quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Pareceres


Com mais ou menos pertinência, numa expressão não banal. De Maria João Avillez que nos faz bem sempre ler, na sua escrita elegante e sem azedume.

Aconteceu

O tique de recorrer à “extrema direita” sem sombra de racionalidade política ou de critério é tóxico para os seus praticantes. E transforma-os em dependentes de um tique tóxico.

MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador

OBSERVADOR, 29 jan. 2025, 00:2233

1Vivo a dizer que não conheço maior fornecedora de surpresas do que a política por isso talvez me tenha espantado menos do que o comum dos mortais meus concidadãos: metade do país achou que líder do PS deu um aparatoso salto mortal com a sua (extraordinária, a vários títulos) entrevista de há dias; outros desconfiaram, indignaram-se, vilipendiaram-no. É indiferente. É mais importante o que disse do que as razões por que o disse, mesmo se, como ouvi, foram “oportunísticas”: más sondagens, ruidosos confrontos internos, distintas (opostas?) visões sobre a “natureza” do PS, incertezas quanto ao destino final do confronto. Isso. Sucede que o salto mortal serve o país muito mais que “ajudar” (!) o governo, a AD, a “extrema direita” (céus!) ou o próprio PS (e já repararam a pouca importância que se atribui ao país e ao seu interesse nacional no “ranking” das razões e argumentos? )

Claro que o salto mortal foi olímpico — quem não se lembra daquela acusação inclassificável na sua inverosimilhança do “governo mais extremista de sempre” feita há semanas por Pedro Nuno Santos a Luís Montenegro? Ou da manifestação contra a polícia participada por pesos pesados do PS — um partido pilar da democracia, um partido de poder, um partido de governo? — só para citar dois péssimos exemplos do duvidoso rumo socialista. Continuo porém a sustentar o que deve ser tido em conta: a mudança de posição do líder socialista revendo a matéria da crucialíssima questão da imigração pode fazer dele o bem-vindo parceiro no que há a fazer: que é muito e difícil e politicamente espinhoso mas que por isso mesmo tem de ser reflectido em comum. O país não o dispensa, a política reclama-o, política bem-feita é isso.

Se é possível, se foi “oportunismo” político do PS ou se será mera utopia, ninguém sabe, mas o primeiro passo foi dado — e que primeiro passo! Rezemos pelo segundo.

2Aprecio muito a fidelidade na política — e dou por ela — mas que confusão letal: como foi possível que por ser “costista” Ana Catarina Mendes considere que essa fidelidade a convida a patinar a alta velocidade sobre a realidade das coisas como estão e (nos) diga sem se embaraçar que “vê com pena a aproximação do PS à extrema-direita”? (cito de memória). O tique de recorrer à “extrema-direita” sem sombra de racionalidade política ou de critério está a revelar-se tóxico para os seus praticantes. Justamente surgem-nos como toxicodependentes do próprio tique.

3Ninguém parece muito surpreendido: Donald Trump está fazer o que prometeu, das tarifas às deportações, passando pela revisão das alianças geoestratégicas do seu país. A América” tem de ser grande outra vez”, primeiro mandamento que condicionará outros e perturbará o mundo (já começou). Trump tem pressa na concretização da sua nunca provada receita — e da mistura de ingredientes que escolheu para a produzir — e a pressa tem a marca da urgência: sabe que tem apenas dois anos para cumprir uma agenda de consequências imprevisíveis. Uma Europa aflita e indefesa hesita em como lidar com o encadeado dos desfechos que fatalmente se seguirão. Também não é novidade: há muito que a Europa sempre tão decididamente vivida e assumida como um todo e não como um puzzle de países “cada um na sua” encalhou em si mesma: burocratizando-se até ao sufoco, regulando-se obsessivamente e auto-anestesiando-se na capacidade de decisão e de vontade política. Qualquer dia é um continente caído em desuso, mas a “culpa” não é só do novo presidente que não a valoriza como interlocutora nem se comove com a nossa absoluta dependência de uma NATO que não pagamos. Tudo muito previsível, os sinais estavam há muito acesos.

Além de aflitos e indefesos nem a Europa nem os europeus estão de todo preparados : para a génese da mudança que já começou e para a dimensão que ela indiscutivelmente assumirá.

Pequena nota: apesar de tudo nunca poderia prever que cavalgada trumpiana fosse ampliada com a assinatura presidencial de indultos aos implicados na inesquecível “cena” do assalto ao Capitólio. (Há dois ou três dias um republicano com importância, o senador Tom Cotton, amigo e apoiante de Trump, manifestou com pública veemência a sua indignação. E os outros?)

