quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Em redor da violência europeia e nossa



Três textos e um comentário elucidativos: o reacender do jihadismo, o requinte informativo, o aumento das forças de segurança, e dos meios de conhecimento… os problemas do aumento dos combustíveis na organização das revoluções populares caprichosamente coloridas…
Mas por cá as greves, cada vez eficientes, na destruição pretendida … E também, em breve, com coletes amarelos talvez mais amarelos, que somos bons a reproduzir, história das botas de biqueiras pontiagudas como Eça referiu, pela voz dos dois amigos Ega e Carlos, em  remate, por Lisboa…
I - TERRORISMO:  Estrasburgo
DIOGO NOIVO, Analista de Risco Político
OBSERVADOR, 18/12/2018
Hoje a perigosidade da ameaça terrorista é inferior ao que foi no passado recente, mas o regresso dos que combateram no Iraque e na Síria poderá trazer mais competência e letalidade aos atentados.
Na passada terça-feira, um homem isolado disparou contra transeuntes junto ao mercado de natal de Estrasburgo. O sentimento de alarme ecoou por toda a Europa.
À primeira vista, a ameaça jiadista no continente europeu parece estar em crescimento. De acordo com o mais recente relatório da Europol, considerando a soma de atentados falhados, desarticulados e executados, o terrorismo em nome da jihad foi responsável por 33 incidentes em 2017, mais do dobro dos ocorridos no ano anterior. Reconhecendo pequenas oscilações nos dados, esta tendência de aumento verifica-se desde 2014.
Contudo, quando analisamos o número de vítimas mortais surge um quadro radicalmente diferente. No ano de 2017, o jiadismo matou 62 pessoas na Europa, o que compara com 135 em 2016 e com 150 em 2015. Ao comparar os atentados mais letais de cada ano o decréscimo torna-se ainda mais evidente: 22 vítimas mortais em 2017 (Manchester); 86 em 2016 (Nice); 130 em 2015 (Paris). Trata-se, aliás, de uma tendência verificada em todo o mundo: o número de mortos resultantes de atentados terroristas caiu em 2017 pelo terceiro ano consecutivo. A Europa é a região onde a queda é mais pronunciada.
Com cinco mortes a lamentar, o atentado da passada terça-feira em Estrasburgo é o mais letal no espaço comunitário em 2018. Sem menorizar a gravidade do ocorrido nem esquecer o impacto que tem nos planos social e político, a diferença na ordem de grandeza é significativa.
O decréscimo acentuado do número de vítimas mortais, aparentemente incongruente com o aumento de incidentes, tem três causas. Primeiro, o aumento da eficácia das forças e serviços de segurança, que se deve, entre outras razões, à melhoria na troca transfronteiriça de informações, ao aperfeiçoamento da formação, e à aprendizagem que decorre da experiência.
Segundo, o reduzido envolvimento de terroristas que combateram no Iraque e na Síria em atentados em solo europeu. Ao terem formação e experiência no uso de armas de fogo e de engenhos explosivos, estes indivíduos são naturalmente capazes de infligir um dano maior do que aqueles que carecem desse tirocínio. Como demonstrado num relatório elaborado pela Universidade George Washington, pelo International Centre for Counter-Terrorism e pelo Italian Institute for International Political Studies, os terroristas com experiência de combate foram apenas 18% do total de indivíduos responsáveis por atentados no período 2014-2017, mas os ataques por eles perpetrados provocaram um número de mortos mais elevado (uma média de 35 vítimas mortais por atentado face a sete de média geral). Em terceiro lugar, e porventura mais importante, a falta de sofisticação – e, por vezes, o amadorismo flagrante – dos atentados mais recentes. O recurso a armas brancas, a armas de fogo ligeiras e a veículos para ataques que dispensam grande planeamento explicam, em grande medida e a um só tempo, o aumento do número de incidentes e o decréscimo do número de vítimas mortais.
É nestes casos de menor sofisticação que se encontra o perfil-tipo do jiadista que atenta contra países ocidentais. De acordo com o já referido relatório, que engloba dados europeus e norte-americanos, 82% dos terroristas estavam identificados pelas autoridades, 57% tinham antecedentes criminais – muitas vezes por crimes sem qualquer relação com o fenómeno terrorista – e 34% cumpriram pena de prisão antes de abraçarem o radicalismo violento. A maior parte são homens com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos de idade, nascidos ou criados nos países que atacaram.
