Para acusar os tais? Há muito que o
primeiro passo, de idênticos atropelos foi dado por nós, valentões de fibra. Ou febra,
que comidas é connosco, igualmente.
Equinócios
Que fará Pedro Sánchez com um novo
governo diante de uma Espanha irreversivelmente atingida nos mais fulcrais
alicerces, devido às suas cedências? Como se lida politicamente com o princípio
do fim?
MARIA JOÃO AVILLEZ, Jornalista,
colunista do Observador
OBSERVADOR, 25 set. 2023, 00:2223
1Um destes dias, a foto de primeira página de um diário
espanhol dizia tudo sobre a importância do momento: em primeiro plano, o abraço
grave de Filipe Gonzalez a Alfonso Guerra –
seu vice durante anos na presidência do governo espanhol – trocado na semana
passada em Madrid no lançamento de um livro de Guerra. Apesar de há mais de vinte anos estarem em
más relações e rarissimamente se terem falado, Gonzalez e Guerra perceberam
ambos a indispensabilidade do seu gesto: trocar aquele abraço
perante uma plateia repleta de socialistas, era um imperativo.
Infinitamente mais que uma reconciliação, selava uma certeza absoluta e uma firmeza de aço: a vontade em
publicitar a revolta e a vergonha dos dois face à disponibilidade de Pedro
Sanches para liderar a caminhada explosiva da Espanha a caminho do abismo. Não há de facto palavras que cheguem para
fixar em texto a demencial irresponsabilidade de um chefe político capaz de
negociar – e sempre cedendo – a sua manutenção no poder a troco do
desmembramento da nação a que pertence. Nem adjectivos para descrever como
Sanches e uma das suas vice, Yolanda Diaz – produtora e abelha mestra de uma
manta de retalhos partidária chamada SUMAR – se têm aprimorado nesta desgraça.
Desmentindo-se a si mesmos face ao que recusavam antes da campanha eleitoral,
abrem agora com urgência os braços e com pressa as portas do poder ao Junts de
Puidgmont – detidos uns, foragidos outros, pouco recomendáveis
quase todos – e à ERC. Acedendo
Sanches a ouvir, negociar e depois prometer uma inconstitucional amnistia como
moeda de troca pelo seu apoio na investidura de um novo governo do PSOE.
Já houvera uma espécie de brinde a Puidgmont, com a recentíssima estreia
absoluta do uso de mais de uma língua no Congresso espanhol – além do
castelhano, entraram em cena no parlamento nacional o basco e o catalão –
apanhando de abismada surpresa o país inteiro e deixando uma considerável parte
dele no limbo de uma irada indignação.
Sem aviso, discussão prévia ou consulta,
foi apenas mais uma perigosa satisfação dada a Puidgmont. E pedirá ainda
mais o líder do Junts além da prometida amnistia e da tão falada
“autodeterminação”, condenadas uma e outra pelo Supremo?
2Gonzalez e Guerra foram fortíssimos na
forma e impiedosos na substância. Estava em causa o que ali os unia politicamente, “a democracia, a constituição, o
socialismo”, e o que ali os trouxera: dizê-lo em voz alta. É natural, nunca, nem um, nem
outro, se afastaram da sua própria interpretação da política e do que quiseram
fazer com ela quando há quase 50 anos ambos fundaram um PSOE “que hoje começam
a não reconhecer”:
“Dissidente
é ‘o outro’” que muda de opinião e um dia defende uma coisa e outra e outra”, e
não eu que “siempre me he mantenido en lo mismo”, desferiu Alfonso Guerra,
referindo-se a Sanches. Filipe
Gonzalez, não destoou no seu visceral apelo ao PSOE para que reagisse: “Não
conheço nenhum país democrático que introduza um elemento de autodestruição na
sua unidade e na sua integridade. Não podemos deixar-nos chantagear por ninguém
e muito menos por minorias em vias de extinção. Cada um pode ter as sua ideias
mas nunca passar por cima da legalidade. Nem a amnistia nem a autodeterminação
são constitucionais. Eu não me resigno e comigo estão muitos que também não se
resignam.”
Coincidência feliz e oportuníssima que
um passado zangado não impediu: nem Gonzalez nem Guerra têm uma só dúvida
quanto a esta questão. Que é como quem diz , e agora PSOE?
Eu não sei se Alfonso Guerra vendeu
muitos ou poucos exemplares do livro que ali lançava naquela tarde – “La Rosa e las Espinas” (La Esfera) – mas
sei que a sala transbordante e intergeracional de políticos socialistas (sem
qualquer membro da direção do PSOE), e muita sociedade civil, rejubilou. Com
razão: o abraço de dois históricos do PSOE pusera a política no
vermelho: não vale tudo.
3Tive o privilégio de entrevistar Gonzalez por três
vezes, para o Expresso (as três fotos de Rui Ochoa aqui o testemunham): duas na
oposição, parecia ele um cigano andaluz, a terceira já como Primeiro Ministro
no seu gabinete do Palácio da Moncloa. E – jóia da coroa – tivemos ainda a
honra, Mário Soares e eu, de em 1992 ter tido Filipe Gonzalez como apresentador
da tradução espanhola de um dos livros que fiz com Soares. Um momento daqueles
– um fim de tarde de inverno no Palace de Madrid – que sabemos nunca poder
esquecer mas não sabemos como agradecê-lo aos deuses.
