De mim falo nos termos da ignorância que nos aponta Paulo Branco, de ignorar a obra de David Lynch, conquanto esse nome mão seja desconhecido. Hoje falou-se nele, porque morreu, altura ideal para se recordar alguém, com loas a esse. Até mesmo no programa da SIC, com Nuno Rogeiro e José Milhazes foi relembrado. O texto de RICARDO FARINHA revela a ligação que DAVID LINCH teve com Portugal, segundo narrativa de PAULO BRANCO e a minha curiosidade levou-me a complementar a sua figura através de dados biográficos da generosa e eficiente INTERNET. Por isso, complementarei as MEMÓRIAS de PAULO BRANCO com alguns desses dados:
O voo low cost, a masterclass e o
terreno em São Domingos de Rana: a visita de David Lynch a Portugal nas memórias de Paulo Branco
O produtor português convidou o
realizador para a primeira edição do festival que organiza. Uma viagem curta
mas cheia de peripécias, do criador de "um espaço de liberdade artística único".
OBSERVADOR, 16 jan. 2025, 23:06
Foi
uma viagem “surrealista”, diz-nos Paulo Branco. Tudo aconteceu em 2007, quando o produtor português
organizou a primeira edição do European Film Festival Estoril, que mais tarde
se tornaria o LEFFEST. “Na
altura quis homenagear dois realizadores”, recorda em declarações ao OBSERVADOR, depois de noticiada a morte de David
Lynch aos 78 anos. “Um, digamos, era o mais moderno do cinema
tradicional, o Pedro
Almodóvar. O outro era o que usava a linguagem
cinematográfica da maneira mais surpreendente, o David Lynch.”
A ideia era trazer a
Portugal o autor de Twin
Peaks e Mulholland Drive, mas a equipa do cineasta dizia a Paulo
Branco que seria “praticamente impossível”. “Ainda assim, mantivemos a retrospetiva sobre a sua obra porque
achávamos importantíssimo.” Dois dias antes de o festival terminar, o
produtor português recebe uma chamada. Era o próprio David Lynch a ligar:
“Paulo, estou em Düsseldorf e posso
passar por aí amanhã. Aproveito para inaugurar um espaço da minha fundação de meditação
transcendental. Se quiseres, posso fazer
uma conferência de imprensa e uma sessão com o público, mas só quero
essencialmente falar de meditação transcendental.”
Atónito, Paulo Branco foi rápido na resposta: “Bora, vamos!”, recorda. Embora só existissem voos low cost a fazer a
travessia entre Düsseldorf, na Alemanha, e Lisboa, David Lynch nem pestanejou
quando o produtor português lhe explicou como poderia ser feita a viagem.
[a masterclass com David Lynch em 2007, no European Film Festival:]
Devoto
da prática de meditação transcendental desde o início da década de 70, David
Lynch criou uma fundação nessa área em 2005, apenas um par de anos antes desta viagem
a Portugal. A David Lynch Foundation for Consciousness-Based
Education and World Peace continua no activo,
promovendo uma série de projectos em diferentes países.
Assim, uma das grandes motivações para David Lynch vir a Portugal naquele
ano de 2007 era, lembra Paulo Branco, inaugurar um terreno adquirido — ou que
estava prestes a ser adquirido, não se conhecendo o desfecho do projecto — pela
sua fundação
para o desenvolvimento de actividades na área da meditação transcendental.
“Fomos buscá-lo ao aeroporto, fizemos a conferência de imprensa,
fizemos uma sessão extraordinária no Centro de Congressos do Estoril em que
queríamos era falar de cinema. E depois fomos a correr, e estava a chover, à
procura do tal terreno em São Domingos de Rana onde ele ia espetar uma bandeira
portuguesa”, recorda Paulo Branco.
“Ele
pediu-me para ter lá um conjunto a tocar o hino nacional e era uma coisa
absolutamente surrealista. Andávamos e andávamos, à chuva, aquilo parecia uma
daquelas comédias italianas. E fomos lá parar a um espaço pequeno entre dois
prédios, um terreno vago em que ele espeta a bandeira e começa com um discurso
completamente pacifista. E os coros a cantar o hino nacional, com o ‘às armas,
às armas’. Foi completamente surrealista.”