A presença de criminosos comuns em organizações terroristas não é inovadora, mas assumiu maior visibilidade e relevância após a criação do autodenominado Estado Islâmico (EI). A crescente presença de ex-reclusos no meio jiadista e os casos de radicalização em prisões são, de resto, factos assinalados pela imensa maioria dos estudos recentes sobre o fenómeno terrorista na Europa. Olhando para o caso francês, e de acordo com dados divulgados pelas autoridades do país, há no sistema prisional 504 reclusos condenados por crimes de terrorismo e 1.123 por delitos comuns que estão sinalizados como radicalizados. Cerca de quatro em cada 10 dos condenados por terrorismo de cariz jihadista em França nos últimos 15 anos tinham cadastro por delitos comuns.
A escassa informação disponível e confirmada indicia que Cherif Chekatt, autor do atentado em Estrasburgo, é um caso paradigmático deste perfil-tipo. Natural do distrito de Estrasburgo, com 29 anos de idade, tem cadastro em França e na Alemanha por delitos comuns e está registado como “fiché S” pelos serviços de informações franceses por suspeitas de radicalização – algo que, segundo se sabe, foi detectado pelas autoridades quando Chekatt cumpria pena de prisão.
Checkatt parece enquadrar-se no perfil também no que respeita à forma como se radicalizou. As informações disponíveis sugerem que o processo ocorreu através de contactos directos com pessoas envolvidas em actividades jiadistas, a via adoptada na maioria dos casos. Ao contrário do que por vezes se ouve e lê, a propaganda difundida online desempenha um papel menor na adesão ao jiadismo. A percentagem de jiadistas europeus que iniciaram o contacto com radicalismo via online andará entre os 20% e os 30%. Destes, a maioria usou a internet apenas como porta de entrada, tendo continuado o processo mediante contactos directos com recrutadores, muitas vezes de forma presencial.
O atentado em Estrasburgo, inserido no quadro geral da ameaça terrorista em solo europeu, deve suscitar reflexões consequentes sobre vários aspectos. Em primeiro lugar, entender que a ameaça predominante neste momento não vem de fora. Na sua maioria, aqueles que cometem atentados com motivação jiadista na Europa nasceram, cresceram e, mais importante, foram radicalizados em território europeu.
Em segundo lugar, compreender que os estabelecimentos prisionais de alguns países europeus são hoje focos de radicalização. Urge repensar a política penal, a forma como são geridas as cadeias e a formação ministrada aos profissionais deste sector. Não estamos perante uma epidemia que alastra de maneira descontrolada, mas os sinais de alerta são evidentes e preocupantes.
Em terceiro lugar, compreender que a radicalização se faz essencialmente mediante contactos pessoais, em salas de conversação virtuais e muitas vezes através de contactos cara a cara. É hoje relativamente consensual que a propaganda jiadista na internet é criada com o propósito de reter militantes – para travar, nomeadamente, as deserções do EI –, de reivindicar atentados, de manter uma presença activa no espaço público, e não para captar novos afiliados. É imprescindível monitorizar o jiadismo online, mas não centrar nesse acompanhamento o grosso dos esforços de combate à radicalização.
Por último, e mais relevante, tudo isto pode mudar. O regresso à Europa dos terroristas que combateram no Iraque e na Síria poderá introduzir um maior grau de competência nos atentados e, assim, torná-los mais letais. Por outro lado, o vazio deixado pela derrota militar do EI será muito provavelmente preenchido a prazo por uma outra versão do EI, pela al-Qaeda, ou por uma organização a criar, o que aumentará a complexidade da ameaça.
Apesar do terror e da ansiedade inoculados pela violência terrorista, vivemos uma época onde a perigosidade da ameaça é inferior ao que foi no passado recente. É, por isso, o momento ideal para corrigir as falhas detectadas nas políticas europeias de combate ao terrorismo e para acautelar um futuro que se adivinha mais difícil.
II - FRANÇA Da fúria à revolta: a cidadania em armas.
BERNARDO MARINHO DA MATA, Mestre em Estudos de Conflito – London School of Economics
OBSERVADOR, 19/12/2018
 Será que o movimento dos coletes amarelos resultará numa Revolução Europeia, como certos grupos acreditam? Possivelmente não, pois não haverá financiamento que os permita persistir em força no tempo.
