segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

“Cantava-se ao desafio”



A crónica de José Manuel Fernandes, que suscitou 342 comentários, até ver, lembrou-me o tipo social Zé Passarinho da Ala dos Namorados, com o final feliz do povo instalado a ouvir o fado, passarinho na gaiola do quebranto e da pasmaceira. Por isso o transcrevo e escuto, enquanto releio a magnífica crónica de José Manuel Fernandes, sobre o cinismo melífluo das sinistras Mortágua e os comentários de apoio com achegas severas, mais os de desaprovação a um tal Paul F. Summers que fez ironia. Crónica e comentários são suficientemente saborosos para dar gosto momentâneo à vida, acompanhados do passarinho da Ala dos Namorados, representante tão expressivo como o do “Queres fiado? Toma!” de Bordalo Pinheiro, por nos mostrar um Zé Povinho de arruaça, acabando em procissão até à esquadra, como víamos nos filmes doutros tempos, povo cada vez mais embasbacado hoje, a ouvir cantar o fado pelas sereias enternecedoras e dadivosas, por conta do alheio. Uma rebaldaria pegada, ora amansável, ora inflamável, povo, eu te pertenço, dizia também a nossa divina Amália, e é isso verdade, juro.
A insuportável leveza (e o cinismo hipócrita) das manas Mortágua /Premium
JOSÉ MANUEL FERNANDES
OBSERVADOR, 13/ /2018
As manas Mortágua são pródigas em lágrimas de crocodilo: nos dias pares aprovam orçamentos que cortam investimento público; nos ímpares fingem defender os utentes, mas o coração bate pelos grevistas.
Faz parte das minhas rotinas profissionais passar uma parte do dia a trabalhar não muito longe de um ecrã de televisão ligado num canal de notícias. Bem sei que não é o mais recomendável para a saúde, pois a sucessão de indignidades a que facilmente se assiste facilmente nos revolve o estômago.
Foi assim que vi surgir a dada altura, com aquele ar compenetrado e concentrado que é a imagem de marca da dupla, uma das manas Mortáguas num cenário que tinha o Tejo por fundo. O oráculo informava que se tratava de Joana, a menos mediática, “vereadora da câmara de Almada”. Mas que, na ocasião, estava no Seixal. A fazer o quê? A lamentar a falta de barcos da Transtejo e da Soflusa, essa mesma falta de barcos que leva a constantes supressão de ligações e já motivou várias revoltas dos passageiros, a mais recente no início desta semana. Melíflua, Joana Mortágua culpava a falta de investimento público, começando por responsabilizar um governo que já não é governo há três anos, um projecto de concessão a privados que nunca se materializou e derramando algumas breves lágrimas de crocodilo sobre ter-se perdido tanto tempo nesta legislatura.
Ouve-se e não se acredita. Aquela mesma Mortágua, mais a sua mana, mais os seus companheiros do Bloco, andam há três anos a suportar as escolhas orçamentais que criaram o estrangulamento em que se encontram aquelas e outras empresas de transportes. Mais do que suportar essas escolhas, foram parte dessas opções e condicionaram-nas. Foi a esquerda à esquerda do PS que erigiu como primeira de todas as prioridades a “recuperação de rendimentos”, o que se deve traduzir por “recuperação dos rendimentos dos funcionários do Estado e das empresas públicas”. Não há outra coisa mais importante nos protocolos que assinaram com António Costa, não houve nada de mais constante no seu discurso.
Como tudo na vida, essa escolha – que foi também a escolha por satisfazer a maior e mais reivindicativa clientela eleitoral do país – teve um custo: o dinheiro que foi para os “rendimentos” faltou para os “investimentos”. Como recorda a Helena Garrido, isso até já começou a ser assumido pelo primeiro-ministro, quando reconheceu que não é possível dar tudo a todos. A questão – e essa é sempre a grande questão quando falamos de políticas públicas – é se as escolhas diminuíram as injustiças ou, pelo contrário, agravaram as desigualdades. Hoje, três anos depois desta farsa se ter iniciado, o grau de degradação dos serviços públicos deixa cada vez menos dúvidas: há mais injustiça e mais desigualdades.