É que se Biden “salvou” indecentemente a sua família&amigos da Justiça — vai morrer com essa vergonha –, o Capitólio não podia ter perdão. Não me lembro de tão deploravelmente acintoso uso do poder poder dito democrático.

Dias perigosos?

4Lembrei-me do que uma vez me disse alguém muito próximo do Presidente da República: “nas grandes alturas e nos momentos fulcrais pode sempre contar-se com ele. Há sempre sentido de Estado”.

Pude comprová-lo agora mais uma vez, tratava-se de um “desses” momentos. Em nome do país e com o sentido de Estado que lhe merecia um grande patriota, Marcelo despediu-se há dias do general Vasco Rocha Vieira. Cidadão cumpridor, militar servidor, homem de família devotado à Leonor e aos três filhos altos como ele, senhor de amigos, olhar claro, sorriso doce. Andou pelas sete partidas em serviço, era a “pátria” que lhe desenhava os itinerários e os mapas, e ele ia. Coube-lhe a “entrega” da diminuta última parcela de um Império que já não existia mas no qual acreditara e servira. Portugal reteve-lhe o gesto e o melancólico brio na postura com que o fez no tão longínquo Macau. (Não, não escrevo palavras de circunstância, alinhadas mecanicamente, escrevo intencionalmente em nome de um exemplo português e honrando a memória de um dos“melhores”.)

A dado passo não foi bem tratado, julgo que a ferida nunca cicatrizou por dentro, continuando por fora sempre o mesmo Vasco: na adversidade, direito como um cipreste, no resto, o tal inesquecível sorriso doce com que pontuava as conversas que adorava ter com os amigos, que eram muitos. E onde a caminhada do país e o seu destino tinham invariavelmente a parte de leão nesses cruzados diálogos entre diversas plateias. Conheci-o muito tempo antes de ele ser “conhecido”, era apenas nosso amigo, amizade nunca interrompida. Continuaremos a ver-nos, agora de outra maneira. A saudade encarregar-se-á desta minha certeza.

5Mesmo conhecendo bem o encenador e o seu trabalho, quem havia de dizer? Não eu, seguramente, mas La Feria disse-o e fê-lo: “Fátima-Opera Rock”?

Saí de casa na dúvida temendo alguma lamechice/beatice, bilhete postal com crianças e azinheiras. Dez minutos depois percebi que dizer surpresa era pouco. A prova, audaciosa, reclamava uma exigência de aço: investigação histórica, saber, seriedade, cor do tempo, justeza de tom, bom senso, bom gosto, castings perfeitos. Pois bem, está lá tudo, sobretudo essa difícil, delicada, “separação” de transmitir a partir de um palco que é a “diferença” entre “visões” e “aparições”. O ponto de partida não foi, como ele escreve no programa, “fazer apenas mais um espectáculo mas uma reflexão profunda sobre Portugal, a sua história, e a dimensão cultural, espiritual e humana que projectam o nosso país no mundo, tocando pessoas de todos os continentes e religiões. “

A este multi-talentos que produz, escolhe, encena, dirige, compõe, assina o guarda-roupa (e… arrisca qualquer polémica) devo acrescentar que desde o século passado nunca vi o seu talento deixar de surpreender, o que é uma forma de o fazer render.

Segredo? Talvez ambição do seu talento e o talento para servir essa ambição.

POLÍTICA      PEDRO NUNO SANTOS      IMIGRAÇÃO     MUNDO      MARCELO REBELO DE SOUSA      PRESIDENTE DA REPÚBLICA

COMENTÁRIOS (de 33)

