Deturpação abusiva e fraudulenta - primeiro dos livros, agora dos filmes –
clássicos (ou menos clássicos) – pelos actuais fazedores de um falso moralismo
a merecer varapau, de tão pedante e hipócrita. Jaime Nogueira Pinto, como lutador e intelectual, tenta advertir
sobre um tal escândalo que nos leva ao nazismo e aos seus apuramentos rácicos
criminosos. Que Jaime Nogueira Pinto nunca se canse de nos elucidar, no seu
contributo para desemburrar uma tal nova sociedade pretensiosa e fútil.
A
Fábrica dos Sonhos: uma advertência
Quem são as
auto-denominadas Mentes Inclusivas que ditam cortes, correcções e alterações a
tudo o que vai sendo contado às crianças e divulgado ao povo?
JAIME NOGUEIRA
PINTO, Colunista do OBSERVADOR
OBSERVADOR, 09
set. 2023, 00:19
Walt Disney era um cristão congregacionista e um republicano
conservador que queria perpetuar nas suas produções o culto do sonho e da
fantasia para “divertimento familiar”. Era um homem claramente de direita,
que aderira ao primeiro America
First, o de Charles
Lindbergh (tal como o jovem John F.
Kennedy e um outro futuro presidente
dos EUA, Gerald Ford); e que, em 1944 – juntamente com Gary Cooper, Cecil B. De Mille, Victor
Fleming, John Ford, Clark Gable, Adolphe Menjou, Robert Montgomery, Dick
Powell, Ayn Rand, Ronald Reagan, Ginger Rogers, Barbara Stanwick, Robert
Taylor, King Vidor, John Wayne e Sam Wood e outros – fundara a Motion
Pictures Aliance for the Preservation of American Ideals, contra
o radicalismo de esquerda que ameaçava invadir Hollywood e em nome da vasta
maioria do público e “da vasta maioria não organizada” dos que trabalhavam
“nesse grande meio de expressão, o Cinema.”
Da vasta maioria às vastas minorias
Na
impossibilidade de cancelar alguns dos velhos clássicos ou de os refazer a
todos de modo a não melindrar todo um conjunto potencialmente infindável de
minorias reais e imaginárias, a Disney passa agora a incluir,
obrigatoriamente, uma advertência:
“Este programa inclui representações negativas e/ou tratamento
pejorativo de pessoas ou culturas. Estes estereótipos eram incorrectos na época
e continuam agora a sê-lo. Em vez de os remover, queremos reconhecer o seu
impacto prejudicial, aprender com ele, e despertar um diálogo para criarmos
juntos um futuro mais inclusivo”.
O tratamento caricatural dos
“povos asiáticos” nos Aristogatos;
o coro racista dos corvos em Dumbo; o retrato “unidimensional” dos índios no Peter Pan ou o “orientalismo” de Aladino, merecem especial
referência.
Entretanto, para combater os
estereótipos, as novas princesas da Disney tendem a engolir sapos com bravura,
a levar uma existência gélida e solitária e a prescindir de príncipes (talvez
uma minoria a considerar brevemente). As auto-determinações e preferências sexuais minoritárias têm também vindo
a ser incluídas nos novos filmes infantis, proporcionando a muitos pais o
“divertimento familiar” de pré-visionar cuidadosamente todo e qualquer filme da
Disney que não contenha disclaimers, ou advertências de incorrecção (garantia
de que são anteriores ao afã inclusivo).
É, no entanto, do remake não-animado de Branca
de Neve que tem vindo grande parte da animação polémica – e não é por a protagonista, Rachel Zegler, se
identificar como “latina”, adaptando à era do aquecimento global a nevada
branquitude de Branca; nem tão pouco pelo cancelamento do beijo não-consentido
do Príncipe (aliás, escusado, uma vez que Branca se
apresentava agora uma princesa moderna e “desperta”): o problema
vinha agora dos anões, ou de alguns anões. É que nesta versão da
história, com vista a não ofender a minoria em causa, os anões já não eram
anões (ou havia só um anão), eram “magic creatures” de vários tamanhos, géneros
e grupos étnicos.
