JAIME NOGUEIRA PINTO, nos seus
competentes alertas históricos sobre o status internacional e um porvir
aparentemente condenado, se não for invertido. Muitos respondem à chamada,
comentando com saber. Mas o mundo vai crescendo em importâncias esmagadoras, e
este ocidente euro-americano nortenho pelos vistos está-se borrifando, para os BRICS em progressão numérica, numa
permissividade que pretende ser democraticamente amável e acolhedora,
gradualmente a ser ocupado pelos seus aniquiladores futuros, embora
aparentemente, ainda em situação de inferioridade, apesar dos muitos danos que
vão cometendo os primitivos da invasão.
O fim da ordem liberal internacional?
Não podemos confundir os esforços
para melhorar este mundo, comandados pela ética e pelo humanismo, cristão ou
agnóstico, com a hipócrita ou estúpida ignorância da realidade.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 16 set. 2023, 00:2240
Os valores e as regras que regulam a
repartição do espaço do mundo entre os Estados e o modo como estes se
relacionam são postas em causa sempre que há um conflito geral em que estão
envolvidas as grandes potências. Como em qualquer conflito, são
geralmente os vencedores que tratam da nova repartição territorial, dispondo
dos territórios dos vencidos e estabelecendo regras sobre os valores e
princípios que devem passar a regular as relações internacionais. Às vezes vão
mais longe e tratam mesmo de universalizar os seus princípios ideológicos e as
suas instituições, impondo-os aos vencidos e até aos neutros.
Com
a afirmação de novas ordens internacionais já se implantaram organismos
multilaterais, teoricamente independentes e igualitários, mas com mecanismos
sancionatórios ditados pelos vencedores que punem os prevaricadores. Todos
sempre apresentados como grandes conquistas da Civilização e da Humanidade.
Num mundo que começou, modernamente, por
ser eurocêntrico e depois se alargou a “todo o globo”, as grandes etapas das ordens mundiais foram a
guerra
dos Trinta Anos (1618-1648), regulada pelos Tratados da Vestfália de 1648-1649; as guerras da
Revolução e do Império (1792-1815), reguladas pelos Tratados de Viena de
1814-1815; a Grande Guerra de 1914-1918, regulada pelo Tratado de Versalhes de 1919; a Segunda
Guerra Mundial, que
não foi regulada por tratado, já que quer a Alemanha quer o Japão foram
obrigados à rendição incondicional (com as conferências entre os vencedores em Ialta e Potsdam e a Carta das Nações Unidas a
regularem a repartição territorial e a nova ordem do mundo); e
finalmente, a Guerra Fria (1948-1991), que também acabou por não ter tratado de
paz firmado, pois a União Soviética implodiu, com os vencedores
norte-americanos e, por inerência e conveniência também os europeus, a
instituírem a ordem liberal internacional.
Só que para a vitória na Guerra Fria tinham contribuído
decisivamente muitos Estados que não eram liberais nem democráticos – como a monarquia saudita, que com a escalada das
exportações de petróleo foi decisiva para atirar a URSS de Gorbatchev,
empenhada em melhorar a economia, para um buraco negro; e a China comunista que, desde a abertura
Nixon-Kissinger a Mao, tinha Moscovo por inimigo principal.
Destinada ao fracasso
A História, os Estados e os homens têm uma realidade e uma natureza
que tem pouco que ver com as narrativas globalmente correctas e o optimismo
antropológico hoje instalados como discurso dominante.
Na revista International Security (Primavera de 2019), em “Bound
to Fail: the Rise and Fall of the Liberal International Order”, John Mearsheimmer, professor de Ciência Política na
Universidade de Chicago, defensor do realismo crítico e autor do famoso The Tragedy of Great Power Politics, explicou porque é que, já então, dava por
ultrapassada a ordem internacional liberal.
Para ele, a ordem internacional liberal,
em vigor desde o fim da União Soviética (1989-1991) teria curta vida porque “os modernos Estados
nacionais” privilegiavam “a soberania e a identidade nacional” que os defendiam
das intromissões das instituições multilaterais e das migrações indesejadas. Para esta rejeição também contribuíam
razões económicas, na medida em que as classes trabalhadoras e as classes
médias dos países mais desenvolvidos passavam a ser vítimas do mercado global,
inerente à ordem liberal.
Além disso, a imposição de princípios políticos e de regimes como a
democracia liberal, obrigava a uma unipolaridade directora. E a unipolaridade
directora existente logo depois do fim da Guerra Fria era americana.
Ora, entretanto, nos vinte e cinco ou trinta anos que se seguiram, a
China cresceu e a Índia também. E se
a União Soviética desaparecia, a Rússia, embora a braços com um sério problema
demográfico, continuava a ser um forte poder militar, com uma base energética e
alimentar que lhe permitia, para mal do vizinho ucraniano, fazer o que fez e
faz. Estados como a Turquia, o Brasil ou a Arábia Saudita, têm
políticas de interesse nacional com uma plasticidade sofisticada e pouco ou
nada ideológica. E há regiões, como o Médio Oriente e a África Subsahariana, onde,
por uma série de razões, a importação da democracia não interessa às elites no
poder e as populações privilegiam o desenvolvimento e a estabilidade sobre as
liberdades políticas, que veem como um luxo que os desenvolvidos lhes querem
impor para melhor as dominar.
