Do matrimónio pela Igreja Católica, ao provocar os imensos “casos de
mancebia” por cá, seria responsável pelo desligar das convenções matrimoniais
ancestrais, multiplicando as uniões de facto, sem direito a novos casamentos de
direito e possibilitando o O TEMPORA O
MORES das reflexões justiceiras.
O que é isso de revolução sexual?
60 anos volvidos sobre a alegria esfuziante e libertadora da
revolução sexual, é tempo de reavaliar as suas consequências e compreender
melhor o preço que, como indivíduos e sociedade, estamos a pagar
OBSERVADOR, 13 jan. 2025, 00:1851
1Convicções de luxo
Regressemos a Rob Henderson e à sua
expressão “convicções de luxo”. No seu
artigo, Henderson explica que a ideia surgiu quando uma colega da Universidade
de Yale lhe disse que “a monogamia se tinha tornado obsoleta e não seria boa
para a sociedade”. Considerando a complicada infância que tinha tido,
Henderson ficou surpreendido com esta posição e perguntou à colega pelo seu
contexto familiar e se planeava casar. E, sim, a colega vinha de uma família
estável e rica e pretendia ter um casamento monogâmico – “mas acrescentou rapidamente que o casamento não tem de valer para
todos”.
Considerar
que todas as estruturas familiares são igualmente válidas – uma posição que as
elites intelectuais progressistas tendem a defender – constitui, para
Henderson, uma típica convicção de luxo: uma ideia que defendemos
para nos dar prestígio social, mas que, consideradas as suas consequências
negativas, não pretendemos pessoalmente pôr em prática. Contudo, como são defendidas pelas
elites, estas ideias tendem a influenciar a cultura e as normas sociais pelo
que os seus impactos passam a ser sentidos pelas classes socais mais
desfavorecidas.
É precisamente o que acontece com a
desvalorização social do casamento enquanto compromisso estável e duradouro
entre duas pessoas. Afinal,
“[o]s
dados provam que as famílias com dois pais casados são as mais benéficas para
as crianças pequenas. E, no entanto, é mais provável que pessoas ricas,
educadas e criadas por dois pais casados defendam que a monogamia está
ultrapassada, o casamento é uma farsa ou que todas as formas familiares são
iguais.”
Brad Wilcox, director do National Marriage Project da Universidade da Virginia e que
publicou, em 2024, o livro Get Married: Why Americans Must Defy the Elites, Forge Strong Families,
and Save Civilization, denuncia esta atitude das
elites como uma terrível hipocrisia:
“Muitas elites – professores, jornalistas,
educadores e outros formadores de cultura – desconsideram ou negam publicamente
a importância do casamento, da família de dois pais e o valor de fazer tudo o
que for possível para “ficar juntos para o bem das crianças”, apesar de, em
privado, valorizarem cada uma destas coisas. Em matéria de família, “falam à
esquerda”, mas “andam à direita” – uma forma invulgar de hipocrisia que, por
muito bem-intencionada que seja, contribui para a desigualdade norte-americana,
aumenta a miséria e raia o imoral.”
2 O gap familiar
Para compreendermos de que modo a ideia
da obsolescência do casamento se popularizou entre as elites progressistas
norte-americanas, temos de regressar às décadas de 1960 e 1970 e
identificar o espírito de contracultura daqueles anos. No Ocidente, a geração
que tinha nascido após a segunda guerra mundial revoltava-se contra os valores
conservadores da chamada “geração silenciosa”, que tinha, silenciosamente,
sofrido o impacto das guerras e triunfado. Nascidos num conforto material
incomparável, esses jovens chegaram às universidades desejosos de mais
liberdade e igualdade e indisponíveis para participar em incursões militares. A
revolta era direccionada contra as hierarquias e todas as formas de
manifestação de poder e autoridade, entendidas como opressoras da liberdade
individual – um sentimento consagrado em Paris com um dos slogans mais relevantes do Maio de 68: “É
proibido proibir.”
No meio académico, as influências
combinavam princípios marxistas, intuições estruturalistas e, em particular, a
defesa freudiana da libertação das pulsões biológicas, nomeadamente sexuais –
uma mistura representada especialmente bem por Herbert Marcuse, considerado o pai da
Nova Esquerda.
É este espírito de libertação
que dá forma à designada revolução sexual, que visava libertar corpos e mentes
das regras sociais que determinavam o que era ou não admissível na esfera do
corpo, nas relações e na família. E libertaria, em particular, a mulher, como
proclamado por Germaine Greer, em 1970, com a publicação de The Female Eunuch.
Estávamos em plena segunda vaga do
feminismo e, nesse contexto, a família era apresentada como estrutura social
particularmente opressora para a mulher, em resultado da sua essência burguesa
e patriarcal. Emancipar
a mulher e garantir a sua condição de igualdade parecia assim requerer uma redefinição (para alguns, mesmo a destruição)
da instituição familiar, para que desses escombros pudessem surgir novas formas
de organização menos sujeitas à lógica do “casamento tradicional”. Foram estas
ideias que se tornaram culturalmente populares, simbolizando a abertura de
espírito e o avanço do arco moral em direcção ao progresso e que continuam a
ser usadas pelas elites intelectuais e económicas para simbolizar o espírito
progressista.
