sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Um texto

 

Que recebi no meu Gmail, com o seguinte título:

«O espírito de Eça de Queirós, incarnado pelo ChatGPT, escreve sobre a transladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional»

Comecei por consultar na Internet o significado de “ChatGTP”, ao que parece, um pretenso modelo de imitação de linguagens que não sabia que existia, e que me deixa preocupada sobre o extraordinário alcance de tão “desonesta?” proposta que o futuro depurará com cada vez maior proximidade imitativa propícia a registos fraudulentos, de assustadoras consequências, a nível do plágio, mas admito que talvez não tenha entendido bem o texto, de que extraio apenas o parágrafo:

«O ChatGPT foi lançado em 30 de novembro de 2022, pela OpenAI – com sede em São Francisco (a criadora da série inicial GPT de modelos de linguagem grande; DALL-E 2, um modelo de difusão usado para gerar imagens; e o Whisper, um modelo de transcrição de fala) »

Todavia, ao ler a crónica, que pretende traduzir o “espírito” de Eça de Queirós, fiquei mais descansada, sobre a questão do plágio, pela total disparidade entre esse e o estilo da composição, em nada expressivo da linguagem queirosiana, cujo humor ressalta também da variada gama conotativa dos seus registos gramaticais de alegre visualização analítica das próprias atitudes das suas personagens, sem que a presença do autor se faça sentir, como é o caso do humor crítico demasiado directo e agressivo do texto citado, que não nos faz sorrir, ao contrário do estilo queirosiano, de uma dimensão humana e humorística inimitáveis:

«O espírito de Eça de Queirós, incarnado pelo ChatGPT, escreve sobre a transladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional»

"Ah, caros amigos, que cena memorável foi a transladação dos meus restos mortais para o tão augusto e marmóreo Panteão Nacional! Um espetáculo de pompa e circunstância, onde as excelências, engravatadas como pavões em dia de gala, desfilavam com uma gravidade cómica, qual procissão de almas perdidas em busca do protagonismo perdido.

Ali estavam os políticos do nosso amado Portugal, disputando entre si o melhor ângulo para a fotografia histórica. Ora, não lhes leveis a mal – o seu zelo não era por mim, pobre cadáver literário, mas pela luz do flash, essa que ilumina mais que o espírito da literatura. Uns com o semblante solene de quem nunca abriu um dos meus livros, outros com discursos decorados à última hora, mal contendo os risos ao citar “Os Maias”, obra que, presumo, pensavam ser sobre horticultura.

E os poderosos, esses senhores que governam com um misto de ignorância e convicção, lá estavam também, como se a minha transladação fosse, de repente, um triunfo da pátria. Falavam de valores e cultura, enquanto um deles, não identificado mas demasiado familiar, consultava apressadamente o telemóvel para verificar a popularidade do evento nas redes sociais.

Ah, e o povo, que maravilha! Algumas almas sinceras, outras apenas curiosas, vinham assistir ao espetáculo como quem vai ao circo – e com razão, pois o circo era grande. Vi rostos admirados a perguntar: “E quem era este Eça, afinal?” Não lhes culpo, pois os meus livros não são tão populares como a bola ou a telenovela, mas ainda assim, confesso, senti um ligeiro desconforto ao ouvir um petiz perguntar se eu era um novo treinador da seleção.

E lá me levaram, como uma espécie de troféu literário, para repousar ao lado dos grandes vultos da nação. Ah, se eles soubessem o quanto critiquei a vaidade, a hipocrisia e o formalismo, talvez tivessem pensado duas vezes antes de me colocar no meio de tão ilustres companhias. Mas, enfim, o Panteão é a última ironia da minha vida – ou da minha morte – e por isso aceito-a com o mesmo sorriso mordaz com que vos retratei a todos.

Que descansem bem, meus senhores. Eu, por cá, ficarei eternamente a observar-vos, do alto do mármore, com a mesma verve que me fez imortal."

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