E não, não é verdade que, como ainda impudicamente repetiu Joana Mortágua, o que se passa em serviços como os transportes fluviais do Tejo sejam uma consequência da anterior maioria ou maldades do tempo da troika. Hoje sabemos que nunca nenhum ministro das Finanças usou tanto as cativações como Mário Centeno – o que significa que nunca nenhum ministro mentiu tanto ao elaborar um Orçamento de Estado, prometendo ir gastar o que sabia que não podia gastar, nem tinha intenção de gastar. Mais: também sabemos que, nos dois primeiros anos desta maravilhosa geringonça, o seu tão amado investimento público caiu para os níveis mais baixos dos últimos 60 anos. Custa a crer, mas é verdade. A Joana viu e votou, a Mariana viu, negociou, inventou um imposto que até lhe ficou com o nome, assinou por baixo e, claro, votou. São tão responsáveis como António Costa pelas supressões diárias nas ligações da Transtejo e da Soflusa.
Não estivesse sentado no Governo um senhor chamado Pedro Nuno Santos e eu até diria que eram mais responsáveis – e di-lo-ia em função do seu discurso radical contra tudo o que seja concessão de serviços públicos a privados. Joana Mortágua, se não fosse uma fanáticapesei o uso desta palavra –, reconheceria que, na Margem Sul em que até é vereadora, o melhor serviço de transporte ferroviário é o assegurado pela Fertagus na ponte 25 de Abril – cumpre horários, praticamente nunca é afectado por greves, por exemplo. Mais: saberia que a generalidade dos autocarros que servem os concelhos da região são de empresas privadas, que têm contratos de concessão, e que do seu serviço não costumamos ouvir as queixas que ouvimos sobre o oferecido pela CP ou pelo Metro de Lisboa.
Mas que interessa a realidade às Mortáguas enquanto houver disponibilidade para escutar as suas ladainhas sem colocar as questões que têm de ser colocadas? Nada, na realidade. Basta de resto ver o mais recente debate entre Mariana Mortágua e Adolfo Mesquita Nunes na SIC Notícias – onde Mariana não foi capaz sequer de reconhecer que o investimento no SNS diminui, procurando sempre misturar investimento com os gastos decorrentes dos aumentos dos encargos com os funcionários derivados das “reposições” e das 35 horas – para perceber que a realidade é, passa o plebeísmo, “uma coisa que não lhe assiste”.
São também muito reveladores os malabarismos a que recorre, na sua coluna no Jornal de Notícias, para justificar a actual onda de greves na administração pública, que apresenta como “sinais de esperança e exigência”. O que é curioso neste artigo é que durante anos a fio ouvimos sindicalistas, activistas, mesmo bastonários das mais insuspeitas ordens profissionais, a defenderem que lutavam pelas mais nobres causas: “salvar o SNS”, “defender a escola pública”, “impedir a destruição do Estado Social”, porventura “barrar o caminho a retrocessos civilizacionais”. Ai de quem dissesse que se tratava por regra de defender direitos adquiridos, nada mais.
Eis agora que Mariana, num interessante flashback histórico, nos diz que afinal o que esteve sempre em causa foi mesmo tão só salvar “o que era seu por direito”. E que o que passou a estar em causa nas greves de hoje são “avanços e conquistas há muito esperadas”. Descontando o que aqui é linguagem que recorda o PREC, o notável é verificar que numa onda de dezenas de greves de afectam quase exclusivamente o sector público desapareceu por completo qualquer inquietação com a salvação desse mesmo serviço público, sinal de que na verdade nunca foi ela que esteve em causa.
Se as Mortáguas deste mundo estivessem inquietas com a qualidade do serviço público teriam ficado preocupadas com a admissão pela ministra da Saúde de que o Hospital de Braga pode deixar de ser gerido em regime de PPP. Esse hospital tem sido repetidamente distinguido como o que presta melhor serviço aos seus utentes, bastando lembrar que no mais recente SINAS, um estudo independente realizado anualmente pela Entidade Reguladora da Saúde, ele foi, nos dois últimos anos, o único do país com classificação máxima em oito áreas clínicas. Mais: um estudo da própria Administração Regional de Saúde do Norte concluiu que aquele modelo de gestão poupava ao Estado 33 milhões de euros por ano. Existindo, e cito, estas “poupanças muito significativas para o erário público” e esta “excelência clínica”, a preocupação deveria ser manter a PPP e não ver acontecer ao Hospital de Braga o que aconteceu ao Amadora-Sintra, um hospital que desde que, por razões ideológicas, reverteu para a gestão pública, não tem deixado de se degradar, e degradar, e degradar (fala um utente, para que se saiba).
Mas não: a obsessão das manas Mortágua, tal como da turbamulta do Bloco, é acabar com tudo o que seja sector privado, mesmo quando funciona bem, serve as populações e presta bom serviço público. É por isso que o ar condoído que mostram sempre que são confrontadas com as consequências das escolhas que decorrem de opções políticas que negociaram, nalguns casos impuseram, em todos os casos votaram e subscreveram, não são mais do que um mau exercício de cinismo e de hipocrisia.
