quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

O passado

 

Também tem que se lhe diga, na questão do tal capital cultural. Mas outras coisas se fizeram e fazem, por cá, de relevância bastante, afinal, não vale a pena ter complexos desses e esforcemo-nos antes por impor regras mais afins de um orgulho próprio humano. Todavia, um país que destrói alvarmente a sua língua, com certas normas absurdas ditadas por um Acordo Ortográfico há muito reprovado, mas que, - apesar dos bastos protestos de alguns mais cônscios (que infelizmente se calaram há muito) - persiste na sua estultícia no capítulo da lógica gramatical de vários componentes desse Acordo, merece bem o risível da humilhação comparativa que o texto de L V TAVARES denuncia. Oxalá o novo Governo possa e queira retomar o assunto, embora duvide que o deseje ou que o deixassem os não partidários do novo Governo. Mas um país onde a lógica gramatical é adulterada, adulterará sem esforço qualquer outro tipo de lógica que só um pensamento imaturo, débil, indiferente a lógicas ou a respeitos, poderá consentir. Daí que não se estranhe tal défice cultural, que um 25 de Abril perpetrou, ignaramente destruidor de valores e de princípios - em função de uma firmeza bacoca a respeito da exclusividade das ideologias democráticas da paranóia acusadora do passado (para mais fácil absolvição das cobardias do presente). Resta-nos o pensamento nas gentes do nosso tablado literário ou mesmo o heróico, de outrora, que a História e a obra preservam, para além das gentes do presente que continuam a encher-nos de estima admirativa – onde não faltam a beleza das nossas tradições populares a acarinhar-nos, se não o orgulho, pelo menos a devoção pela “ditosa pátria” que um épico maior sublinhou no passado, com tal esplendor de beleza criativa, e que um povo carinhoso igualmente sublinha, nas suas danças e cantares do nosso encanto televisivo no encantador programa do Canal 1, de sábado à tarde.

O défice de Portugal em capital humano: presente e futuro

apesar de já termos celebrado meio século de 25 de Abril, estaremos a completar o primeiro quartel do século actual com défice grave no capital humano o qual parece estar a ser mais difícil de corrigir

LUÍS VALADARES TAVARES Professor Catedrático Emérito IST e da Universidade Lusíada, Presidente da APMEP-Associação Portuguesa dos Mercados Públicos e ex- Presidente do INA

OBSERVADOR 07 JAN. 2025, 00:13

1O défice actual: inquérito OCDE 2022-23

O estudo da OCDE recentemente divulgado com o título “Do adults have the skills they need to thrive in a changing world?” inclui inquérito realizado nos países da OCDE sobre três dimensões cruciais nas competências dos adultos — entre 15 e 65 anos — tendo para nós interesse acrescido pois Portugal participou pela primeira vez. As competências analisadas incluíram a literacia (capacidade de comunicar-lendo e escrevendo — com o uso apropriado das lógicas semântica e sintática), a numeracia (capacidade de manipular símbolos e relações quantitativas) e a aptidão para resolver problemas (formulação do problema e obtenção da solução).

A comunicação social divulgou os resultados mais chocantes que vieram agora a lume: pior do que Portugal nas três competências só o Chile e os nossos adultos com Ensino Superior estão pior do que os do Secundário da Finlândia.

Para além destas conclusões muito preocupantes, este estudo também permite inferir outras conclusões, designadamente comparando com a Irlanda pois é um país pequeno e periférico da UE, que parte de uma situação socio-económica — há meio século, em 1973 — muito semelhante à de Portugal, pois nesse ano o PIB/capita em paridades de poder de compra usando a média da UE (15) de 1995 (100) era de 66 para a Irlanda e de 65 para Portugal.

A comparação com a Irlanda ilustra bem a distância que nos separa:

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Distância que é maior na literacia (28 pontos) do que nas outras competências (-22 e -16 pontos para Numeracia e Resolução de Problemas, respectivamente) até porque a Irlanda se situa ligeiramente abaixo da média nestas duas últimas competências.

Segundo a classificação da OCDE, os níveis de competências «1 e 1» são claramente inadequados aos modernos postos de trabalho, os níveis 2 e 3 correspondem ao aceitável e os níveis 4 e 5 a boa e muito boa capacidade. Infelizmente, Portugal apresenta percentagens alarmantes e homogéneas para os primeiros dois níveis:

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Ou seja, cerca de 40% da nossa população entre 15 e 65 anos não está adequada ao mundo laboral moderno.

Para a generalidade dos países e para a própria média da OCDE, as três competências em estudo mantêm-se semelhantes para os grupos 15 a 24 anos e 25 a 34 anos caindo para os restantes escalões etários, mas tal não acontece com Portugal pois a queda inicia-se entre estes dois grupos com cerca de 15 pontos para literacia e numeracia e de 10 para a terceira. Ou seja, o nível médio de competências do grupo etário 25-34 anos o qual já beneficia de maior escolarização e que terá vivido o seu percurso escolar em boa parte na primeira década deste século, afasta-se ainda mais da média da OCDE.

2O défice futuro: TIMSS 2023

O projecto TIMSS coordenado pelo Boston College é, por certo, o mais reputado estudo de competências em Matemática para o 4.º e 8.º anos de escolaridade, dispondo já de longos estudos longitudinais, pois o primeiro inquérito é de 1995. Infelizmente, Portugal só participou em 2019 e 2023 para o 8.º ano, mas para o 4.º ano já obtivemos os resultados para 2011, 2015, 2019 e 2023. Apresentam-se seguidamente os resultados em comparação com a Irlanda:

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Estas duas evoluções mostram bem como Portugal parte de melhor desempenho no início da segunda década deste século para o 4.º ano e melhora até 2015, mas quando se inicia a política educativa dos Governos liderados pelo PS, os resultados iniciam descida significativa de 23 pontos no caso do 4.º ano (518-541) entre 2015 e 2023 e de 25  para o 8.º ano (475-500) entre 2019 e 2023, não se podendo usar o argumento do COVID pois a Irlanda também foi assolada pela epidemia.

As causas deste insucesso já estão bem estudadas e podem resumir-se a 4 vectores: desorganização curricular contrariando as recomendações das sociedades científicas da especialidade, redução dos sistemas de avaliação e consequente esbatimento dos instrumentos de incentivo, confrontação quase permanente com a classe dos professores, e, por último, desastrosos processos de informatização e de digitalização do ensino, reduzindo-os à compra de computadores, em atraso e sem a necessária manutenção.

Em boa hora o actual Governo está a procurar reparar os danos desta guerra perdida para os nosso alunos mas as consequências futuras deste novo défice são inevitáveis e irão, certamente, surgir no próximo inquérito da OCDE sobre competências dos adultos.

Em suma, e apesar de já termos celebrado meio século de 25 de Abril, estaremos a completar o primeiro quartel do século actual com défice grave no capital humano o qual parece estar a ser mais difícil de corrigir do que o próprio défice financeiro, paradoxo também resultante do próprio défice educacional e de este ser bem menos noticiado e debatido do que o das contas públicas.

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