David Lynch seria devolvido rapidamente ao Aeroporto
de Lisboa, onde tinha à espera um voo para Los Angeles, nos Estados Unidos da
América. Paulo
Branco, admirador
da obra de Lynch há largos anos, voltou a tentar trazer o cineasta a
Portugal, mas não concretizou o desejo.
Anos antes, em 1990, no prestigiado festival de Cannes, em França, o produtor português lembra-se
de conversar com o cineasta italiano Bernardo
Bertolucci
sobre as desafiantes distinções daquele ano, dias antes do anúncio oficial dos
prémios. “Ia ao quarto do Bertolucci no hotel
Carlton falar sobre as coisas. ‘Como é
que te vais desenrascar?’, perguntei-lhe. E ele: ‘Com o Cyrano
de Bergerac já
me desenrasquei porque já consegui reunir o júri e decidimos dar o prémio de
Melhor Actor ao Gérard
Depardieu. Portanto, está fora. Em relação ao
Jean-Luc Godard, já prestei o meu tributo quando fui
presidente do júri em Veneza e lhe dei o Leão de Ouro. Portanto, agora só me resta bater-me pelo David
Lynch’. E deu naquele
ano a Palma de Ouro ao Um Coração Selvagem, do Lynch.”
PAULO BRANCO viria a reencontrar-se com DAVID LYNCH alguns anos depois,
numa tipografia antiga na célebre Rue du Montparnasse, em Paris, a capital
francesa. “Era
onde ele imprimia as gravuras que fazia e tivemos lá encontros incríveis onde
falávamos durante horas e ele lembrava-se de todos os pormenores da sua vinda a
Portugal. A mim ficou-me marcado, mas não esperava era que a ele também o
tivesse marcado.”
O produtor português de 74
anos lembra uma figura
“absolutamente inspiradora”. “O que era impressionante
era aquela juventude. Tinha aquela atitude dos grandes criadores, de abrirem
espaços e perspectivas únicas. E era um tipo de uma simplicidade incrível, era
como uma criança perante objectos, queria brincar com eles. Em cada gesto,
inventava qualquer coisa. Dentro da sua enorme simplicidade. Porque as
conversas que tive com ele eram absolutamente normais, nunca houve qualquer
coisa de estatuto, de poder, por saber… E ele até falava muito do que é que eu
fazia ou não, havia uma curiosidade dele.”
▲ Paulo
Branco sobre David Lynch: “O
que era impressionante era aquela juventude. Tinha aquela atitude dos grandes
criadores, de abrirem espaços e perspetivas únicas" /LUSA
Paulo Branco fala num cineasta
“genial” que “nunca ganhou um Óscar por isso mesmo”. O
produtor admira profundamente a forma como David Lynch criou um espaço para si
na exigente indústria cinematográfica. “Como
é que neste mundo, sobretudo no cinema americano, que é absolutamente selvagem
e terrível, ele encontrava os seus espaços de uma maneira… O Twin Peaks, para
mim, é exemplar nisso. Como é que ele consegue, para a televisão, fazer aquelas
obras-primas? Foi uma das coisas que mais me surpreenderam. Conseguiu criar um
espaço de liberdade artística único. Tanto na televisão como no cinema. Gosto
muito dos filmes quase inexplicáveis e incompreensíveis dele. Mas como é que
ele consegue fazer isso? Num espaço em que tudo tem de ser explicado, tudo tem
de ser evidente. E a arte não pode ser explícita, não pode explicar tudo nem
ser evidente. A arte tem de sugerir, tem que ter mistério. Ele era extraordinário
nisso. São pessoas com quem se aprende todos os dias a arriscar e a não ter
medo. Porque é que uma pessoa é produtor? É porque, de certa maneira, não há a
coragem de passar ao acto da criação. Então tenta-se, de alguma forma, criar de
outra maneira. E a relação com estes autores, estas conversas e vendo estas
ligações entre eles…”
O LEFFEST prestaria outros tributos à obra do
norte-americano. Em 2014, promoveu uma exposição intitulada Here
& Now,
que juntava peças visuais de David
Lynch e de Jean-Michel
Alberola. Em 2018, acolheram outra retrospetiva, Pretty as
a Picture: The Art of David Lynch, com exibições de filmes e uma exposição de
fotografias da sua autoria.
