terça-feira, 14 de janeiro de 2025

E a indissolubilidade

 

Do matrimónio pela Igreja Católica, ao provocar os imensos “casos de mancebia” por cá, seria responsável pelo desligar das convenções matrimoniais ancestrais, multiplicando as uniões de facto, sem direito a novos casamentos de direito e possibilitando o  O TEMPORA O MORES das reflexões justiceiras.

O que é isso de revolução sexual?

60 anos volvidos sobre a alegria esfuziante e libertadora da revolução sexual, é tempo de reavaliar as suas consequências e compreender melhor o preço que, como indivíduos e sociedade, estamos a pagar

OBSERVADOR, 13 jan. 2025, 00:1851

1Convicções de luxo

Regressemos a Rob Henderson e à sua expressão “convicções de luxo”. No seu artigo, Henderson explica que a ideia surgiu quando uma colega da Universidade de Yale lhe disse que “a monogamia se tinha tornado obsoleta e não seria boa para a sociedade”. Considerando a complicada infância que tinha tido, Henderson ficou surpreendido com esta posição e perguntou à colega pelo seu contexto familiar e se planeava casar. E, sim, a colega vinha de uma família estável e rica e pretendia ter um casamento monogâmico – “mas acrescentou rapidamente que o casamento não tem de valer para todos”.

Considerar que todas as estruturas familiares são igualmente válidas – uma posição que as elites intelectuais progressistas tendem a defender – constitui, para Henderson, uma típica convicção de luxo: uma ideia que defendemos para nos dar prestígio social, mas que, consideradas as suas consequências negativas, não pretendemos pessoalmente pôr em prática. Contudo, como são defendidas pelas elites, estas ideias tendem a influenciar a cultura e as normas sociais pelo que os seus impactos passam a ser sentidos pelas classes socais mais desfavorecidas.

É precisamente o que acontece com a desvalorização social do casamento enquanto compromisso estável e duradouro entre duas pessoas. Afinal,

“[o]s dados provam que as famílias com dois pais casados são as mais benéficas para as crianças pequenas. E, no entanto, é mais provável que pessoas ricas, educadas e criadas por dois pais casados defendam que a monogamia está ultrapassada, o casamento é uma farsa ou que todas as formas familiares são iguais.”

Brad Wilcox, director do National Marriage Project da Universidade da Virginia e que publicou, em 2024, o livro Get Married: Why Americans Must Defy the Elites, Forge Strong Families, and Save Civilization, denuncia esta atitude das elites como uma terrível hipocrisia:

 “Muitas elites – professores, jornalistas, educadores e outros formadores de cultura – desconsideram ou negam publicamente a importância do casamento, da família de dois pais e o valor de fazer tudo o que for possível para “ficar juntos para o bem das crianças”, apesar de, em privado, valorizarem cada uma destas coisas. Em matéria de família, “falam à esquerda”, mas “andam à direita” – uma forma invulgar de hipocrisia que, por muito bem-intencionada que seja, contribui para a desigualdade norte-americana, aumenta a miséria e raia o imoral.”

2 O gap familiar

Para compreendermos de que modo a ideia da obsolescência do casamento se popularizou entre as elites progressistas norte-americanas, temos de regressar às décadas de 1960 e 1970 e identificar o espírito de contracultura daqueles anos. No Ocidente, a geração que tinha nascido após a segunda guerra mundial revoltava-se contra os valores conservadores da chamada “geração silenciosa”, que tinha, silenciosamente, sofrido o impacto das guerras e triunfado. Nascidos num conforto material incomparável, esses jovens chegaram às universidades desejosos de mais liberdade e igualdade e indisponíveis para participar em incursões militares. A revolta era direccionada contra as hierarquias e todas as formas de manifestação de poder e autoridade, entendidas como opressoras da liberdade individual – um sentimento consagrado em Paris com um dos slogans mais relevantes do Maio de 68:É proibido proibir.

No meio académico, as influências combinavam princípios marxistas, intuições estruturalistas e, em particular, a defesa freudiana da libertação das pulsões biológicas, nomeadamente sexuais – uma mistura representada especialmente bem por Herbert Marcuse, considerado o pai da Nova Esquerda.

É este espírito de libertação que dá forma à designada revolução sexual, que visava libertar corpos e mentes das regras sociais que determinavam o que era ou não admissível na esfera do corpo, nas relações e na família. E libertaria, em particular, a mulher, como proclamado por Germaine Greer, em 1970, com a publicação de The Female Eunuch.

Estávamos em plena segunda vaga do feminismo e, nesse contexto, a família era apresentada como estrutura social particularmente opressora para a mulher, em resultado da sua essência burguesa e patriarcal. Emancipar a mulher e garantir a sua condição de igualdade parecia assim requerer uma  redefinição (para alguns, mesmo a destruição) da instituição familiar, para que desses escombros pudessem surgir novas formas de organização menos sujeitas à lógica do “casamento tradicional”. Foram estas ideias que se tornaram culturalmente populares, simbolizando a abertura de espírito e o avanço do arco moral em direcção ao progresso e que continuam a ser usadas pelas elites intelectuais e económicas para simbolizar o espírito progressista.