Peter Dinklage, o popular
anão de A Guerra dos
Tronos, disse-se satisfeito com a decisão
da Disney de banir “estereótipos fora de moda”; mas logo na indústria
cinematográfica se levantou o protesto dos actores-anões no desemprego: que
outra melhor oportunidade poderiam ter? Peter Dinklage descobrira a mina de oiro, açambarcava todos os
bons papéis de anão e falava de barriga cheia. O porta-voz da Little People
of America, uma associação sem fins lucrativos dedicada ao bem-estar das
pessoas “of little stature and
their families”, foi dos que mais se indignou com a declaração do
popular actor: quem era Dinklage para
falar em nome dos anões? E porque é que no filme de Rupert Sanders, Snow White and the Huntsman (Branca de
Neve e o Caçador) não havia anões – ou
antes, os anões eram interpretados por actores de estatura normal, como Ian
Mcshane, Bob Hoskins e Ray Winstone, usando duplos e manipulação digital? Os
anões deviam ser representados por anões, tudo mais era “apropriação cultural”.
Mentes pouco inclusivas
Mas
a reescrita correctiva de antigos clássicos não se fica pelo cinema
norte-americano nem pela Disney. O zelo atinge também a obra de Agatha
Christie, que está agora a ser censurada com
a autorização e a cumplicidade dos seus herdeiros. Assim, para cortar o mal
pela raiz e evitar mal-entendidos, Ten Little Niggers, o célebre policial de 1939, passará à designação
mais neutra de And then There Were None.
Roald Dahl (1916-1990), o popular escritor britânico de livros infantis, com
mais de 300 milhões de exemplares vendidos, também sofreu igual sorte. Entre as
palavras censuradas na obra de Dahl estão fat, ugly, crazy e female. Mother e father foram
também convenientemente substituídos pela mais fluída e inclusiva designação
de parents.
“Vandalismo”, é como C. J. Box, autor
americano de best-sellers e criador de Joe Pickett, classifica a
actual fúria censória, sugerindo que os escritores passem a incluir nos seus
contratos cláusulas que proíbam expressamente que fiscais que “não devem muito
à inteligência” façam “correcções imbecis” às suas obras. Salman Rushdie foi
outra das mentes pouco inclusivas a definir as alterações aos livros de Dahl
como um “vergonhoso e absurdo” exercício de censura.
No Reino Unido, entre os 63%
dos inquiridos que se pronunciaram contra as correcções aos livros de Dhal
promovidas pela Inclusive Minds estão grande parte dos escritores, o
primeiro-ministro, Rishi Sunak, e a própria “Rainha má”, Camila, a Rainha
consorte, grande entusiasta da promoção da leitura entre crianças e
adolescentes. Numa reunião com escritores em Clarence House, em
Fevereiro deste ano, Camila exortou os
presentes a não se deixarem pressionar e impressionar por quem acaso
pretendesse “cortar a vossa liberdade de expressão ou impor limites à vossa
imaginação.” E, glosando uma passagem de John Steinbeck, pediu-lhes
ainda que, nas suas obras, “não chiassem, temerosamente como ratos, mas
rugissem orgulhosamente como leões”, terminando, entre risadas cúmplices dos
ouvintes, com um “E mais não direi.” Mas disse, ou escreveu, mais, pedindo
por carta ao editor de Dhal que, em
nome da liberdade de expressão, mantivesse a versão original dos seus livros,
ainda que a par da versão corrigida pelas “Inclusive Minds”, se preciso fosse.
Depois da carta da Rainha, o Editor
Puffin anunciou que além da edição corrigida, censurada e inclusiva, publicará
uma versão integral, sem alterações.
A fada-madrinha da inclusão
Mas quem são estas auto-denominadas Mentes Inclusivas que ditam
cortes, correcções e alterações a tudo o que é contado às crianças e divulgado
ao povo? São, segundo as mesmas, “pessoas apaixonadas pela inclusão e
acessibilidade da literatura infantil” e empenhadas em “não ferir ou agredir
sensibilidades”, contando para isso com toda uma vasta gama de “inclusivity
ambassadors and sensitivity readers”, de idades compreendidas entre os oito e
os trinta anos. Ora toda esta legião de embaixadores da inclusão e de
leitores de sensibilidades reporta – ou reportava, até há pouco – a Jo Ross Barrett.
Googlando Jo Ross Barrett ficamos a saber que a fada-madrinha da
correcção ideológica é, nas suas próprias palavras, “an experienced writer,
editor and inclusion consultant” que possui o dom da pluralidade e da inclusão,
reivindicando desde logo para si o pronome they. Define-se também como “a queer
autistic non-binary person with depression and anxiety”, cujas áreas de
especialidade incluem “aromantic-and assexual-spectrum topics, the bi umbrela,
disability, gender (including transgender and non-binary topics) and
intersectional feminism”. Foi esta pessoa “eles” que liderou a equipa
responsável por censurar e reescrever os livros de Dahl de modo a adaptá-los às
crianças de hoje bem como outros livros da Macmillan Children’s Books, da
Penguin Random House Children’s e da Raspberry Books. Fica a advertência.
