Vivemos entalados em queixas ou
queixumes, desde que por cá começámos a registar por escrito os desmandos dos
contrastes entre os bons e os maus das “fitas” cozinhadas então, de “mentireiros”
medievais bem-sucedidos, ao contrário dos “sinceros”, aparentados com os “bons”,
que, segundo Camões, viviam de tormentos, contrariamente
aos maus, premiados com os contentamentos da sua “natação” pessoal. Sá de Miranda retoma o assunto, personalizando-o, como exemplifica
o Dr Salles, esse “outrora” mais de acordo com as indignações do nosso
“agora”, tão nefasto como então, nas questões do “à for da corte”, dos luxos,
segundo, também, o Diabo vicentino, irónico tentador, de uma Alma espiritualmente
debilitada. A citação final da Canção X de Camões, que
coloco, “Oxalá foram fábulas sonhadas!”,
serve apenas de desabafo, descontextualizado,
todavia, a tal Canção camoniana tendo a ver mais com os seus devaneios amorosos
de uma constância, não se sabe se perfeitamente sincera, num homem que deu à
sua nação tanta efusiva e sagaz narrativa épica que o faria secundarizar tantos
desses amores que os preceitos da escola neoplatónica tornavam, apesar de tudo,
essencialmente espirituais. Mas uso esse final para exprimir, não a elegante
ironia e saber do Dr. Salles, sempre inspirado
numa sensatez de critérios morais que o levam a lutar corajosamente contra os
desmandos nacionais com que um tal governo de menos credibilidade nas suas
espertezas não de todo saloias, mas geradas em ambição e falcatrua, vai
afundando esta nação. Não, nem sequer o “Ó
da guarda!” já resulta, nesta fábula que vamos vivendo, acabrunhadamente.
«Nô mais, Canção, nô mais; qu'irei falando
sem o sentir, mil anos. E se acaso
te culparem de larga e de pesada,
não pode ser (lhe dize) limitada
a água do mar em tão pequeno vaso.
Nem eu delicadezas vou cantando
co gosto do louvor, mas explicando
puras verdades já por mim passadas.
Oxalá foram fábulas
sonhadas!»
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM
DA NAÇÃO, 03.09.23
«Homem de um só parecer,
De um só rosto, de uma fé,
De antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser
Mas de Côrte homem não é.»
Sá de Miranda
«Basta repetir muitas vezes uma mentira
para que ela se torne verdade» - Joseph
Göbbels, Ministro da Propaganda nazi
«Não é por repetir muitas vezes uma
mentira que ela se torna verdade» - Todos e cada um dos meus leitores
* * *
A verdade é unicitária mas a
mentira é plural pois pode revestir
as formas de meia-verdade, de sofisma ou de falácia – as duas primeiras são voluntárias e, daí, pecaminosas mas a terceira é involuntária e, portanto, inocente. Isto, tanto na
política como nas outras facetas da vida.
Contudo, na política tudo se complica, pois
nós próprios, os «documentos coevos» do golpe do 25 de Abril de 1974, nos
dividimos na respectiva classificação com «verdades» incompatíveis entre nós:
o que para uns é a verdade, para os outros é mentira. Apenas
nos une a verdade factual: «os carros de combate desceram a rua e lá ao fundo
viraram à esquerda» - a mera verdade factual. A partir
daqui chegando à verdade substantiva, dividimo-nos entre o bem e o mal; o
Capitão do Largo do Carmo foi um herói ou um inocente manipulado pelos
«cordelinhos» de Moscovo?
Eis a diferença entre a verdade
factual que é objectiva e a substantiva que permite/exige a
ponderação entre o bem e o mal, ou seja, carrega a subjectividade.
No plano da verdade substantiva, é relativamente fácil encontrar consensos
entre os democratas cujas normas éticas, princípios morais e valores
civilizacionais mais se aproximam ou, até, coincidem. Com os outros, não.
Entre os democratas, as polémicas resultam amiúde de uns acharem que o copo
está meio cheio e os outros dizerem que ele está meio vazio. Polémicas
artificiais e na «peixeirada», ninguém quer saber onde está a verdade. O que
interessa é apear o adversário. Disputas que só se justificam no âmbito da
estratégia do «bota abaixo» e do «sai daí para entrar eu» E o Contribuinte cá
está para pagar o «folclore». Assim fica a verdade- mesmo a de cada um - por
identificar. E, contudo, bastaria que o discurso assumisse um tom afirmativo
sobre o conceito de bem-comum para que as verdades assumissem a primazia num
novo e saudável debate político.
Verdade política procura-se!
Setembro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
Anónimo, 03.09.2023 20:27: Verdade política jamais se encontra. Não existe!