No entanto, ao mesmo tempo que tinham este discurso público, as elites continuaram a constituir família no contexto de um casamento monogâmico e estável, com o seguinte resultado registado nos Estados Unidos: desde a década de 1960, os casamentos diminuíram, os divórcios aumentaram e as famílias monoparentais multiplicaram-se… em particular nas classes trabalhadoras e pobres. E é esta discrepância que tem vindo a ser designada como “gap familiar” entre os mais ricos e os mais pobres, com especiais consequências para as crianças. Como diz o sociólogo Andrew Cherlin: São os norte-americanos privilegiados que se casam, e o casamento ajuda-os a manterem-se privilegiados”.

3O sucesso do casamento

Esse fosso familiar é tão evidente que Melissa Kearney publicou, em 2023, um livro intitulado The Two-Parent Privilege para revelar como a questão familiar constitui um dos fatores mais relevantes do problema das desigualdades económicas nos Estados Unidos. De facto,

“a investigação mostra que as crianças de lares com pais casados tendem a apresentar menos problemas de comportamento, a ter menos sarilhos na escola ou com a lei, a atingir níveis de educação mais elevados, a obter rendimentos mais elevados e a ter taxas mais elevadas de casamento.”

E, como já vimos, as consequências são ainda mais graves para os rapazes. De acordo com o Institute for Family Studies, os jovens que cresceram sem a presença do pai biológico estão mais ausentes das universidades e do mercado de trabalho e mais presentes nas prisões.

O tema não é, na verdade, novo. Em 1965, Daniel Patrick Moynihan publicou o famoso Relatório Moynihan (que se tornaria politicamente inaceitável) e Isabel Sawhill dedicou décadas de investigação à causa familiar (há quem entenda que o livro Generation Unbound, publicado em 2014, é a sua desistência). Mas a consistência dos estudos que continuam a ser feitos e uma certa resposta contra-cultural têm permitido colocar o assunto na ordem do dia com mais pertinência.

Consideremos o trabalho de Brad Wilcox em torno da designada “sequência de sucesso” para que uma nova narrativa cultural substitua aquela que desvaloriza o casamento. De acordo com as suas investigações, a melhor forma de os membros das classes pobres aumentarem a sua mobilidade social é percorrerem os seguintes passos: 1) terminar, pelo menos, o ensino secundário; 2) trabalhar a tempo inteiro enquanto se está na casa dos 20 anos; e 3) casar antes de ter filhos. Esta é também a melhor fórmula de evitar que as crianças cresçam em contexto de pobreza.

Esta nova narrativa deveria, assim, ser enquadrada nas reflexões mais amplas de combate à pobreza, e é particularmente importante entre as classes mais desfavorecidas e com menos estudos. Como os investigadores notam, nos meios mais abastados, os pais tendem a esforçar-se mais para manter o casamento, mesmo com todas as dificuldades e problemas pessoais, por causa das crianças. É junto dos outros grupos sociais que o divórcio é mais recorrente.

Mas o casamento não constitui apenas uma vantagem económica: de acordo com o estudo realizado por Sam Peltzman sobre “demografia social e política da felicidade”, as pessoas casadas são mais felizes do que as solteiras; outro estudo revela que o casamento parece ajudar a prevenir as “deaths of despair”; e Kay Hymowitz remete para “o inextinguível impulso humano para a união de pares” que ajuda a explicar a persistência da família nuclear ao longo da história da humanidade e a satisfação por ela gerada.

Existem, claro, situações graves em que o casamento não se deve manter – em particular quando há crianças envolvidas (o argumento funciona, nesses casos, ao contrário). Mas, sessenta anos volvidos sobre a alegria esfuziante e libertadora da revolução sexual, estamos hoje no momento de reavaliar as suas consequências e compreender melhor o preço que, como indivíduos e sociedade, estamos a pagar, nomeadamente, na perda de sentido e felicidade.

Afinal, como diz Christine Emba, no seu maravilhoso Rethinking Sex: “Podemos desejar liberdade hoje, mas queremos sentido amanhã e para o resto das nossas vidas.”

SEXUALIDADE     AMOR E SEXO     LIFESTYLE     FAMÍLIA     COMPORTAMENTO     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 51)

Carlos Chaves: Fico à espera da segunda reflexão da Patrícia Fernandes sobre este tema, se for tão boa como esta primeira, finalmente começamos a assistir à probabilidade de voltarmos ao normal, de antes das várias ideias impostas pelos “progressistas”, leia-se de pela esquerda! A família tradicional, com o casamento incluído, é a célula base de uma sociedade funcional!                     Jorge Mayer: Muito bem fundamentado, com amplas fontes. Mais uma vez parabéns! Faz pensar e bem, com sustentação e moderação! Muito obrigado!                    Alberto Mendes: A Patricia, sozinha, vale a assinatura. Pena a redação do OBS não ler os livros e autores que cita. Obrigado.               Meio Vazio: Lê-la é também um privilégio.                    Meio Vazio: O que estudantes do ISCTE e da FCSH da Nova teriam a ganhar com uma professora (!) destas!...                    Domingas Coutinho: Excelente! Afinal qual é o objectivo do ser humano? Não será ser feliz? E será que se conseguiu com esta revolução sexual? Os divórcios a torto e a direito resolvem de facto os problemas?        joao lemos: Excelente artigo e bem fundamentado. Desagradável para os mesmos do costume.

 

Nenhum comentário: