Cá
dentro da nossa porta. E bem assim fora de portas. Por uma “voz” não
complacente com os registos de obtusidade, ou outros: A de ALBERTO GONÇALVES,
nas suas “captações” das ocorrências por aí, no ano que passou – seguindo o
conceito de outro humorista brincalhão de que “le rire est le propre de l’Homme”.
Excelente igualmente, o
comentário ao seu artigo, por F. Mendes, a seguir colocado
Balanço de 2025
Americanos em êxodo, António
Guterres que "tweeta", um carro muito suspeito, quarenta e sete
personalidades que subscrevem, os sotaques de António Costa e muitas mais
maravilhas.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador
OBSERVADOR, 04 jan. 2025, 02:001
Janeiro
Donald
Trump tomou posse e, naturalmente, o êxodo de americanos instalou
o pandemónio nas fronteiras europeias. Apenas em dois dias, cerca de trinta e oito cidadãos dos EUA foram identificados a tentar entrar
legalmente em Portugal. “Somos turistas”, declarou um deles. “Viemos
pelo mar tépido e a beleza das rotundas”. Céptico, o mercado não engoliu a história e os preços das
habitações dispararam mais 40%.
Fevereiro
Em
mais uma acção de repúdio da emergência climática, do colonialismo e do
genocídio em Gaza, activistas da Climáximo atacaram com tinta fresca
um grupo de jovens brancos e privilegiados que se pavoneavam no Príncipe Real
com telemóveis de última geração. Logo a seguir a uma sessão de guinchos mútuos
e estaladas no ar, aperceberam-se de que o grupo era constituído por outros
activistas da Climáximo, o que
propiciou francas gargalhadas e uma noite no Bairro Alto bem regada a Robbialac.
Março
De norte a sul, registou-se
enorme agitação social por causa das manifestações dos cantoneiros, a única
classe de funcionários públicos a que o governo não atribuíra benesses. Inflexível,
a respectiva Ordem manteve a greve até à satisfação das reivindicações. Durante
dezoito longos dias, as ervas daninhas cresceram livremente nas bermas das
estradas e nenhum trabalhador utilizou aquelas traquitanas com tubos que sopram
as folhas de um sítio para outro sítio ali ao lado. O caos estava iminente.
Por sorte, e sensatez, atingiu-se uma plataforma de entendimento.
Abril
Em dias quase sucessivos, Pedro
Nuno Santos, Marta Temido e Alexandra Leitão assinaram portentosos artigos em
jornais, o primeiro sobre transportes, a segunda
sobre saúde e a terceira sobre educação (nos sentidos estrito e lato da palavra). Por motivos desconhecidos do grande público,
o artigo do Estripador de Lisboa sobre reinserção social de prostitutas não
chegou a sair.
Maio
Um carro lançou-se contra uma multidão em Bruxelas, matando uns tantos e ferindo mais
alguns. Como não era um Tesla,
a identidade do carro não foi revelada, embora mecânicos de duas oficinas diferentes
assegurem tratar-se de uma viatura
confiável, e que nada indiciava o trágico desfecho. O carro tinha 8
anos, 140 mil quilómetros, revisões na marca e discos de travão novinhos em
folha, além de GPS de origem. A
Europol suspeita que o carro, alimentado a gasóleo, sofreu um abalo emocional
recente, quando o dono se esqueceu de um catálogo de híbridos no banco de trás.
É possível que esse factor, aliado a um problema crónico na embraiagem,
contribuísse para a radicalização do veículo. O carro finou-se no acto, que as
autoridades hesitam em classificar de terrorista. Não se encontraram ligações
entre o carro e uma faca que penetrou os abdómens de quatro transeuntes em
Estocolmo, no mesmo dia.
Junho
Perante
o espanto da Terra, António Guterres publicou um “tweet” sobre geo-política que
não incluía nenhuma
condenação de Israel por atrocidades, genocídio ou existência. “Peço
desculpa”, escreveu vinte minutos depois, e acrescentou mais uma enérgica
denúncia das operações militares israelitas contra os amistosos vizinhos. E não
só: para não se dispersar, e com a aprovação da China, do Irão e da pequena Greta, o
secretário-geral da ONU resolveu passar a culpar
os “sionistas” pelas alterações climáticas, a ebulição global, o inferno
climático ou lá o que é.
