segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Ó da guarda!


Vivemos entalados em queixas ou queixumes, desde que por cá começámos a registar por escrito os desmandos dos contrastes entre os bons e os maus das “fitas” cozinhadas então, de “mentireiros” medievais bem-sucedidos, ao contrário dos “sinceros”, aparentados com os “bons”, que, segundo Camões, viviam de tormentos, contrariamente aos maus, premiados com os contentamentos da sua “natação” pessoal. Sá de Miranda retoma o assunto, personalizando-o, como exemplifica o Dr Salles, esse “outrora” mais de acordo com as indignações do nosso “agora”, tão nefasto como então, nas questões do “à for da corte”, dos luxos, segundo, também, o Diabo vicentino, irónico tentador, de uma Alma espiritualmente debilitada. A citação final da Canção X de Camões, que coloco, “Oxalá foram fábulas sonhadas!”, serve apenas de desabafo, descontextualizado, todavia, a tal Canção camoniana tendo a ver mais com os seus devaneios amorosos de uma constância, não se sabe se perfeitamente sincera, num homem que deu à sua nação tanta efusiva e sagaz narrativa épica que o faria secundarizar tantos desses amores que os preceitos da escola neoplatónica tornavam, apesar de tudo, essencialmente espirituais. Mas uso esse final para exprimir, não a elegante ironia e saber do Dr. Salles, sempre inspirado numa sensatez de critérios morais que o levam a lutar corajosamente contra os desmandos nacionais com que um tal governo de menos credibilidade nas suas espertezas não de todo saloias, mas geradas em ambição e falcatrua, vai afundando esta nação. Não, nem sequer o “Ó da guarda!” já resulta, nesta fábula que vamos vivendo, acabrunhadamente.

 

«Nô mais, Canção, nô mais; qu'irei falando
sem o sentir, mil anos. E se acaso
te culparem de larga e de pesada,
não pode ser (lhe dize) limitada
a água do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
co gosto do louvor, mas explicando
puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fábulas sonhadas!»

 

DA VERDADE NA POLÍTICA

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 03.09.23

«Homem de um só parecer,

De um só rosto, de uma fé,

De antes quebrar que torcer,

Ele tudo pode ser

Mas de Côrte homem não é.»

Sá de Miranda

«Basta repetir muitas vezes uma mentira para que ela se torne verdade» - Joseph Göbbels, Ministro da Propaganda nazi

«Não é por repetir muitas vezes uma mentira que ela se torna verdade» - Todos e cada um dos meus leitores

* * *

A verdade é unicitária mas a mentira é plural pois pode revestir as formas de meia-verdade, de sofisma ou de faláciaas duas primeiras são voluntárias e, daí, pecaminosas mas a terceira é involuntária e, portanto, inocente. Isto, tanto na política como nas outras facetas da vida.

Contudo, na política tudo se complica, pois nós próprios, os «documentos coevos» do golpe do 25 de Abril de 1974, nos dividimos na respectiva classificação com «verdades» incompatíveis entre nós: o que para uns é a verdade, para os outros é mentira. Apenas nos une a verdade factual: «os carros de combate desceram a rua e lá ao fundo viraram à esquerda» - a mera verdade factual. A partir daqui chegando à verdade substantiva, dividimo-nos entre o bem e o mal; o Capitão do Largo do Carmo foi um herói ou um inocente manipulado pelos «cordelinhos» de Moscovo?

Eis a diferença entre a verdade factual que é objectiva e a substantiva que permite/exige a ponderação entre o bem e o mal, ou seja, carrega a subjectividade.

No plano da verdade substantiva, é relativamente fácil encontrar consensos entre os democratas cujas normas éticas, princípios morais e valores civilizacionais mais se aproximam ou, até, coincidem. Com os outros, não.

Entre os democratas, as polémicas resultam amiúde de uns acharem que o copo está meio cheio e os outros dizerem que ele está meio vazio. Polémicas artificiais e na «peixeirada», ninguém quer saber onde está a verdade. O que interessa é apear o adversário. Disputas que só se justificam no âmbito da estratégia do «bota abaixo» e do «sai daí para entrar eu» E o Contribuinte cá está para pagar o «folclore». Assim fica a verdade- mesmo a de cada um - por identificar. E, contudo, bastaria que o discurso assumisse um tom afirmativo sobre o conceito de bem-comum para que as verdades assumissem a primazia num novo e saudável debate político.

Verdade política procura-se!

Setembro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

 COMENTÁRIOS:

Anónimo, 03.09.2023 20:27: Verdade política jamais se encontra. Não existe!

Rui Bravo Martins, 04.09.2023 09:19: Texto muito oportuno e muito bem estruturado. Estou plenamente de acordo com o texto, e debato-me todos os dias, infelizmente, com o estado a que chegamos quer no nosso País quer a nível internacional! Estes alertas, que ajudam a colocar os "pontos nos iii" são preciosos. Cumprimento com respeito. Rui Bravo Martins

 

COMENTÁRIOS:

Anónimo, 03.09.2023 20:27: Verdade política jamais se encontra. Não existe!

Rui Bravo Martins, 04.09.2023 09:19: Texto muito oportuno e muito bem estruturado. Estou plenamente de acordo com o texto, e debato-me todos os dias, infelizmente, com o estado a que chegamos quer no nosso País quer a nível internacional! Estes alertas, que ajudam a colocar os "pontos nos iii" são preciosos. Cumprimento com respeito. Rui Bravo Martins

António da Cunha Duarte Justo 04.09.2023 10:34: Boa reflexão! Verdade política não há porque política é processo e como tal sujeita à perspectiva ou ponto de vista; tal expressa-se de maneira especial na política de informação em relação a conflitos internacionais em que o jogo entre o verdadeiro e o falso é propriamente reduzido a uma interpretação unilateral dos factos. Em política o que parece valer e normal é recorrer-se à interpretação dos factos e a interpretação é variável. Por isso a interpretação dos factos recebe uma certa validação passadas algumas gerações depois dos factos acontecidos. Temos um exemplo bem visível por alguns mas não pelo povo em interpretações erróneas do 25 de abril. Factos, causas e efeitos são baralhados de maneira a que a verdade socialmente criada só beneficie os revolucionários.

Miguel Magalhaes 04.09.2023 12:01: Totalmente de acordo. Mas, a propósito, estando a ler um livro sobre a Ucrânia, o autor assume a dado passo, que a NATO efectuou manobras militares com o exército ucraniano, já no tempo de Zelenski...Qual a verdade deste facto Henrique? Sabes?

António Fonseca 04.09.2023 16:25: Doutor Henrique Salles da Fonseca, a leitura do seu artigo fez me lembrar do Diógenes o Cínico, de Sínope, que deambulava pelas ruas de Atenas com uma lanterna candente à busca de um homem honesto. E desde que a Sra Kellyanne Conway, Conselheira do Presidente Trump, introduziu o conceito de "alternative facts" e, agora, as tais "fake news", receio que estamos numa Babel irredutível. Entramos numa nova Época. Muito Obrigado.

 

Não tenho informação para além da que exalam os telejornais que tratam por igual a guerra em curso e as transferências no futebol. 05.09.2023 12:34

Caro Miguel, Ignoro totalmente. Como sabes não tenho informações para além das dos telejornais e, mesmo assim, para saber alguma coisa sobre a guerra, tenho que ouvir as tricas domésticas e as transferências no futebol.

Adriano Miranda Lima 05.09.2023 14:26: O Dr. Salles da Fonseca presenteia-nos com mais uma das suas profundas reflexões sobre o homem e a conflitualidade que é condição integrante e, aparentemente, inultrapassável do seu ser. Ela, a conflitualidade, tem na política o seu campo dilecto de expressão, se não mesmo de demonstração de todos os extremos a que pode chegar a natureza humana. Tudo porque a sede do poder, fenómeno que permanece imune ao tempo e à evolução, é que gera a polémica sobre se "o copo está meio cheio ou meio vazio", com a discórdia a revestir tensões e desfechos grande parte das vezes contíveis numa normalidade aceitável ou aconselhável, mas noutras ocasiões a ultrapassar limites em que a própria conflitualidade se torna a negação do verdadeiro sentido da vida. Sobre o golpe militar de Abril de 1974, sei, e acredito, que o capitão do Largo do Carmo não se movimentou por qualquer orientação directa ou indirecta de Moscovo. Ele e os seus camaradas de armas. Foi tudo concebido em contexto corporativo, sem influências político-partidárias. Só a ingenuidade (ou imprevidência) política dos militares permitiria a infiltração da conflitualidade a mais indesejável no processo. Sim, a busca do "bem comum" devia ser o único motivo para se discutir sobre a verdade ou as virtudes das propostas políticas. Mas não é o que acontece em Portugal como na maioria das democracias. "Apear o outro do poder" é apenas o que conta. Os contendores da cena política nem pudor têm em o declarar, assim como pouco se importam que a opinião pública se aperceba de que não passam de uns cínicos e fingidores na sua maioria. Infelizmente, é isto que se passa na maioria das democracias liberais. Só que vale a pena, apesar de tudo, viver nelas. Basta olhar para o que é a Rússia de Putin, onde não é permitido discutir sobre se o copo está meio cheio ou meio vazio, e quem a isso se atreve cai da janela de um prédio alto, é abatido a tiro na rua ou é envenenado. Um abraço amigo para o Dr. Salles da Fonseca.

 

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