No entanto, ao mesmo tempo que tinham este discurso público, as
elites continuaram a constituir família no contexto de um casamento monogâmico
e estável, com o seguinte resultado registado nos Estados Unidos: desde a década de 1960, os casamentos diminuíram, os
divórcios aumentaram e as famílias monoparentais multiplicaram-se… em
particular nas classes trabalhadoras e pobres. E é esta discrepância que tem
vindo a ser designada como “gap familiar” entre os mais ricos e os mais pobres,
com especiais consequências para as crianças. Como diz o sociólogo Andrew
Cherlin: “São os norte-americanos privilegiados que se
casam, e o casamento ajuda-os a manterem-se privilegiados”.
3O sucesso do casamento
Esse fosso familiar é tão evidente que Melissa Kearney publicou, em
2023, um livro intitulado The Two-Parent Privilege para
revelar como a questão familiar constitui um dos fatores mais relevantes do
problema das desigualdades económicas nos Estados Unidos. De facto,
“a
investigação mostra que as crianças de lares com pais casados tendem a
apresentar menos problemas de comportamento, a ter menos sarilhos na escola ou
com a lei, a atingir níveis de educação mais elevados, a obter rendimentos mais
elevados e a ter taxas mais elevadas de casamento.”
E, como já vimos, as
consequências são ainda mais graves para os rapazes. De
acordo com o Institute for Family Studies,
os jovens que cresceram sem a presença do pai biológico estão mais ausentes das
universidades e do mercado de trabalho e mais presentes nas prisões.
O tema não é, na verdade, novo. Em 1965, Daniel
Patrick Moynihan publicou o famoso Relatório Moynihan (que se
tornaria politicamente inaceitável) e Isabel Sawhill dedicou décadas de investigação à causa familiar (há quem
entenda que o livro Generation Unbound, publicado em 2014, é a
sua desistência). Mas a consistência dos estudos que continuam a ser feitos e
uma certa resposta contra-cultural têm permitido colocar o
assunto na ordem do dia com mais pertinência.
Consideremos o trabalho de Brad Wilcox em torno
da designada “sequência de sucesso”
para que uma nova narrativa cultural
substitua aquela que desvaloriza o casamento. De acordo com as suas investigações, a
melhor forma de os membros das classes pobres aumentarem a sua mobilidade
social é percorrerem os seguintes passos: 1) terminar, pelo menos, o ensino secundário; 2)
trabalhar a tempo inteiro enquanto se está na casa dos 20 anos; e 3)
casar antes de ter filhos. Esta é também a melhor fórmula de evitar que as
crianças cresçam em contexto de pobreza.
Esta nova narrativa deveria, assim,
ser enquadrada nas reflexões mais amplas de combate à pobreza, e é particularmente importante entre as
classes mais desfavorecidas e com menos estudos. Como os investigadores
notam, nos meios mais abastados, os pais tendem a esforçar-se mais para manter
o casamento, mesmo com todas as dificuldades e problemas pessoais, por causa
das crianças. É junto dos outros grupos
sociais que o divórcio é mais recorrente.
Mas o casamento não constitui apenas uma
vantagem económica: de acordo com o estudo realizado por Sam Peltzman sobre “demografia social e política da
felicidade”, as pessoas casadas são
mais felizes do que as solteiras; outro estudo revela que o
casamento parece ajudar a prevenir as “deaths of despair”; e Kay Hymowitz remete para “o inextinguível impulso
humano para a união de pares” que ajuda a explicar a persistência da família
nuclear ao longo da história da humanidade e a satisfação por ela gerada.
Existem, claro, situações graves em que
o casamento não se deve manter – em
particular quando há crianças envolvidas (o argumento funciona, nesses casos,
ao contrário). Mas, sessenta anos volvidos sobre a alegria esfuziante e
libertadora da revolução sexual, estamos hoje no
momento de reavaliar as suas consequências e compreender melhor o preço que,
como indivíduos e sociedade, estamos a pagar, nomeadamente, na perda de sentido
e felicidade.
Afinal, como diz Christine Emba, no seu
maravilhoso Rethinking Sex: “Podemos desejar liberdade hoje, mas
queremos sentido amanhã e para o resto das nossas vidas.”
SEXUALIDADE
AMOR E SEXO
LIFESTYLE
FAMÍLIA
COMPORTAMENTO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 51)
Carlos Chaves: Fico à espera da segunda reflexão da Patrícia
Fernandes sobre este tema, se for tão boa como esta primeira, finalmente
começamos a assistir à probabilidade de voltarmos ao normal, de antes das
várias ideias impostas pelos “progressistas”, leia-se de pela esquerda! A
família tradicional, com o casamento incluído, é a célula base de uma sociedade
funcional! Jorge
Mayer: Muito bem fundamentado, com amplas fontes. Mais uma vez parabéns! Faz
pensar e bem, com sustentação e moderação! Muito obrigado! Alberto Mendes: A Patricia, sozinha, vale a
assinatura. Pena a redação do OBS não ler os livros e autores que cita. Obrigado. Meio Vazio: Lê-la é também um privilégio. Meio Vazio: O que estudantes do ISCTE e da
FCSH da Nova teriam a ganhar com uma professora (!) destas!... Domingas Coutinho: Excelente! Afinal qual é o
objectivo do ser humano? Não será ser feliz? E será que se conseguiu com esta
revolução sexual? Os divórcios a torto e a direito resolvem de facto os
problemas? joao lemos:
Excelente artigo e bem fundamentado. Desagradável para
os mesmos do costume.
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