Tempestades no Ocidente. Mas onde há massa e cabeça e
vontade, tudo se recompõe, que os EU não andam a dormir na forma.
▲A
menos de um mês da tomada de posse de Trump, os EUA reacendem a luta pelo
domínio da indústria de semicondutores
Bloomberg via Getty Images
Os "chips" no centro da
tensão. Guerra comercial entre EUA e China intensifica-se na recta final da
liderança de Biden
Com a presidência de Biden a acabar, os EUA apertam o
controlo à China e lutam pelo domínio dos chips. Trump criticou a lei que incentiva
a produção em solo norte-americano, mas não deverá revogá-la.
OBSERVADOR, 01 jan. 2025, 17:323
A guerra comercial entre os
Estados Unidos e a China está cada vez mais intensa. Os semicondutores (também conhecidos
como chips) têm um lugar de destaque na disputa, que tem vindo a receber novos
capítulos à medida que a presidência de Joe Biden se aproxima do fim. O
mais recente data de 23 de dezembro, quando
Washington, após vários anos com o foco principal nos circuitos integrados mais
avançados de Pequim, virou as atenções para os chips mais maduros, e por isso
mais presentes na economia, conhecidos como legacy.
Nesse dia, os EUA anunciaram a abertura de uma investigação
à China por suspeitas de práticas anti-concorrenciais, concebidas para
alcançar um “domínio na indústria dos semicondutores”, em especial dos mais
maduros, que são usados em várias indústrias, como a automóvel, a de defesa ou
a aeroespacial, e em produtos utilizados no dia a dia, como telemóveis ou
máquinas de lavar a roupa.
Desta forma, os norte-americanos acusaram os chineses, através de um
comunicado, de adotarem “habitualmente políticas e práticas não mercantis”,
permitindo às suas empresas “prejudicar significativamente a concorrência e
criar dependências perigosas na cadeia de abastecimento de semicondutores
fundamentais”.
Após a
investigação, que deverá ser concluída no prazo de seis meses a um ano, poderão ser implementadas restrições de importação ou novas taxas sobre os
produtos da China, antecipa o Financial Times. A decisão será
tomada pelo governo de Donald Trump, Presidente eleito dos EUA que toma posse no dia 20 de janeiro
e que durante a campanha eleitoral deu indícios de que pretendia reverter os
esforços do antecessor para impulsionar o fabrico de semicondutores em solo
norte-americano. Mas poderá não ser bem assim.
▲Trump
mostrou-se contra os esforços de Biden para impulsionar o fabrico de
semicondutores nos EUA ALLISON ROBBERT / POOL/EPA
Lei dos chips em risco? Trump não vai revogá-la, dizem
especialistas
A promessa de que iria reverter várias
das medidas promulgadas nos últimos quatro anos por Biden caso regressasse à
Casa Branca foi recorrente durante a campanha eleitoral de Trump. Um dos pacotes legislativos em risco com
a possível vitória, que veio a confirmar-se, é o “Chips and Science Act”, aprovado em 2022 com apoio bipartidário para
incentivar os fabricantes de semicondutores a fixarem a produção em solo
norte-americano.
Em
outubro, durante uma participação de praticamente três horas no podcast The Joe
Rogan Experience, do comediante Joe Rogan, Trump criticou a legislação, classificando-a como
“muito má”. “Investimos milhares de milhões de dólares para que as
empresas ricas venham para cá, peçam dinheiro emprestado e aqui construam
empresas de chips. E elas não nos vão dar as boas empresas”, acrescentou, argumentando que aumentar as taxas sobre
importações da China para valores muito elevados atrairia esses negócios para
os Estados Unidos sem que fosse preciso gastar “10 cêntimos”.
Poucos dias depois, o também republicano
Mike Johnson, que é presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, indicou
que era “provável” que o
partido revogasse a lei quando chegasse ao poder. Contudo,
segundo a CNBC, acabou por voltar atrás e dizer que, afinal,
o “Chips Act não está na ordem do dia para ser revogado”.
▲Os especialistas acreditam que Trump não vai revogar o
"Chips and Science Act" FUTURE PUBLISHING VIA GETTY IMAGES
A menos de um
mês da tomada de posse da administração Trump, os especialistas acreditam que,
apesar das críticas, o novo Presidente norte-americano não irá
além de um ajuste ao texto da lei, deixando a
maior parte intacta. Chris Miller, autor do livro A Guerra dos Chips (traduzido para português em julho de 2023), defende que o
republicano não vai revogar a legislação, mas afirma que a “implementação pode mudar”. Ou seja, acredita que podem ser feitas
pequenas alterações ao documento, ainda que “alguns dos contratos já estejam
fechados”, o que pode ser um entrave.
Destacando a importância do “Chips and Science Act”, o
especialista lembra, em declarações escritas
enviadas ao Observador, que “actualmente Taiwan produz 99% dos chips de IA
[inteligência artificial] do mundo”, que são os mais avançados, pelo que “há um amplo consenso nos EUA de que devem
ser tomadas medidas para diversificar a cadeia de abastecimento”.