Não será necessário explicitar como os coletes amarelos debutaram algo de paradigmático no presente contexto sociopolítico pois todos o observamos com maior ou menos entusiasmo, maior ou menor solidariedade, maior ou menor admiração. É, todavia, consensual: fizeram-no para mudar (e conseguiram-no parcialmente). Aqui, insere-se uma premissa algo perigosa, mas não falaciosa como explicarei adiante, que é a dedução que a mudança é movida por violência. Ora, esta premissa, que se corporiza com facilidade na famosa indução de Trotsky de que o sucesso de um movimento social depende de um estado revolucionário permanente, não é exclusivamente característica do sistema de pensamento metapolítico de génese marxista. Nem da Esquerda. Nem da Direita. Nem dos Extremos. A noção de que a violência é o motor da evolução e organização social é intrinsecamente humana a montante e animal a jusante.
O leitor encontrará exagero e extrapolação, por ventura, nesta minha última frase, o que é natural. Contudo, passo em minha defesa a definir o que se entende por violência. Por violência (vocábulo derivado do latim “violentia” que significava “ímpeto” deve entender-se a verbalização e/ou manifestação física de oposição/antagonismo a outrem ou a algo que inflicta nestes mesmos dano total ou parcial, num espectro conceptual mais abrangente. Ser-se oposto a algo não é ser-se violento, isso sendo apenas repulsa. Mas verbalizar consistentemente e/ou concretizar fisicamente, directa ou indirectamente, no outro com o objectivo de diminuí-lo e destruí-lo é ser-se violento. A este propósito, existe um breve artigo de fácil leitura de Vittorio Bufacchi, estudioso de Teorias da Violência, que incide sobre as duas conceptualizações da violência: a minimalista e a compreensiva.
Sumariamente e sem prejuízo da teorização do autor, a conceptualização minimalista da violência incide sobre a sua dimensão exclusivamente física, enquanto a conceptualização compreensiva estende-se à dimensão psicológica e contextual. Não se veja este tabelamento de um fenómeno tão complexo como é a violência como uma forma de soberba intelectual. De todo, pois apenas se trata de uma simplificação com um propósito meramente instrumental para uma compreensão mais eficiente do próprio fenómeno. Feita esta ressalva, retomo ao foco do presente artigo: como compreender o movimento e as manifestações vulgarmente ditas de “vandalismo” dos coletes amarelos?
Foram emitidas várias opiniões e pareceres, desde Cientistas Políticos, Sociólogos, Economistas, Historiadores, Políticos até Jornalistas, oscilando entre os argumentos de que se trata de um agrupamento genuíno de pessoas contra a política fiscal Francesa e de que se trata de um novo populismo de massas genuinamente surgido mas oportunisticamente aproveitados por determinados quadrantes políticos, ou da Extrema-esquerda ou da Extrema-Direita. Não me delongarei nestas apreciações pois não me parecem apropriadas para o foco deste artigo. Apenas me debruçarei a dimensão da violência neste fenómeno, começando por arguir que aquilo que observámos em Paris não se tratou de vandalismo nem de terrorismo (como alguns o designaram com uma certa infelicidade pelo que banaliza algo tão mais perverso e reprovável como é o terrorismo) mas sim de luta política.
O leitor apressar-se-á a contrapor com a evidência de que é possível fazer luta política sem recorrer a estes “meios”. É verdade mas também é verdade que os fins dos coletes amarelos não são os mesmos que os das manifestações convencionais ou até da própria competição dos agentes no seio de um sistema político. Os coletes amarelos são anti-sistémicos, não se revendo na estrutura nem nas premissas em que o presente sistema, cabalmente reflectido na Presidência de Macron, está alicerçado. Portanto, não foi o caso de Macron ter traído o eleitorado mas, sim, foi o caso de que existe uma franja considerável dos franceses que já nem no sistema se revêem.
Enquanto a corrida de Le Pen (quase bem-sucedida) à Presidência conseguiu acomodar esta franja, a sua derrota despertou a velha concepção genericamente veiculada pelas pessoas de que “as coisas nunca mudam” e que molda a própria concepção do mais recente anglicismo importado que é a do “Establishment”. As coisas não mudam porque estão estabelecidas e se estão estabelecidas, não mudarão a não ser que algo de muito forte as mude. Esse algo muito forte é a violência e aqui arrogo-me ao conceito de Buffacchi para dizer que essa mesma violência é aquela conceptualmente designada de “compreensiva”. Isto, porque não é exclusivamente física. Aliás, é até maioritariamente discursiva e atitudinal. Os discursos de figuras como Trump ou Salvini (a mero título exemplificativo e sem qualquer julgamento ou conotação negativa associada pela minha parte) são “violentos” pela introdução de uma oposição consistentemente verbalizada contra outrem ou algo que visa infligir dano. Dano no “Establishment”, dano na União Europeia, etc…
Devo chamar à atenção para o facto de que a natureza violenta dos discursos não é necessariamente ofensiva ou defensiva, fazendo parte do que é a interacção humana. A violência está presente no nosso quotidiano e isso não é obrigatoriamente mau. Já a repressão desse “ímpeto” por via de condicionamento do discurso é altamente nociva para a própria coesão social pois canaliza a violência da sua vertente mais compreensiva e gerível para uma vertente mais imediata e minimalista da sua aplicabilidade. Os indivíduos entram numa espiral ansiosa e conspirativa de que a coerção do Estado (também uma forma violência e física) é também canalizada para a supressão das suas ideias e das opiniões. E reforço: estar em desacordo não é ser-se violento mas reduzir o desacordo às regras do politicamente correcto é socialmente correcto e faz extrapolar o desacordo para a oposição e a oposição para a revolta.
