De um belo projecto científico. Que este tenha todo o êxito - no que
acreditamos, (de tal maneira se tornou perceptível na narrativa de Sofia Teixeira) - com os parabéns
antecipados à cientista DIANA MATIAS.
A Humanidade muito ganharia com isso.
David contra Golias. Poderá uma nanopartícula
derrotar tumores cerebrais?
No
Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, Diana Matias está a desenvolver
nanopartículas capazes de lutar contra um dos mais temíveis cancros do cérebro.
GONÇALO VILLAVERDE : Fotografia
OBSERVADOR, 18 set. 2023, 17:12
Quando lhe perguntamos como era em
criança, Diana Matias sopra para
o ar e revira os olhos. Dizem que que era muito irrequieta. “Parece que dei muito trabalho aos meus pais:
era muito agitada, cabeça na lua, sempre a inventar novos disparates para fazer”,
conta a cientista.
Depois ocorre-lhe uma memória que a faz
rir. “Na escola, quando as borrachas dos
colegas ficavam manchadas com tinta das canetas, eu dizia que aquilo era um
tumor.” E então esgravatava-as com a tesoura ou x-acto para os retirar. A graça da
situação está no carácter curiosamente profético: há mais de dez anos que a
cientista de 35 anos faz investigação em tumores cerebrais. Acredita
que “os cientistas têm sempre
alguma coisa especial que lhes suscita grande curiosidade e os motiva, uma
paixão” e, para ela tem sido um tipo particular de tumor cerebral:
os gliomas, especialmente os mais
malignos, os glioblastomas. São mais
comuns em idosos mas podem afectar qualquer faixa etária e têm geralmente um
péssimo prognóstico. “Acho-os
aterrorizantes e é isso que me fascina. São agressivos, rápidos, mas silenciosos.
Matreiros e sorrateiros. E nas últimas décadas não avançámos muito nos
tratamentos disponíveis. Portanto, estudar e compreender a biologia destes
tumores para identificar novos alvos terapêuticos e criar terapias eficazes é
fundamental.”
Como
acontece com muitas paixões, também esta surgiu de um acaso. No
fim da licenciatura em Bioquímica, na Universidade de Évora, conseguiu uma
bolsa para ir para o Brasil, onde queria ir aprender mais sobre doenças do
sistema nervoso central, em especial a esclerose múltipla.
Conseguiu-a, mas a investigadora que a devia receber foi para casa, de licença
de maternidade, e encaminhou-a para um colega, o cientista Vivaldo Moura-Neto, que trabalhava com tumores cerebrais,
entre eles, o glioma.
Depois dessa experiência, Diana voltou para Portugal, mas já não
largou o tema: fez o
mestrado em Investigação Biomédica, na Universidade de Coimbra, onde usou uma
nova estratégia terapêutica contra os tumores cerebrais e, em 2013, regressou
ao Brasil, ao mesmo laboratório onde aprendeu sobre gliomas, para fazer o
doutoramento sobre novos alvos terapêuticos no glioma e nas suas interações com
o microambiente imunitário.
Depois houve outro contacto fortuito,
desta vez com nanopartículas. Percebendo as potencialidades que podiam ter no tratamento deste
tipo de cancro, quis aprender mais sobre elas e rumou a Londres, onde esteve
entre 2018 e 2022, ocupando um cargo de pós-doutorada no laboratório de
Giuseppe Battaglia, na University College London, onde desenvolveu novos sistemas
de administração de fármacos para o tratamento do glioma.
No ano passado Diana Matias venceu uma bolsa Junior Leader, da
Fundação “la Caixa”, que lhe deu oportunidade de regressar a Portugal e começar
a sua própria linha de investigação que pretende desenvolver nanopartículas
superselectivas para promover a atividade do sistema imunitário contra as
células cancerígenas. Do glioma, claro.
O primeiro desafio de qualquer
terapêutica que precise de chegar ao cérebro é passar a barreira hematoencefálica, uma membrana permeável com alta selectividade
que o protege da entrada de “inimigos”: substâncias
neurotóxicas que circulem no sangue. Mas essa
defesa também torna difícil a passagem de qualquer terapêutica para o seu
interior. Para conseguir esta entrada, Diana vai usar nanopartículas. São estruturas minúsculas, medidas em nanómetros, que
têm uma ordem de grandeza – ou de pequenez – difícil de compreender: a relação
entre um nanómetro e um metro é comparável à relação entre o diâmetro de uma
bola de ténis e o diâmetro do planeta Terra.
As partículas que Diana Matias está a usar neste projecto têm cerca
de cem nanómetros, mas não é o facto de serem tão pequenas que as ajuda a
passar a barreira hematoencefálica. Elas funcionam como uma chave para entrar
no cérebro. “São
decoradas na sua superfície com péptidos [biomoléculas formadas pela ligação de
dois ou mais aminoácidos] (…), o que permite o transporte através de mecanismos
específicos para dentro do parênquima cerebral”, explica a investigadora.
A ideia é que, depois de entrarem, iniciem um confronto que nos é favorável entre as células T [do sistema imunitário, responsáveis pela defesa do
organismo] e as células tumorais. Esta
é uma estratégia que está em linha com uma grande tendência actual no desenvolvimento
de novos tratamentos contra o cancro: activar o sistema imunitário do doente
para que ele trabalhe contra o cancro, como deveria – e não a favor dele, como
acontece. “Estas nanopartículas
funcionam com um íman, atraindo para si tanto as células T, como as células
tumorais. Isso faz com que fiquem próximas e haja um conflito. As
células T são activadas e libertam citocinas e enzimas que destroem as células
tumorais.” Por serem tão específicas, estas
nanopartículas conseguem não só evitar as células saudáveis, como ser
programadas para atrair vários tipos de células tumorais, o que resolve outro
dos actuais problemas no combate ao cancro: a
heterogeneidade de mutações celulares de cada tumor.
Nos próximos dois anos, Diana estará
a trabalhar em dois tipos de experiências, para aferir a eficácia destas
nanopartículas: in vitro,
com amostras de gliomas de doentes operados, a partir das quais cria
organóides, ou seja, culturas de células em três dimensões que mimetizam
características do órgão e do tumor; e em modelos animais, com ratinhos.
Nada lhe daria mais alegria, no final do projecto, daqui a dois
anos, do que ver nestes modelos uma activação das células do sistema imunitário
e uma redução dos tumores. E concluir que esta é uma estratégia vencedora, que
tem condições para continuar a ser investigada e apurada até chegar aos
doentes. Mas se não for esse o caso, também não pretende desistir. Assume-se
como teimosa e acredita no provérbio “água mole em pedra dura, tanto bate até
que fura.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma
parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projecto de Diana Matias, do Instituto de Medicina
Molecular, foi um dos seleccionados para financiamento pela fundação sediada em
Barcelona, ao abrigo da edição de 2022 do programa de bolsas de Pós-Doutoramento
Junior Leader. A investigadora recebeu trezentos mil euros por
três anos. As bolsas Junior
Leader apoiam a contratação de investigadores que pretendam
continuar a carreira em Portugal ou Espanha nas áreas das ciências da saúde e
da vida, da tecnologia, da física, da engenharia e da matemática.
INICIATIVAS
OBSERVADOR OBSERVADOR CIÊNCIA NEUROCIÊNCIA FARMÁCIAS PAÍS
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