A opinião é
seguida por Adam Posen, presidente do think tank americano Peterson
Institute for International Economics, que afirma que Trump poderá tentar alterar a lei para “distribuir o dinheiro de
forma um bocadinho diferente” da que foi estabelecida pelo antecessor, mas
não deverá fazer mais do que isso. O especialista considera, em declarações
à CNBC (sendo que não respondeu às
questões enviadas pelo Observador), que essa
postura espelharia a que foi adoptada anteriormente por Joe Biden, que quando
tomou posse manteve as taxas do republicano a produtos importados da China,
incluindo semicondutores, em vigor.
"Há um amplo consenso nos EUA de
que devem ser tomadas medidas para diversificar a cadeia de abastecimento [de chips].
Chris Miller
Os últimos capítulos da disputa entre EUA e China
A investigação anunciada a 23 de dezembro pelo governo norte-americano
reforça a pressão à indústria de semicondutores da China. Os fabricantes chineses de chips continuam atrás dos líderes do sector,
que estão maioritariamente sediados em Taiwan, mas têm capacidade para produzir
os mais antigos, os tais legacy, em grande escala.
Os EUA
estimam que Pequim poderá ser responsável por mais de 40% da capacidade global
desses chips até 2032. Num memorando, que foi
analisado pelo The New York Times, o Departamento
do Comércio norte-americano prevê ainda que a China possa dominar a cadeia de fornecimento dos semicondutores mais
maduros até 2030, o que, acredita, pode pôr em risco a segurança
nacional dos EUA.
Por outro lado, num outro documento partilhado nos primeiros dias deste mês, o mesmo departamento indicava que o
crescimento da produção de semicondutores mais maduros na China “já começou a
causar pressão sobre os preços que pode enfraquecer as posições competitivas
dos fornecedores de chips dos EUA”. Estima-se que mais de dois terços dos
produtos feitos por empresas norte-americanas usem semicondutores produzidos em
fábricas chinesas.
Antes da última investigação, que foi aberta perto do Natal e que tem como
alvo os chips mais maduros, as acções levadas a cabo pelos norte-americanos
procuravam, na sua maioria, atingir os circuitos integrados mais avançados, em
particular aqueles que incorporam inteligência artificial — um sector que tem
crescido ao longo dos últimos anos.
▲Gina
Raimondo, secretária do Comércio dos EUA, classificou as novas restrições como
“inovadoras e abrangentes” AFP via Getty
Images
No início do
mês, a 2 de dezembro, Washington evocou preocupações de “segurança nacional” para anunciar novas
restrições à exportação de chips com o objectivo de reduzir a capacidade da
China para criar uma indústria de semicondutores mais avançada e de combater a
utilização de chips de inteligência artificial em aplicações militares.
As novas restrições, que visam 140 empresas chinesas
(como a Piotech e a SiCarrier). As empresas norte-americanas que queiram vender
para a China passam a ter de solicitar licenças especiais de exportação.
Medidas deste género não são inéditas. Em outubro de 2022 e no mesmo mês de
2023, outros controlos para restringir as vendas à China já tinham sido
aplicados. De acordo com a CNN, os
norte-americanos temem que Pequim utilize a inteligência artificial para obter
vantagem militar e acreditam que as restrições podem ajudar a atrasar os
avanços do país no desenvolvimento de chips que utilizem essa tecnologia.
Gina
Raimondo, secretária do Comércio norte-americana, classificou os novos controlos como “inovadores e abrangentes”, salientando que são os “mais rigorosos alguma vez aplicados pelos EUA para diminuir a
capacidade da República Popular da China de fabricar os chips mais avançados
que utiliza na sua modernização militar”.
Por sua vez, a China condenou a
decisão dos EUA e acusou o país de “generalizar o conceito de segurança
nacional, abusar de medidas de controlo de exportação e implementar intimidação
unilateral”, prometendo adoptar “as medidas necessárias” para salvaguardar os
seus “direitos e interesses”.
A
resposta da China, com a Nvidia à mistura
A 3 de dezembro,
apenas 24 horas após serem conhecidas as novas restrições dos EUA, a China retaliou e impôs uma
proibição de exportação a vários metais e minerais, que são essenciais para o
fabrico de semicondutores, aos norte-americanos. Assim, Pequim vai deixar de enviar gálio, germânio,
antimónio e outros materiais super-resistentes para os Estados Unidos.
Mas a retaliação não ficou por aí. Uma semana depois, a China anunciou a
abertura de uma investigação à Nvidia, tecnológica norte-americana que está na
vanguarda do desenvolvimento de chips de inteligência artificial e que tem um
valor de mercado de mais de três biliões de dólares (ficando apenas atrás da
Apple). A empresa foi colocada sob escrutínio devido a alegadas infracções à
lei anti-monopólio chinesa na aquisição da israelita Mellanox Technologies.