Julho
O
almirante Gouveia e Melo anunciou
oficialmente a candidatura à presidência da República, rodeado de tendas
simbólicas, indivíduos simbólicos com aventais simbólicos e um “mupi” em cartão
de D. João II com o polegar para cima. O apoio de Afonso de Albuquerque não
se confirmou. As sondagens davam o ex-CEMA como favorito para alcançar a
segunda volta, com quase 3% das intenções de voto, claramente acima do segundo
colocado, que conta com 1,2% e a larga distância dos restantes 859 candidatos, alguns
ainda em fase de reflexão.
Agosto
Após um imigrante paquistanês ter sido
multado em 300 euros por não parar no sinal vermelho, regressou a indignação com os abusos da
polícia. Alguns comentadores televisivos declararam que
costumam conduzir e já viram indivíduos “racializados” respeitar os semáforos.
Outros exigem compreensão para com hábitos culturais distintos, incluindo o de
abalroar automóveis que passam no verde. Uma comentadora comparou a aplicação
das regras de trânsito a pessoas de etnia “diferente” às práticas de Vlad, o
Empalador. Quarenta e sete personalidades assinaram um manifesto irado, que
o Público publicou.
Setembro
Devido
a salários em atraso, a redacção de O Diário protestou em frente ao
Palácio de São Bento com cartazes onde se lia: “A sociedade não dispensa a informação livre!” e “URSS sempre!”.
Sendo entretanto informados de que o jornal em causa fechara em 1990, os manifestantes dispersaram sem incidentes.
Outubro
Além da multiplicação das freguesias e
da despedida de Rui Moreira com a
projecção na câmara do Porto das bandeiras da Palestina, do Líbano, da Síria,
do Iémen, do Irão e do Qatar, a maior novidade das eleições autárquicas foi a
inclusão, nas listas do Livre,
do(a)
primeiro(a)
candidato(a) transsexual de ascendência ameríndia e que manca um poucochinho da perna esquerda. Terceiro(a) suplente
nas listas para a assembleia municipal de Montemor-o-Velho, Yvette Gisela não foi eleita, mas a sua coragem constitui um exemplo
duradouro para todos(as) os(as) transsexuais ameríndios e coxos.
Novembro
De
intervenção em intervenção, António Costa arrisca
tornar-se no mais consensual presidente do Conselho Europeu de sempre: como
ninguém percebe nada do que ele diz, seja em português, inglês, francês ou
húngaro, não há qualquer risco de as suas afirmações suscitarem discórdia entre
os representantes dos países membros. Cada cimeira termina
invariavelmente numa harmonia sem precedentes, o que é bom para o futuro da
União. Ou, nas palavras do dr. Costa, “what is good for the future of the
syndicate”.
Dezembro
O Expresso escolheu o futebolista João Félix para Figura Nacional do
Ano, para coroar uma época em que, emprestado ao Salamina Famagusta do
Chipre, chegou a alinhar em três jogos, num deles de início. A Figura
Internacional do Ano não foi Javier Milei.
COMENTÁRIOS:
F. Mendes: É por artigos destes que vale a pena assinar este
jornal. Os "acontecimentos" de Maio e Agosto,
descritos pelo AG, demonstram, de forma hilariante, o ponto absurdo a que o
politicamente correcto esticou a tolerância supostamente devida pelo Ocidente a
outras confissões, práticas, e valores; incluindo, bem entendido, a tendência
para "contextualizar" actos terroristas quase sempre perpetrados
pelos suspeitos do costume. Quanto ao resto, o artigo identifica bem a
mediocridade reinante na nossa vida colectiva. Costa e Marcelo são dois
exemplos. A falta de confiança na procura de soluções para o nosso bem-estar,
sem passar pelo Estado, é mais uma prova de ambições modestas a nível
individual. Triste!
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