E o leitor pergunta: será isso um fenómeno recente? Não, não é. O ambiente que precedeu as Revoluções Liberais no século XIX e das Resistências Oposicionistas aos diferentes Regimes Autoritários no século XX e até agora era mesmo o do politicamente convencionado e do policiamento discurso, acompanhado por norma de uma situação económica crescentemente adversa. Mas será a economia o factor-chave no despoletar da violência social enquanto percursora das Revoluções Políticas? Não necessariamente mas não pode ser ignorado como combustível privilegiado da acção por ser o facto que mais influencia a sobrevivência diária de todos. Quando em Paris os manifestantes partiram montras e queimaram carros, não é que os proprietários fossem os particularmente visados mas sim que essas lojas, esses carros, essas localizações exclusivas eram o materializar, no entender dos manifestantes, do sistema que se combatia. Daí ter feito a nota de que não era vandalismo nem terrorismo, pois conceptualmente não se enquadra nem num nem noutro. Na verdade, tal como sucedera no período que precedera o estado revolucionário francês no final do século XVIII em que os motins eram frequentes até culminarem na explosão de violência colectiva que fora a Tomada da Bastilha e que inspiraria futuramente o ideal contido na expressão de cidadãos em armas.
A questão que resta é: será que o movimento dos coletes amarelos resultará numa Revolução Europeia, como certos grupos políticos acreditam? Possivelmente não, pois não haverá financiamento que os permita persistir em força no tempo. Contudo, isto não indicia que outros não o consigam. Mais: isto não indicia de todo que esta “onda de violência” desvanecerá simplesmente como se nada tivesse acontecido. Como tive oportunidade de defender em escritos anteriores, o encadeamento da violência é cumulativo, culminando em fenómenos racionalizados de extrema-violência e/ou de crueldade. Quase como descargas eléctricas, em abono da verdade e não encontrando melhor metáfora.
Cabe, pois, ao centro político moderado não reflectido nos presentes actores político-partidários acomodar as reivindicações destas franjas sob pena da própria Democracia sofrer por dano colateral de algo que é simplesmente o descontentamento legítimo das populações.
III - COMBUSTÍVEL: O significado político dos coletes amarelos
OBSERVADOR, 18/12/2018
As manifestações dos coletes amarelos foram a primeira movimentação popular de peso contra políticas ambientais. O seu profundo significado político reside precisamente no reconhecimento desse facto.Em três semanas de manifestações, o balanço das centenas de milhares de pessoas mobilizadas em França pelos “gilets jaunes” é de 8 mortos e 996 feridos788 entre os manifestantes e 208 entre as forças policiais –, tendo sido efectuadas 1.603 prisões e 1.387 manifestantes colocados em “garde à vue”. Não garanto até às unidades estes números, cuja apuração ainda está a decorrer, mas dão ideia da dimensão do fenómeno.
Num ápice, a França passou de uma das democracias mais estáveis da Zona Euro para um ambiente de revolta nas ruas, carros queimados, enfrentamentos com as forças de ordem, paralisação das infraestruturas rodoviárias e desestabilização nas zonas mais emblemáticas da République, como os Champs-Élysées e o Arco do Triunfo.
Aquilo que começou como uma mera reunião de pessoas em protesto contra aumentos dos preços dos combustíveis transformou-se numa autêntica revolução que se estendeu de Paris a diversas cidades da França. Em poucos dias, passou-se de um protesto contra impostos para um objetivo político bem mais amplo, subordinado a um dos lemas da revolução francesa: “rendre au peuple son rôle souverain“. Algo de profundamente errado ocorreu em França, assente num enorme erro de cálculo de parte do governo de Macron. Esse erro está relacionado com o diferente sentido de urgência que o Governo e a população colocam nos problemas ambientais.