O
texto de Mearsheimmer é de 2019, mas tudo o que aconteceu desde então veio
confirmar a sua análise. A Covid-19 causou
uma grande perturbação na comunicabilidade de pessoas e bens e fez regredir o
comércio mundial. A invasão da Ucrânia pela Rússia veio mais uma vez confirmar a importância
dos nacionalismos: o dos russos, ameaçados por uma penetração ocidental no que
consideram o seu Heartland securitário na Eurásia; e o dos
ucranianos, afirmado e consolidado na resistência à invasão russa.
Interregno multipolar
Outros fenómenos recentes reforçam a
ideia de que caminhamos para uma ordem multipolar, como a nova etapa de
crescimento dos BRIC. Dos seis novos membros que agora
se juntam aos fundadores (Brasil,
Rússia, Índia, China, África do Sul), um é sul-americano (a Argentina),
três médio orientais (a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Irão)
e dois africanos (o Egipto e a Etiópia). Quando
se olha para a dispersão continental, para a disparidade ideológica e de regime
e para o poderio demográfico e económico de todos estes Estados, percebe-se que
os BRIC, não hostilizando directamente a ordem liberal ainda vigente (o Brasil,
a Argentina, e mesmo a Arábia Saudita, o Egipto e os Emirados, dada a relação
com Washington, não se atreveriam a tal), estão claramente noutro comprimento
de onda.
Entretanto,
a Índia, ao assumir-se como cabeça do “Sul Global” sob o
governo de um nacionalista realista como Narendra Modi e tendo exercido um
papel chave de ponte mediadora na reunião do G-20, tem vindo a afirmar-se neste
interregno como um terceiro eixo de poder.
É como se, neste caminho para uma nova
ordem – ainda não estamos numa ordem delineada, como a de Viena ou de Ialta
–, houvesse um polo em Washington, outro em Pequim e um terceiro em
Nova Deli, um bloco neutralista à moda de Bandung mas mais poderoso.
Esta é a realidade dos Estados e das
relações de continuidade e de ruptura entre eles. Não
podemos confundir os esforços para melhorar este mundo, comandados pela ética e
pelo humanismo, cristão ou agnóstico, com a hipócrita ou estúpida ignorância da
realidade. Uma das
características do pensamento ocidental foi a consciência de que os ideais de
que nos podíamos e devíamos aproximar eram uma meta tão essencial quanto
inalcançável.
Na definição dos ideais e na forma como
devem afirmar-se, ou na sua expedita redefinição e “implementação universal”, a ordem
liberal internacional que ainda vigora nas relações internas entre o bloco
norte-americano e europeu, a NATO e a União Europeia, tornou-se refém de
movimentos minoritários, mas com grande poder de manipulação e imposição
cultural. Movimentos empenhados na aplicação arrogante, cega e aleatória da
dialéctica opressor-vítima a todos os tempos e espaços e a todas as realidades
culturais e sociais.
E isso que “o resto do mundo” rejeita.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS POLÍTICA MUNDO
COMENTÁRIOS (de 40)
Rui Lima: Mais um brilhante e sábio artigo
só ao alcance de poucos, o que me chamou a atenção foi a não presença da Europa
que até à 2.ª guerra definia o mundo, está atolada nas leis e convenções que
criou que fazem dela o refúgio do mundo com custos económicos de segurança e de
futuro . (A ilha de Lampedusa recebe mais refugiados em 24 horas que os
habitantes que tem e há centenas de milhões para vir gente que prega outros
costumes , outra cultura , outra fé ) A Europa não só não conta como
deixará de existir. Entretém-se com as estátuas que devem ir abaixo , um beijo
de um treinador é o assunto maior , enquanto quem chega ou melhor os seus
descendentes, por discordarem do programa escolar sobre a igualdade de sexo,
queimam as escolas, ontem Liege e Namur Bélgica ….e serão mais, mas é segredo, pois não foi feito pelo homem branco,
só os crimes dele merecem divulgação
. Foram os heróis nacionais e suas epopeias que no passado fizeram a unidades
das nossas nações e nos deram vontade de lutar pelos nossos países , não só
deixaram de estar nos programas escolares, exemplo, em França até o herói dos
heróis, Napoleão, morreu na escola e nas comemorações , como hoje esses homens
são apresentados como criminosos, estamos matando o nosso passado, destruindo o nosso presente . GateKeeper: Caro JNP, gosto de ter sempre como livro de cabeceira o seu
"A direita e as direitas". Na minha humilde opinião, a "ordem
liberal internacional" já se finou há algum tempo; a decadência das
sociedades é tão óbvia, quase tão "física" que dói. Vivemos
tempos muito difíceis; viveremos, em breve, "tempos de chumbo". Hoje
em dia vive-se do e para o MOMENTO e pensa-se cada vez menos. Deixámos de
aprender com o nosso passado e nunca tiramos lições do nosso presente. Hoje
quem é simplesmente realista é condenado por, supostamente, ser
"fascista", "antidemocrático" , " da direita ( seja lá
isso o que for), etc, etc.. O epíteto mais "suave" que nos atiram à
cara é o de sermos "pessimistas". Infelizmente, alguns de nós
ainda negamos, p.e., NÃO sermos "woke" e FINGIMOS sê-lo porque
"dá jeito". E, contudo, mesmo assim, somos dos poucos que ainda ouvem
e lêem " a direcção do Mundo" e se importam verdadeiramente com isso.
Sobretudo evitamos confundir as primeiras árvores à beira do caminho com a
floresta. Excelente artigo meu caro Jaime. Como sempre. Bem haja. Glorioso SLB >
Rui Lima: O Napoleão era um ditador sanguinário.
Invadiu o nosso país, violou as nossas mulheres, e fugiu rico e sem punição. Ñ
compreendo um chefe de Estado português visitar Paris e ir ver a tumba desse
bárbaro.
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