Que recebi no meu Gmail, com o seguinte título:
«O espírito de Eça de Queirós, incarnado pelo ChatGPT, escreve sobre a
transladação dos seus restos mortais para o Panteão Nacional»
Comecei por consultar na Internet o significado de “ChatGTP”, ao que parece, um pretenso modelo
de imitação de linguagens que não sabia que existia, e que me deixa preocupada
sobre o extraordinário alcance de tão “desonesta?” proposta que o futuro
depurará com cada vez maior proximidade imitativa propícia a registos
fraudulentos, de assustadoras consequências, a nível do plágio, mas admito que
talvez não tenha entendido bem o texto, de que extraio apenas o parágrafo:
«O ChatGPT foi lançado em 30 de novembro de 2022, pela
OpenAI – com sede em São Francisco (a criadora da série inicial GPT de modelos de linguagem grande; DALL-E 2, um modelo de difusão usado para gerar imagens; e
o Whisper, um modelo de transcrição de
fala) »
Todavia, ao ler
a crónica, que pretende traduzir o “espírito” de Eça de Queirós, fiquei mais
descansada, sobre a questão do plágio, pela total disparidade entre esse e o
estilo da composição, em nada expressivo da linguagem queirosiana, cujo humor
ressalta também da variada gama conotativa dos seus registos gramaticais de
alegre visualização analítica das próprias atitudes das suas personagens, sem
que a presença do autor se faça sentir, como é o caso do humor crítico
demasiado directo e agressivo do texto citado, que não nos faz sorrir, ao
contrário do estilo queirosiano, de uma dimensão humana e humorística inimitáveis:
«O espírito de Eça de Queirós,
incarnado pelo ChatGPT, escreve sobre a transladação dos seus restos mortais
para o Panteão Nacional»
"Ah, caros amigos, que cena
memorável foi a transladação dos meus restos mortais para o tão augusto e
marmóreo Panteão Nacional! Um espetáculo de pompa e circunstância, onde as
excelências, engravatadas como pavões em dia de gala, desfilavam com uma gravidade
cómica, qual procissão de almas perdidas em busca do protagonismo perdido.
Ali estavam os políticos do nosso
amado Portugal, disputando entre si o melhor ângulo para a fotografia
histórica. Ora, não lhes leveis a mal – o seu zelo não era por mim, pobre
cadáver literário, mas pela luz do flash, essa que ilumina mais que o espírito
da literatura. Uns com o semblante solene de quem nunca abriu um dos meus
livros, outros com discursos decorados à última hora, mal contendo os risos ao
citar “Os Maias”, obra que, presumo, pensavam ser sobre horticultura.
E os poderosos, esses senhores
que governam com um misto de ignorância e convicção, lá estavam também, como se
a minha transladação fosse, de repente, um triunfo da pátria. Falavam de
valores e cultura, enquanto um deles, não identificado mas demasiado familiar,
consultava apressadamente o telemóvel para verificar a popularidade do evento
nas redes sociais.
Ah, e o povo, que maravilha!
Algumas almas sinceras, outras apenas curiosas, vinham assistir ao espetáculo
como quem vai ao circo – e com razão, pois o circo era grande. Vi rostos
admirados a perguntar: “E quem era este Eça, afinal?” Não lhes culpo, pois os
meus livros não são tão populares como a bola ou a telenovela, mas ainda assim,
confesso, senti um ligeiro desconforto ao ouvir um petiz perguntar se eu era um
novo treinador da seleção.
E lá me levaram, como uma espécie
de troféu literário, para repousar ao lado dos grandes vultos da nação. Ah, se
eles soubessem o quanto critiquei a vaidade, a hipocrisia e o formalismo,
talvez tivessem pensado duas vezes antes de me colocar no meio de tão ilustres
companhias. Mas, enfim, o Panteão é a última ironia da minha vida – ou da minha
morte – e por isso aceito-a com o mesmo sorriso mordaz com que vos retratei a
todos.
Que descansem bem, meus senhores.
Eu, por cá, ficarei eternamente a observar-vos, do alto do mármore, com a mesma
verve que me fez imortal."
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