Com mais ou menos pertinência, numa expressão não banal. De Maria João Avillez que nos faz
bem sempre ler, na sua escrita elegante e sem azedume.
Aconteceu
O tique de recorrer à “extrema
direita” sem sombra de racionalidade política ou de critério é tóxico para os
seus praticantes. E transforma-os em dependentes de um tique tóxico.
MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 29 jan. 2025, 00:2233
1Vivo a dizer que não conheço maior
fornecedora de surpresas do que a política por isso talvez me tenha espantado
menos do que o comum dos mortais meus concidadãos: metade do país achou que líder do PS deu um aparatoso salto mortal
com a sua (extraordinária, a vários títulos) entrevista de há dias; outros
desconfiaram, indignaram-se, vilipendiaram-no. É indiferente. É mais
importante o que disse do que as razões por que o disse, mesmo se, como ouvi,
foram “oportunísticas”: más
sondagens, ruidosos confrontos internos, distintas (opostas?) visões sobre a
“natureza” do PS, incertezas quanto ao destino final do confronto. Isso. Sucede
que o salto mortal serve o país muito mais que “ajudar” (!) o governo, a AD, a
“extrema direita” (céus!) ou o próprio PS (e já repararam a pouca importância que se atribui ao país e ao seu
interesse nacional no “ranking” das razões e argumentos? )
Claro que o salto mortal foi olímpico — quem não se lembra daquela acusação
inclassificável na sua inverosimilhança do “governo mais extremista de sempre”
feita há semanas por Pedro Nuno Santos a Luís Montenegro? Ou da manifestação contra a polícia
participada por pesos pesados do PS — um partido pilar da democracia, um
partido de poder, um partido de governo? — só para citar dois péssimos
exemplos do duvidoso rumo socialista. Continuo porém a sustentar o que deve ser
tido em conta: a mudança de posição do líder socialista revendo a matéria
da crucialíssima questão da imigração pode fazer dele o bem-vindo parceiro no
que há a fazer: que é muito e difícil
e politicamente espinhoso mas que por isso mesmo tem de ser reflectido em
comum. O país não o dispensa, a política reclama-o, política bem-feita
é isso.
Se é possível, se foi “oportunismo”
político do PS ou se será mera utopia, ninguém sabe, mas o primeiro passo foi
dado — e que primeiro passo! Rezemos pelo segundo.
2Aprecio muito a fidelidade na política —
e dou por ela — mas que confusão letal: como foi possível que por ser
“costista” Ana Catarina Mendes considere que essa fidelidade a convida a
patinar a alta velocidade sobre a realidade das coisas como estão e (nos) diga
sem se embaraçar que “vê com pena a
aproximação do PS à extrema-direita”? (cito de memória). O tique de recorrer à “extrema-direita”
sem sombra de racionalidade política ou de critério está a revelar-se tóxico
para os seus praticantes. Justamente surgem-nos como toxicodependentes do
próprio tique.
3Ninguém parece muito surpreendido:
Donald Trump está fazer o que prometeu, das
tarifas às deportações, passando pela revisão das alianças geoestratégicas do
seu país. A América” tem de ser grande outra vez”, primeiro
mandamento que condicionará outros e perturbará o mundo (já começou). Trump
tem pressa na concretização da sua nunca provada receita — e da mistura de
ingredientes que escolheu para a produzir — e
a pressa tem a marca da urgência: sabe que tem apenas dois anos para cumprir
uma agenda de consequências imprevisíveis. Uma Europa
aflita e indefesa hesita em como lidar com o encadeado dos desfechos que
fatalmente se seguirão. Também não é novidade: há muito que a Europa
sempre tão decididamente vivida e assumida como um todo e não como um puzzle de
países “cada um na sua” —
encalhou em si mesma: burocratizando-se até ao sufoco, regulando-se obsessivamente
e auto-anestesiando-se na capacidade de decisão e de vontade política. Qualquer
dia é um continente caído em desuso, mas a “culpa” não é só do novo presidente
que não a valoriza como interlocutora nem se comove com a nossa absoluta
dependência de uma NATO que não pagamos. Tudo muito previsível, os sinais
estavam há muito acesos.
Além de aflitos e indefesos nem a
Europa nem os europeus estão de todo preparados : para a génese da mudança que já começou e
para a dimensão que ela indiscutivelmente assumirá.
Pequena nota: apesar de tudo nunca poderia prever que cavalgada
trumpiana fosse ampliada com a assinatura presidencial de indultos aos
implicados na inesquecível “cena” do assalto ao Capitólio. (Há
dois ou três dias um republicano com importância, o senador Tom Cotton, amigo e
apoiante de Trump, manifestou com pública veemência a sua indignação. E os
outros?)