POLITICAMENTE
CORRETO SOCIEDADE WALT DISNEY CINEMA CULTURA LITERATURA
INFANTIL FAMÍLIA LIFESTYLE DESENHOS
ANIMADOS
COMENTÁRIOS (de 28):
Jorge Tavares: Sem dúvida que nos tempos
actuais da "democracia" de pensamento único que se vive em Portugal,
a televisão só serve para ver filmes. Evitar ver noticiários e acima de tudo
evitar ouvir os "comentadeiros" do regime.
Entre ouvir a propaganda mentirosa do camarada Daniel Oliveira e ler
João Pedro Marques a desmontar as mentiras do camarada Daniel Oliveira, mil
vezes ler João Pedro Marques; mil milhões de vezes. Riaz
Carmali: Bem-vindo de volta caro Jaime. Posso discordar de si
em várias matérias mas respeito-o pelo intelectual que é. Apreciei bastante este
texto, a começar pelas primeiras linhas, que para quem sabe ler nas entrelinhas
diz muita coisa correcta..... Talvez na
próxima semana as possa desenvolver melhor. Um
bem haja para si e para os seus Manuel
Cabral: Até agora, escapou ao autor e aos comentadores uma
referência à extraordinária decisão do actual 1.º ministro despejar dinheiro em
cima dos órgãos de comunicação social por altura da pandemia a fim de esses
órgãos despejarem por seu turno a propaganda socialista em cima dos
telespectadores... O «Observador» foi o único ou um dos pouquíssimos órgãos de
comunicação que recusaram ser comprados pelo 1.º ministro com o nosso dinheiro!
Pergunto-me se essa descarada compra de espaço propagandístico pelo governo do
PS ainda continua, por ex. em nome da guerra a seguir à pandemia e ao «bónus
bilionário» que a UE deu a cada país e que o governo português parece ainda não
tê-lo utilizado a sério enquanto os prazos caducam! klaus
muller > João Floriano: Tem razão, João. Aliás, acho que o OBS é mais macio com a
extrema esquerda do que com o Chega. Mas é o que temos... João Floriano > Manuel Cabral: Boa tarde Manuel Cabral: Para
além de ter comprado os órgãos de CS, o PS permitiu igualmente que pudessem ser
controlados por conhecidas figuras de esquerda e extrema esquerda, sobretudo
bloquistas. São eles que põem e dispõem no que diz respeito aos conteúdos e
quem pode ou não aparecer e trabalhar na CS. E obviamente só os amigos o podem
fazer. São verdadeiros propagandistas do regime e dos valores woke. Um governo
alternativo ao PS terá de fazer uma grande limpeza nos órgãos de CS ou terá
neles um inimigo feroz pronto a boicotar tudo o que os novos governantes
quiserem implementar. Quanto ao bónus bilionário, não tenhamos grandes
esperanças porque o atraso na aplicação das verbas resulta em parte do
desinteresse da sociedade civil, dos privados que têm sido boicotados pelo
governo de esquerda. O PS não faz, nem deixa fazer. Quanto ao Observador não
ter aceite o dinheiro PS, não o impede de ser extremamente simpático com a
esquerda e com partidos que a esquerda considera inofensivos. Há outros, ou
melhor um outro em que de um modo geral se aplica a linha vermelha, embora se
permitam ocasionalmente artigos e comentários a favor. Portanto o Observador
não é um modelo de isenção, mas é o que se arranja. klaus
muller > Manuel Cabral: Eu também gostava de saber, mas
por fonte credível e não pelo Costa e amigos, se a nossa CS, principalmente as
TVs, continuavam a ser sustentadas pelo governo. João Floriano > Riaz Carmali: Bom dia estimado Riaz. Concordo
totalmente consigo e penso que se impõe um debate sério sobre o domínio dos
meios de CS pelo PS e pela esquerda, domínio esse que se concretiza na
propaganda do regime, como em qualquer democracia imperfeita a caminho de uma
ditadura ou se preferirmos uma ditadura mascarada de democracia. Desejo-lhe um excelente fim-de-semana. Maria Nunes: Bem-vindo, JNP. Nos tempos que
correm é muito saudável ver bons filmes em vez de ouvir alguns comentadores na
TV. Precisamos urgentemente de pessoas qualificadas e isentas para o debate
político.
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