Carlos Chaves: Cinjo-me ao ponto 1) Então a Maria João Avillez ao que chama “salto mortal”, acha que termos um candidato a PM e líder da oposição que não é uma pessoa séria, que mente com quantos dentes tem, que um dia diz uma coisa e no outro o seu contrário, que nos empobreceu por WhatsApp, que morre de amores pela extrema-esquerda, é normal e positivo para o país? Apesar de ter adorado um e continuar a promovê-lo, qual Marquês de Pombal, nunca se pode confiar num socialista!  Ou seja, o governo de que este gabiru político fez parte cometeu um crime político (o Costa e a Constança com ele a assistir), ao escancarar as portas à imigração sem controle, e agora basta vir dar o dito pelo não dito, e já é quase um herói nacional! Para além de um crime político há vitimas a sério, esta gente tem as mãos com sangue! É indefensável a sua defesa!                            JOHN MARTINS: Driblando a MALA que foi o grande produto tóxico da semana, MJ traz á discussão o salto olímpico de salvação de Pedro Nuno. Finalmente, a fazer o acto de contrição, do governo de que fez parte e reconhecer que foram um fracasso absoluto no difícil assunto da IMIGRAÇÃO; desde a entrada escancarada, para todos sem lei nem roque a culminar na extinção do SEF. Resultado: 400.000 ilegais que o Governo de Montenegro tem em mãos e que está a resolver. È disto que precisamos. RESOLVER.                   Rui Lima: PNS pode ter dado a entrevista depois de ter viajado ou lido sobre a situação em várias cidades desta Europa e pode ter ficado chocado com o que viu ou leu, não quer o mesmo para Portugal, ver grandes áreas onde não há espaço para europeus, ter zonas onde 100% dos habitantes praticam outros costumes pode não agradar ao líder do PS, considero esta entrevista um acto de amor por Portugal, outros dizem que é puro oportunismo político …aí as sondagens. Na verdade vejo ventos de pânico nos portugueses com a invasão, das aldeias a cidade, mas tem medo de falar quem não concorda é extrema direita , mas o povo comunista e socialista não gosta da situação. A esquerda valida as fronteiras abertas pela economia mas desde quando é que a esquerda quer os empresários e proprietários a ficarem mais ricos com a exploração de imigrantes? Obs. Lembro o que disse o 1.º ministro francês “Bay­rou afirmou que havia em França "um sen­ti­mento de opres­são migra­tó­ria". "As con­tri­bui­ções estran­gei­ras são posi­ti­vas para um povo, desde que não exce­dam uma certa pro­por­ção".                    João Floriano: Divido a crónica em duas partes. Na primeira Maria João Avillez  analisa correctamente o momento actual do PS e dos seus lideres. PNS pode ter dado o tal mortal encarpado, se bem que ouvindo ou lendo várias vezes a entrevista, não há nada de particularmente diferente. Certamente que o que irritou as sumidades socialistas foi Pedro Nuno ter dito que sempre tinha torcido o nariz à declaração de interesse. Ora foi isso precisamente que Ana Catarina Mendes andou a promover enquanto esteve no governo com os brilhantes resultados que conhecemos. PNS não tinha saída senão dar aquela entrevista. Conquistar a CMLisboa assim o exigiu, depois de Alexandra Leitão ter andado  a fazer tristes e ridículas figuras na rua do Benformoso. Mas todo o salto mortal exige uma aterragem suave. A de PNS foi tudo menos isso. Não convence os eleitores, clivou o partido ainda mais do que já está e a escolha do candidato a Belém promete partir de vez o que já está rachado. A partir daí a crónica deixa de ter interesse sobretudo quando mais uma vez elogia o pior presidente após o 25 de Abril. Maria João Avillez confunde amizade pessoal com competência na execução do cargo. Tem todo o direito de gostar de Marcelo, embora não lhe gabe o gosto. Mas vir-nos dizer que “nas grandes alturas e nos momentos fulcrais pode sempre contar-se com ele. Há sempre sentido de Estado”, é muitíssimo discutível. Quanto a La Feria, não sou particular admirador. De vez em quando oferecem-me bilhetes e aproveito. Dispenso Maria joão Avillez como crítica de Teatro.                     João Floriano > Filipe Costa: A propósito do Bloco. Vai ser interessante ver como é que a ala radical e pró Mortágua do PS, se vai conseguir demarcar do que já aqui vi qualificado como uma possível burla à Social por parte do Bloco.       maria santos: O tique tóxico reside no centro direita da social-democracia chique do Estado Novo e do 25 de Abril, que vê as populações no tempo e no modo de Pedro Homem de Melo no programa da TV que mostrava os ranchos folclóricos das Beiras e Ribatejo, a chula, o vira, o corridinho, tudo acompanhado à concertina, viola, adufe e mais os cantares das mulheres. Creio que era O Povo que Canta ou algo assim. Um programa muito interessante e muito chique, de alta cultura, mas a quilómetros do analfabetismo e pobreza a salto para as estranjas. Ao tempo do Estado Novo também tínhamos nos liceus das raparigas os nossos ranchos folclóricos nas aulas de ginástica. Tudo muito giro. Eu eduquei-me nesses tempos de faz-de-conta chique na Gulbenkian e no Coliseu dos Recreios da temporada de ópera (a noite do 24 para o 25 Abril com Joan Sutherland), vivo há 50 anos no faz-de-conta reles das esquerdas do PS e do PC e há muitos anos deixei de ter paciência cristã para estas hipocrisias de bem do PSD que não convive com o povo meio abrutalhado quando lhe salta a tampa (era só o que faltava !!!) nem sabe o que quer. Temos pena e temos tempo. João Floriano > Carlos Chaves: Subscrevo. Não acredito nesta mudança. É tudo oportunismo eleitoral.

 

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