É
que se Biden “salvou” indecentemente a sua família&amigos da Justiça — vai
morrer com essa vergonha –, o Capitólio não podia ter perdão. Não me lembro de
tão deploravelmente acintoso uso do poder poder dito democrático.
Dias perigosos?
4Lembrei-me do que uma vez me disse
alguém muito próximo do Presidente da República: “nas grandes alturas e nos momentos fulcrais pode sempre contar-se
com ele. Há sempre sentido de Estado”.
Pude comprová-lo agora mais uma vez,
tratava-se de um “desses” momentos. Em nome do país e com o sentido de Estado
que lhe merecia um grande patriota, Marcelo despediu-se há dias do general Vasco
Rocha Vieira. Cidadão
cumpridor, militar servidor, homem de família devotado à Leonor e aos três
filhos altos como ele, senhor de amigos, olhar claro, sorriso doce. Andou pelas
sete partidas em serviço, era a “pátria” que lhe desenhava os itinerários e os
mapas, e ele ia. Coube-lhe a “entrega” da diminuta última parcela de um Império
que já não existia mas no qual acreditara e servira. Portugal reteve-lhe o
gesto e o melancólico brio na postura com que o fez no tão longínquo Macau. (Não,
não escrevo palavras de circunstância, alinhadas mecanicamente, escrevo
intencionalmente em nome de um exemplo português e honrando a memória de um
dos“melhores”.)
A dado passo não foi bem tratado, julgo
que a ferida nunca cicatrizou por dentro, continuando por fora sempre o
mesmo Vasco: na adversidade, direito como um cipreste, no resto, o tal
inesquecível sorriso doce com que pontuava as conversas que adorava ter com os
amigos, que eram muitos. E onde a caminhada do país e o seu destino tinham
invariavelmente a parte de leão nesses cruzados diálogos entre diversas
plateias. Conheci-o muito tempo antes de ele ser “conhecido”, era apenas nosso
amigo, amizade nunca interrompida. Continuaremos a ver-nos, agora de outra
maneira. A saudade encarregar-se-á desta
minha certeza.
5Mesmo conhecendo bem o encenador e o seu
trabalho, quem havia de dizer? Não eu, seguramente, mas La Feria disse-o e
fê-lo: “Fátima-Opera Rock”?
Saí de casa na dúvida temendo alguma
lamechice/beatice, bilhete postal com crianças e azinheiras. Dez minutos depois
percebi que dizer surpresa era pouco. A prova, audaciosa, reclamava uma
exigência de aço: investigação histórica, saber, seriedade, cor do
tempo, justeza de tom, bom senso, bom gosto, castings perfeitos. Pois bem,
está lá tudo, sobretudo essa difícil, delicada, “separação” de transmitir a
partir de um palco que é a “diferença”
entre “visões” e “aparições”. O ponto de partida não foi, como ele
escreve no programa, “fazer apenas mais um espectáculo mas uma
reflexão profunda sobre Portugal, a sua história, e a dimensão cultural,
espiritual e humana que projectam o nosso país no mundo, tocando pessoas de
todos os continentes e religiões. “
A
este multi-talentos que produz, escolhe, encena, dirige, compõe, assina o
guarda-roupa (e… arrisca qualquer polémica) devo acrescentar que desde o século
passado nunca vi o seu talento deixar de surpreender, o que é uma forma de o
fazer render.
Segredo?
Talvez ambição do seu talento e o talento para servir essa ambição.
POLÍTICA PEDRO NUNO
SANTOS IMIGRAÇÃO MUNDO MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA
COMENTÁRIOS (de 33)
Carlos Chaves: Cinjo-me ao ponto 1) Então a
Maria João Avillez ao que chama “salto mortal”, acha que termos um candidato a
PM e líder da oposição que não é uma pessoa séria, que mente com quantos dentes
tem, que um dia diz uma coisa e no outro o seu contrário, que nos empobreceu
por WhatsApp, que morre de amores pela extrema-esquerda, é normal e positivo
para o país? Apesar de ter adorado um e continuar a promovê-lo, qual Marquês de
Pombal, nunca se pode confiar num socialista! Ou seja, o governo de que este gabiru político
fez parte cometeu um crime político (o Costa e a Constança com ele a assistir),
ao escancarar as portas à imigração sem controle, e agora basta vir dar o
dito pelo não dito, e já é quase um herói nacional! Para além de um crime
político há vitimas a sério, esta gente tem as mãos com sangue! É indefensável
a sua defesa!