Por tudo isto nunca perdi de vista o
caminhar político de Filipe Gonzalez como líder do PSOE, primeiro na oposição,
depois como presidente do Executivo espanhol durante anos; conseguiu ser sempre fiel á matriz da social democracia, era esse o
lugar que escolhera para si na esquerda, era dali que queria intervir,
aplicando os seus mandamentos na condução dos destinos da Espanha. Deixou
inconfundível e inesquecível impressão digital no seu partido e no seu país.
(Dizem que não acabou bem. A Historia dirá felizmente o contrário).
4Se Puidgmont não surpreende – é desde
sempre uma fonte inesgotável da água da irresponsabilidade – fico sem saber
quem é Pedro Sánchez, motor e pivot desta aventura. Que
fará se, como acaba de anunciar, conseguir formar governo de novo, diante de
uma Espanha irreversivelmente atingida nos seus mais fulcrais alicerces? Como
se lida politicamente com o princípio do fim?
O que sei é que há dias era a Espanha
que estava dentro do histórico abraço de Filipe Gonzalez a Alfonso Guerra.
5Pensei muito nisto tudo ontem, diante
do equinócio bravio de uma deserta praia atlântica. Tive pena
que as ondas debruadas do branco da espuma impedissem o mergulho, ter-me ia
afogado mas os equinócios são coisas da natureza. Contamos com elas e com a
cadência ritmada da sua certeza. Os equinócios políticos, não. São
perigosos, apanham-nos desprevenidos, podem ser selváticos. E ao contrário dos
da natureza terem vindo para ficar. O que me vale – tristíssima consolação – é
talvez ter apendido que em política pode haver sempre pior.
Em Espanha parece ser o caso.
PS: Já quase de madrugada vim a saber que Miguel
Albuquerque que ganhou as eleições de ontem na Madeira era “o” grande derrotado
delas. Media dixit. Alguma
pelo menos. Por um deputado Albuquerque não
subiu o último lance da escada mas afinal fica. Faz bem, pese aos
indignados: durante a campanha, nunca
souberam “ler” politicamente as ameaças de partidas definitivas do líder regional
do PSD, e depois dela não perceberam que o desfecho só podia ser este: ficar e
à mesma com maioria absoluta porque o que não vai faltar ao PSD são ofertas de
deputados. Já houve e já se sabe que houve e de quem houve. Chama-se a
isto política e se há político dotado,
arguto, combativo e corajoso é Miguel Albuquerque. Embora eu não
deixe de me interrogar — e isto pouco tem a ver com ele — sobre o
extraordinário facto de há quase 50 anos milhares de madeirenses, em eleições
livres, estarem tão disponíveis (ou quase exclusivamente disponíveis) para o
mesmo: o mesmo voto, o mesmo partido, as mesmas pessoas, a mesma cartilha, a
mesma cor. Não: não é só demérito
das oposições, apesar de fracas quase sempre. Vale a pena perguntar onde esteve
o engenho e a arte políticas, regional ou nacional, para inverter a tendência
nos partidos da oposição? E onde está — esteve — a sociedade civil, a
intelectualidade, a juventude, capaz de com o seu empenho e vontade inspirar
melhores lideres e exigir mais fortes partidos, intervindo, inovando e
contrabalançando? Não existe? Não se importa, não estranha? Não teria
curiosidade em mudar? Ou instalou-se simplesmente e de vez?
Não nego nem uma gota de mérito
a este poder que se eterniza: assinou grande feitos e produziu — e produz -.
grandes progressos: do nível de vida às infra-estruturas passando pela educação
e a inovação, por exemplo. Mas mesmo admitindo que tudo isso que é imenso tenha
sido mais importante que erros, abusos e insultos a República, e que Albuquerque
seja um grande político, eu espanto-me.
COMENTÁRIOS (de 23):
JOHN MARTINS: Se
da situação espanhola podermos tirar alguma lição, que nós aqui no retângulo,
saibamos pôr todas as coordenadas políticas alinhadas, para evitarmos males maiores.
Assim, parece-me imprescindível a coligação P S D + C D S + I L para
atingir uma maioria para governar sem sobressaltos. João Floriano :
Já não estamos no equinócio porque isso ainda
significaria um equilíbrio de forças. Estamos mesmo no solstício do inverno,
naquele momento do dia mais curto do ano, da noite mais longa e as luzes da
manhã teimam em não aparecer. Há um momento em que a escuridão é maior:
precisamente antes da aurora. Pode ser que estejamos precisamente nesse momento
e que tanto Espanha como Portugal com os seus execráveis regimes socialistas/comunistas
estejam assistir ao fim de um ciclo, ao momento em as trevas se adensam para
depois se dissiparem. Se assim não for a noite será longa, gelada e
insuportável. O «guapo da izquierda europea» está cego pela conservação e
usofruto do poder e refém de forças antidemocráticas como os comunistas do SUMAR
e dos independentistas catalães. O futuro não se afigura fácil mesmo que
Sánchez consiga fazer vingar a amnistia anticonstitucional. E ainda falta
perceber o que fará Filipe VI, porque se jurou defender a constituição ,
faltará à sua palavra dando a posse a um governo que ilegalmente amnistia
foragidos do JUNTS e faz tábua rasa das centenas de mortos bascos causados
pelos «antepassados» do BILDU. Tudo para se manter no poleiro. Maria Nunes: Excelente artigo. Obrigada
MJA. Sanchez vende a alma ao diabo, para manter o poder.
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