“Tenho
sempre vontade de voltar ao Lynch. Inclusive estava previsto eu voltar a
trazê-lo cá. Em 2018 ele era para vir e não conseguiu,
mas mandou-nos um vídeo para passarmos no festival. Há dois anos tentámos, ele
não podia, andávamos a adiar e a adiar… Porque
é que ele mantinha uma relação connosco? É algo curioso, porque só veio em
2007. Das
outras vezes, estava para vir mas não veio, mandava coisas… Porque tinha
adorado estar cá em 2007. Ele dizia: ‘oh
Paulo, tenho de voltar porque aquilo foi um momento único’.”
Por coincidência, o Espaço Nimas, em Lisboa, gerido pela Medeia Filmes de Paulo Branco, tem estado a exibir uma série de filmes de David Lynch nas últimas
semanas. “Que a
morte do David Lynch abra os telejornais é completamente surrealista. A maior
parte das pessoas que abrem esses telejornais ou falam dele nunca viram uma
obra dele. Se ele teve o reconhecimento ou a visibilidade merecida? Isso não me
cabe a mim dizer. Mas vou continuar a divulgar a sua obra.”
NOTAS DA INTERNET:
David Keith Lynch (em inglês:David
Keith Lynch; nascido em Missoula, Montana, Estados
Unidos, 20 de janeiro de 1946 – falecido em Estados
Unidos, em 15 de janeiro de 2025), mais conhecido
apenas como David
Lynch, foi um director, roteirista,
produtor, artista
visual, músico
e ocasional actor estadunidense. Conhecido por seus filmes surrealistas,
ele desenvolveu seu próprio estilo cinematográfico,
chamado de "Lynchiano", caracterizado por imagens de sonhos e
meticuloso desenho sonoro. Na
verdade, o surreal e, em muitos casos, os elementos violentos de seus filmes
lhes deram a reputação de "perturbar,
ofender ou mistificar"
seus públicos.
Nascido em uma família de classe
média em Missoula, Montana, Lynch passou sua infância viajando pelos Estados
Unidos, antes de ir estudar pintura na Academia de Belas-Artes da
Pensilvânia, na Filadélfia, onde ele fez a transição para produzir curtas.
Decidindo dedicar-se mais totalmente a esse meio, ele se mudou para Los
Angeles, onde produziu seu primeiro filme, o terror surrealista Eraserhead (1977). Depois de Eraserhead se tornar um clássico cult no
circuito de filmes da meia-noite, Lynch foi contratado para dirigir The
Elephant Man (1980), a
partir do qual ele conseguiu sucesso comercial. Após ser contratado pela De
Laurentiis Entertainment Group, ele procedeu para fazer mais dois filmes: o
épico de ficção científica Dune (1984), que foi um fracasso de crítica e bilheteria,
e o filme de crime neo-noir Blue
Velvet, que
foi muito aclamado.
Procedendo para criar sua própria série de televisão com Mark Frost, a
altamente popular Twin Peaks (1990-1992, 2017), ele também criou a
prequela cinematográfica Twin Peaks: Fire Walk with Me (1992), um filme
de estrada, Wild at Heart (1990), e um filme de família, The Straight Story (1999), no mesmo período. Se
virando mais profundamente para o surrealismo, três de seus filmes seguintes
trabalharam na estrutura da "lógica dos sonhos" Lost Highway (1997), Mulholland Drive (2001) e Inland Empire (2006). No meio tempo, Lynch
procedeu para abraçar a internet como um meio, produzindo vários programas para
a web, como a animação DumbLand (2002) e o sitcom surreal Rabbits…………….
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