As manifestações dos coletes amarelos em França foram a primeira movimentação popular significativa contra políticas ambientais. O seu profundo significado político reside precisamente no reconhecimento deste facto. Até agora as políticas ambientais eram consideradas unanimemente como populares entre os países desenvolvidos. Verificou-se, no entanto, que este pressuposto estava errado. Afinal não era assim. A maioria da comunidade científica, com todo o alarmismo que colocou nos problemas ambientais, não conseguiu fazer com que as pessoas se preocupassem mais com a “pegada ambiental” do que com pagar a renda ou ter mais compras no final do mês.
Os coletes amarelos abalaram um dogma, dos mais profundos, entre o politicamente correcto: que as políticas ambientais eram unanimemente apoiadas pela população e que esta estava disposta a sacrificar-se por melhorar o ambiente.
Este raciocínio assentava num pressuposto errado, baseado na urgência dos problemas ambientais, que foram colocados acima das preocupações económicas da generalidade da população. Ora só pessoas instaladas na vida e com um certo grau de conforto aceitam que as políticas ambientais se possam repercutir nos seus rendimentos.
É justo que as pessoas com mais rendimentos paguem pelas políticas ambientais, mas profundamente injusto que estas impactam sobre setores populacionais que lutam pela sobrevivência.
No respeitante aos automóveis, são sem dúvida as classes mais afluentes que lideram a luta contra a poluição, simplesmente porque são as únicas que podem comprar carros de cerca de 50 a 80 mil dólares, como os Tesla, por exemplo. E estes carros são subsidiados: não deixa de ser injusto que os governos subsidiem automóveis que só os ricos podem comprar.
Muito pior e mais dramático é aumentar o preço da gasolina para financiar políticas ambientais, como fez Macron, porque afecta indiscriminadamente toda a população e coloca muita gente com dificuldades económicas perante a situação inaceitável de ter de comprar menos bens no supermercado para financiar carros eléctricos que nunca poderão pagar.
Há outro fenómeno que se conjuga com a situação anterior para criar uma “tempestade social perfeita”. Está relacionado com a baixa do preço do petróleo verificada nos últimos 10 anos. O barril desceu para cerca de um terço desde 2008 – em junho de 2008 estava a 161,28USD e, em 14 de dezembro deste ano, a 51,25USD — sem que o consumidor europeu tenha beneficiado desta tremenda descida da matéria prima no preço dos combustíveis. Nos EUA, a gasolina vendida ao consumidor baixou cerca de um terço desde 2008, acompanhando muito de perto o preço do petróleo, mas na Europa o sistema em vigor impediu que o consumidor beneficiasse de uma descida significativa dos combustíveis. Pelo contrário, em Portugal, escandalosamente, a gasolina aumentou desde 2008, de 1,381€ para 1,507€.
Nos EUA, o preço médio actual da gasolina é de 0,64€ por litro. Em França, a gasolina está a 1,44€ por litro. Em Portugal, está exactamente ao mesmo nível da França (GlobalPetrolPrices.com), embora a diferença de salário médio entre os dois países seja brutal: em França, o salário médio está em 2.255,00€, e em Portugal é de 925,00€. O que significa que uma empresa como a GALP, para além de beneficiar de metade do preço da matéria-prima dos combustíveis, sem ter diminuído proporcionalmente o preço de venda dos combustíveis – pelo contrário, ainda os aumentou – paga metade do salário da sua congénere francesa aos seus trabalhadores. Alguém está a ficar multimilionário à custa dos consumidores, ou seja, à nossa custa.
Contra este estado de coisas se manifestam os “gilets jaunes”. E como têm razão, é previsível que as suas atividades se estendam a toda a Europa. Em Portugal já está marcada uma manifestação para o próximo dia 21. Eu só não vou se não puder.
COMENTÁRIO:
Francisco Pinto: Finalmente alguém que entende que a história toda das "Alterações Climáticas" - anteriormente conhecidas como "Aquecimento Global", antes do rebranding - é nada mais nada menos que o esforço de quem manda a sério de deslocalizar toda a indústria para países de terceiro mundo, onde a mão de obra é ao preço da chuva, e não há regras que é preciso cumprir. Só assim se explica que o magnífico Acordo de Paris - que ia salvar o mundo, e pela saída do qual o Trump era um monstro que queria matar o planeta - imponha tantas metas e medidas aos países civilizados, enquanto deixa a Índia, a China, e o resto do sudeste asiático, que só naquela são só os maiores poluidores, completamente isentos de responsabilidades. Podem achar o que quiserem, isto está à vista de todos.


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