeram
perder muita coisa. Discute-se as presidenciais de 2026, tal como se
poderia discutir as europeias de 2024 ou as autárquicas de 2025, apenas porque
nada mais há realmente para discutir este ano. Não, não é ridículo, nem justifica os esforços de engraçadismo que
hoje passam por comentário político.
Que discutir, em vez das
presidenciais de 2026? A estagnação da economia, disfarçada pelo turismo? Os
preços da habitação? Uma das mais altas taxas de inflação anual da Europa? O
enorme esforço fiscal, que mesmo assim não impede a dívida do Estado de crescer
(292 mil milhões de euros de dívida directa em Julho de 2023, segundo o Banco
de Portugal, isto é, mais 12 mil milhões do que no ano anterior)? A degradação
do SNS e da escola pública? A emigração dos diplomados? Para quê? O que é que,
em relação a cada um desses assuntos, já não dissemos? Resta-nos falar das
eleições dos próximos anos, como quem, à deriva no mar, tenta descortinar terra
forçando o olhar sobre o horizonte.
Desde 1995, que o Partido Socialista
manda em Portugal, inclusivamente quando não governa, porque sempre que outros
partidos passaram pelo governo, passaram tão brevemente e em circunstâncias tão
apertadas que nunca puderam desmontar a máquina de poder socialista: por isso,
o que PSD e CDS puderam fazer, entre 2002 e 2005, ou entre 2011 e 2015, não foi
muito mais do que restabelecer equilíbrios financeiros que logo serviram para
viabilizar a retoma do governo pelo PS. Neste momento, as garantias do BCE nem sequer permitem prever a
repetição das aflições que provocaram alternância no governo em 2002 ou 2011.
Protegido pelo BCE, o poder socialista domina o país como
nenhum outro grupo o dominou neste regime. Ocupa o Estado e as instituições,
controla as empresas e a comunicação social, fomenta a dependência do Estado
como modo de vida, e depois clienteliza as massas que vai condenando a essa
dependência. Tem
sido uma fórmula eficaz. Perante isto, faz todo o sentido discutir eleições
futuras.
É
que não serão os mercados, como em 2002 ou em 2011, que vão mudar o governo.
Têm de ser os políticos. Políticos que acreditem, e que façam acreditar que as
coisas não têm de ser assim, e podem ser muito melhores. Políticos
que provem ser mais competentes, e mais sérios do que a clique endogâmica do
Partido Socialista. Políticos capazes de tornar as eleições presidenciais e
legislativas de 2026 numa grande encruzilhada, em que o país seja convocado a
escolher: ou reformas, ou declínio. Sim, dependemos disto: de políticos com
força e credibilidade para fazerem sentir ao país que está num momento
histórico, na última hora antes da decadência provocada pelo poder socialista
se tornar irreversível.
Mas a discussão sobre candidatos
presidenciais revelou o quão pouco estamos preparados para esse momento. Lá nos
foi recomendada outra vez, como candidato ideal, a figura cansada do comentador
televisivo que há anos sorri para toda a gente, com muito cuidado para não se
comprometer nem ofender ninguém. Acontece que já experimentámos, e já vimos no
que deu: João Galamba a rir-se no governo.
As eleições de 2026, presidenciais e legislativas, só terão
importância se, perante a muralha socialista, aparecerem candidatos sem medo de
se comprometerem e sem medo de perderem, e por isso com força para suscitarem
nos portugueses um sobressalto cívico. Porque se não for assim, não será de
outra maneira.
ELEIÇÕES
PRESIDENCIAIS ELEIÇÕES POLÍTICA PS PRESIDÊNCIA
DA REPÚBLICA
COMENTÁRIOS:
Eduardo Cunha: Excelente crónica.
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