▲A Nvidia
comprometeu-se a "responder a quaisquer perguntas que os reguladores
possam ter" RITCHIE B. TONGO/EPA
Segundo a Euronews, a Nvidia,
que viu o valor das acções cair 2,6% aquando da abertura da investigação, é
suspeita de violar os compromissos a que tinha ficado sujeita quando a compra,
realizada em 2020 por 7 mil milhões de dólares (6,6 mil milhões de euros), foi
aprovada por Pequim. Uma das condições impostas pelo regime chinês terá
sido que a israelita Mellanox partilhasse informações sobre novos produtos
com empresas concorrentes 90 dias antes de estes serem lançados.
Um especialista chinês em legislação
anti-monopólio, que falou com o Financial Times sob
condição de anonimato, não tem dúvidas de que “esta investigação parece ser uma
acção política e não legal” e aponta o principal motivo: “Nunca antes a
imprensa estatal assumiu a liderança no anúncio de uma investigação”, afirma,
notando que foi a
imprensa chinesa a avançar em primeira mão a notícia.
Já a Nvidia disse, após ser notificada,
ter “todo o gosto em responder a
quaisquer perguntas que os reguladores possam ter”sobre a sua actividade e
salientou que trabalha “arduamente para fornecer os melhores produtos” em
“todas as regiões” em que está presente.
Actualmente, as grandes empresas dos
Estados Unidos "dependem todas da importação de chips fabricados em
Taiwan", o que representa uma "vulnerabilidade"
Chris
Miller
O
“Chips Act” norte-americano e a “luta da Intel”
O “Chips and Science Act” foi promulgado em agosto de
2022 com o objectivo de financiar a investigação e incentivar a construção de
fábricas para impulsionar a produção de semicondutores em território
norte-americano. Cada vez mais preocupado com a dependência de chips
estrangeiros, Biden comprometeu-se com um investimento de quase 53 mil milhões
de dólares para aumentar a competitividade dos EUA face à China e a Taiwan.
Ao
longo dos últimos dois anos, avança a CNBC, a aplicação da legislação tem sido
lenta e a maior parte dos fundos ainda não foi distribuída. Isto porque as
empresas beneficiárias têm de cumprir determinados critérios, que podem incluir
a construção de fábricas ou a angariação de clientes, antes de receberem
o financiamento.
A primeira concessão concretizada foi a da empresa Taiwan Semiconductor
Manufacturing Company (TSMC), que
em novembro recebeu 11,6 mil milhões de dólares em subsídios e empréstimos do
governo norte-americano para apoiar os seus planos de construção de três
fábricas de chips na região do Arizona. Poucos dias depois, foi a
vez da norte-americana Intel receber 7,9 mil milhões de dólares.
Quais são as principais fabricantes
mundiais de chips?
O especialista Chris Miller destaca ao
Observador a importância do “Chips Act” ao
salientar que, actualmente,
as grandes empresas dos Estados Unidos “dependem todas da importação de chips
fabricados em Taiwan”, o que representa uma “vulnerabilidade”
face às “ameaças da China à segurança de Taiwan”. Contudo, afirma que o “principal
desafio” que Trump vai enfrentar é outro: “É a luta da
Intel, que já foi o maior fabricante de chips do mundo, mas que agora está a
enfrentar grandes dificuldades”.
▲Os EUA
apostam na Intel, mas a empresa tem enfrentado dificuldades Getty Images
No verão, a Intel anunciou o despedimento de cerca de 15 mil trabalhadores
e, meses depois, apresentou o maior prejuízo trimestral em 56 anos de história.
No terceiro trimestre deste ano, o prejuízo da empresa foi de 16,6 mil milhões
de dólares.
De acordo com o Business Insider, as
dificuldades apresentadas pela firma norte-americana já levaram a administração
Biden a debater sobre se a empresa deveria receber apoio financeiro adicional ou
fazer uma fusão do seu negócio com o de uma entidade concorrente. A
secretária do Comércio norte-americana, Gina Raimondo, terá também instado as
lideranças da Google, Microsoft, Apple e Nvidia a comprarem semicondutores à
Intel.
Um porta-voz da Intel afirmou, ao
mesmo site, que os resultados financeiros demonstravam o “processo tangível”
que a empresa está a fazer na sua estratégia para superar as dificuldades e
mostrou-se “ansioso por trabalhar com o Presidente eleito Trump e a sua
administração para promover a liderança tecnológica e industrial dos Estados
Unidos”.
TECNOLOGIA ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA MUNDO CHINA DONALD TRUMP ECONOMIA
COMENTÁRIOS
João Pedro Valente: E a Europa, nada?
Fidelino Ferreira > João Pedro Valente: Boa pergunta, mas é retórica não é? Mas nós somos mais
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Nuno Borges: Os SSD do aliexpress raramente funcionam.
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