JOHN
MARTINS: Driblando a MALA que foi o
grande produto tóxico da semana, MJ traz á discussão o salto olímpico de
salvação de Pedro Nuno. Finalmente, a fazer o acto de contrição, do governo de
que fez parte e reconhecer que foram um fracasso absoluto no difícil assunto da
IMIGRAÇÃO; desde a entrada escancarada, para todos sem lei nem roque a culminar
na extinção do SEF. Resultado: 400.000 ilegais que o Governo de Montenegro
tem em mãos e que está a resolver. È disto que precisamos. RESOLVER.
Rui Lima: PNS pode ter dado a entrevista depois de ter viajado
ou lido sobre a situação em várias cidades desta Europa e pode ter ficado
chocado com o que viu ou leu, não quer o mesmo para Portugal, ver grandes áreas
onde não há espaço para europeus, ter zonas onde 100% dos habitantes praticam
outros costumes pode não agradar ao líder do PS, considero esta entrevista um
acto de amor por Portugal, outros dizem que é puro oportunismo político …aí as
sondagens. Na verdade vejo ventos de pânico nos portugueses com a invasão, das
aldeias a cidade, mas tem medo de falar quem não concorda é extrema direita ,
mas o povo comunista e socialista não gosta da situação. A esquerda valida
as fronteiras abertas pela economia mas desde quando é que a esquerda quer os
empresários e proprietários a ficarem mais ricos com a exploração de imigrantes? Obs. Lembro o que disse o 1.º ministro francês “Bayrou
afirmou que havia em França "um sentimento de opressão migratória".
"As contribuições estrangeiras são positivas para um povo, desde
que não excedam uma certa proporção". João Floriano: Divido a crónica em duas partes. Na primeira Maria João Avillez
analisa correctamente o momento actual do PS e dos seus lideres. PNS pode ter
dado o tal mortal encarpado, se bem que ouvindo ou lendo várias vezes a
entrevista, não há nada de particularmente diferente. Certamente que o que
irritou as sumidades socialistas foi Pedro Nuno ter dito que sempre tinha
torcido o nariz à declaração de interesse. Ora foi isso precisamente que
Ana Catarina Mendes andou a promover enquanto esteve no governo com os
brilhantes resultados que conhecemos. PNS não tinha saída senão dar aquela
entrevista. Conquistar a CMLisboa assim o exigiu, depois de Alexandra Leitão
ter andado a fazer tristes e ridículas figuras na rua do Benformoso. Mas
todo o salto mortal exige uma aterragem suave. A de PNS foi tudo menos isso.
Não convence os eleitores, clivou o partido ainda mais do que já está e a
escolha do candidato a Belém promete partir de vez o que já está rachado. A
partir daí a crónica deixa de ter interesse sobretudo quando mais uma vez
elogia o pior presidente após o 25 de Abril. Maria João Avillez confunde
amizade pessoal com competência na execução do cargo. Tem todo o direito de
gostar de Marcelo, embora não lhe gabe o gosto. Mas vir-nos dizer que “nas
grandes alturas e nos momentos fulcrais pode sempre contar-se com ele. Há sempre
sentido de Estado”, é muitíssimo discutível. Quanto a La Feria, não sou
particular admirador. De vez em quando oferecem-me bilhetes e aproveito.
Dispenso Maria joão Avillez como crítica de Teatro.
João Floriano > Filipe Costa: A propósito do Bloco. Vai ser interessante ver como é que a ala radical e
pró Mortágua do PS, se vai conseguir demarcar do que já aqui vi qualificado
como uma possível burla à Social por parte do Bloco. maria
santos: O tique tóxico reside no
centro direita da social-democracia chique do Estado Novo e do
25 de Abril, que vê as populações no tempo e no modo de Pedro Homem de Melo no programa da TV que mostrava os
ranchos folclóricos das Beiras e Ribatejo, a chula, o vira, o corridinho, tudo
acompanhado à concertina, viola, adufe e mais os cantares das mulheres. Creio que era O Povo que Canta ou
algo assim. Um programa muito interessante
e muito chique, de alta cultura, mas a quilómetros do
analfabetismo e pobreza a salto para as estranjas. Ao tempo do Estado Novo também tínhamos nos liceus das raparigas os nossos
ranchos folclóricos nas aulas de ginástica. Tudo muito giro. Eu eduquei-me nesses tempos de faz-de-conta chique na
Gulbenkian e no Coliseu dos Recreios da temporada de ópera (a noite do 24 para
o 25 Abril com Joan Sutherland), vivo há 50 anos no faz-de-conta reles das
esquerdas do PS e do PC e há muitos anos deixei de ter paciência cristã para
estas hipocrisias de bem do PSD que não convive com o povo meio
abrutalhado quando lhe salta a tampa (era só o que faltava !!!) nem sabe o que
quer. Temos pena e temos tempo.João Floriano > Carlos Chaves: Subscrevo.
Não acredito nesta mudança. É tudo oportunismo eleitoral.
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