Rui
Bravo Martins, 04.09.2023 09:19: Texto muito oportuno e muito bem estruturado. Estou plenamente de
acordo com o texto, e debato-me todos os dias, infelizmente, com o estado a que
chegamos quer no nosso País quer a nível internacional! Estes alertas, que
ajudam a colocar os "pontos nos iii" são preciosos. Cumprimento com
respeito. Rui Bravo Martins
COMENTÁRIOS:
Anónimo, 03.09.2023 20:27: Verdade política jamais se encontra. Não existe!
Rui
Bravo Martins, 04.09.2023 09:19: Texto muito oportuno e muito bem estruturado. Estou plenamente de
acordo com o texto, e debato-me todos os dias, infelizmente, com o estado a que
chegamos quer no nosso País quer a nível internacional! Estes alertas, que
ajudam a colocar os "pontos nos iii" são preciosos. Cumprimento com
respeito. Rui Bravo Martins
António da
Cunha Duarte Justo 04.09.2023 10:34: Boa reflexão! Verdade política não há porque política é processo e
como tal sujeita à perspectiva ou ponto de vista; tal expressa-se de maneira
especial na política de informação em relação a conflitos internacionais em que
o jogo entre o verdadeiro e o falso é propriamente reduzido a uma interpretação
unilateral dos factos. Em política o que parece valer e normal é
recorrer-se à interpretação dos factos e a interpretação é variável. Por
isso a interpretação dos factos recebe uma certa validação passadas algumas
gerações depois dos factos acontecidos. Temos um exemplo bem visível por
alguns mas não pelo povo em interpretações erróneas do 25 de abril. Factos,
causas e efeitos são baralhados de maneira a que a verdade socialmente criada
só beneficie os revolucionários.
Miguel Magalhaes 04.09.2023 12:01: Totalmente de acordo. Mas, a propósito,
estando a ler um livro sobre a Ucrânia, o autor assume a dado passo, que a NATO
efectuou manobras militares com o exército ucraniano, já no tempo de
Zelenski...Qual a verdade deste facto Henrique? Sabes?
António Fonseca 04.09.2023 16:25: Doutor Henrique Salles da Fonseca, a leitura
do seu artigo fez me lembrar do Diógenes o Cínico, de Sínope, que deambulava
pelas ruas de Atenas com uma lanterna candente à busca de um homem honesto. E
desde que a Sra Kellyanne Conway, Conselheira do Presidente Trump, introduziu o
conceito de "alternative facts" e, agora, as tais "fake
news", receio que estamos numa Babel irredutível. Entramos numa nova
Época. Muito Obrigado.
Não tenho informação para além da
que exalam os telejornais que tratam por igual a guerra em curso e as
transferências no futebol. 05.09.2023 12:34
Caro Miguel, Ignoro totalmente.
Como sabes não tenho informações para além das dos telejornais e, mesmo assim,
para saber alguma coisa sobre a guerra, tenho que ouvir as tricas domésticas e
as transferências no futebol.
Adriano Miranda Lima 05.09.2023 14:26: O Dr. Salles da Fonseca presenteia-nos com
mais uma das suas profundas reflexões sobre o homem e a conflitualidade que é
condição integrante e, aparentemente, inultrapassável do seu ser. Ela, a
conflitualidade, tem na política o seu campo dilecto de expressão, se não mesmo
de demonstração de todos os extremos a que pode chegar a natureza humana. Tudo
porque a sede do poder, fenómeno que permanece imune ao tempo e à evolução, é
que gera a polémica sobre se "o copo está meio cheio ou meio vazio",
com a discórdia a revestir tensões e desfechos grande parte das vezes contíveis
numa normalidade aceitável ou aconselhável, mas noutras ocasiões a ultrapassar
limites em que a própria conflitualidade se torna a negação do verdadeiro
sentido da vida. Sobre o golpe militar de Abril de 1974, sei, e acredito, que o
capitão do Largo do Carmo não se movimentou por qualquer orientação directa ou
indirecta de Moscovo. Ele e os seus camaradas de armas. Foi tudo concebido em
contexto corporativo, sem influências político-partidárias. Só a ingenuidade
(ou imprevidência) política dos militares permitiria a infiltração da
conflitualidade a mais indesejável no processo. Sim, a busca do "bem
comum" devia ser o único motivo para se discutir sobre a verdade ou as
virtudes das propostas políticas. Mas não é o que acontece em Portugal como na
maioria das democracias. "Apear o outro do poder" é apenas o que
conta. Os contendores da cena política nem
pudor têm em o declarar, assim como pouco se importam que a opinião pública se
aperceba de que não passam de uns cínicos e fingidores na sua maioria. Infelizmente,
é isto que se passa na maioria das democracias liberais. Só que vale a pena,
apesar de tudo, viver nelas. Basta olhar para o que é a Rússia de Putin, onde
não é permitido discutir sobre se o copo está meio cheio ou meio vazio, e quem
a isso se atreve cai da janela de um prédio alto, é abatido a tiro na rua ou é
envenenado. Um abraço amigo para o Dr. Salles da Fonseca.
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