Ao lado daqueles cartazes que andam a afixar com as suas “conquistas” deviam estar outros com o passivo que foram deixando pelo caminho, dos seixalenses apeados por falta de barco para chegarem a Lisboa aos habitantes de Vila Real em listas de espera de quatro anos em certas especialidades clínicas. De resto, por muito bem que falem, não esqueçam que podem enganar todos uma vez, enganar alguns toda a vida, mas nunca enganarão toda a gente todo o tempo. Nem duas mesmo Mortáguas em vez de uma só.
COMENTÁRIOS:
Maria Cruzeiro: Muito bem JMF, mais uma vez, muito bem! Esses "idiotas úteis", chamem-se Mortáguas ou outra coisa qualquer, jamais admitem que falham, que têm culpas no cartório deles. A estratégia é mentir, mentir, mentir o tempo todo e depois fingir-se de "bonzinho" Isso já nós todos sabemos. Nós os que não vemos notícias na TV, porque quem vê apenas isso, fica a ver as lindas "tágides", águas do Tejo e mais nada. Esperemos que o povo português acorde! Esperemos!
Fernando SILVA: O mal até nem está nas irmãs Mortágua ... Está em todos aqueles que ainda acreditam e votam no partido a que elas pertencem !... E que, por sinal e por mais estranho que possa parecer à primeira vista, são sobretudo urbanos com estudos e bem na vida!... Apenas à primeira vista porque, no fim de contas, não está provado que os estudos e a sofisticação aumentem o grau de compreensão do que é a natureza humana e de como funcionam as sociedades!... As manas Mortágua e tantos outros exemplares da "intelligenzia" são precisamente a prova "a contrario"!... 
Maria Emília Santos Santos: Se fosse num país a sério, há muito que a geringonça já não geringonçava, mas como isto é uma coisa de brincadeiras temerosas de garotos mal educados, vai tudo em frente, até à exaustão! A agenda deles já está toda implantada na nossa pobre e humilde gente, apenas a excepção da eutanásia, onde a Igreja tomou posição, escreveu folhetos que distribuiu ao povo, crente ou não, e o resultado foi que os votantes, tomaram consciência e votaram NÃO!
A Mortágua 2 ficou tão furiosa com este resultado, que prometeu, no seu habitual descontrole, vencer na próxima. Vencerá sim, se os cristãos falharem, mas isso não vai acontecer!
Antonio Sousa Branco: Manas Mortágua, um "study case", do último grau da hipocrisia política e desonestidade intelectual, ao nível do camarada Robles.
Paul F. Summers: Cínico e hipócrita é este senhor arauto do ultra-liberalismo da sociedade industrial de consumo desregrado e do mercado livre desregulado que na sua ânsia de lucro e acumulação não olha a meios para atingir os seus fins atropelando direitos humanos e ambientais e levando ao cataclismo ecológico com que nos confrontamos nós e o planeta. Esse modelo não serve nem trará justiça social, económica e ambiental. Está caduco e ultrapassado. Grande hipócrita ! Tenho dito ! 
José Montargil > Paul F. Summers: Ó Summers estás enganado.  O JMFernandes é mais teso que tu, trabalha mais do que tu, e de certeza que tem mais miolos que tu.
Maria Emília Santos > SantosPaul F. Summers: O JMF é uma das pessoas que dá excelente vida a este jornal! 
Maria Pinto > Paul F. Summers: Só anda a pé em nome do cataclismo ecológico? só come o que cultiva, para combater ânsia de lucro? usa parras para se "vestir", por causa consumo desregrado? justiça social é só encher a barriga aos funcionários publicos,? tem a casa cheia de pobrezinhos em nome dos direitos humanos? você é a encarnação de Jesus Cristo!!!!
Fernando SILVA > Paul F. Summers: O que há de mais "desregrado" é o sector público com a sua ineficiência e as suas greves !! Os "direitos humanos e ambientais" foram e são ainda "atropelados" em paises socialistas, onde o mercado, quando existe, não é livre e onde o consumo é "regrado" (é limitado para favorecer a indústria dita "pesada") !! O que está "caduco e ultrapassado" é o modelo estatalista que é o DNA de socialistas e comunistas !!
José Montargil: José Manuel Fernandes apesar de ter razão clama no deserto. Enquanto as Mortáguas e Companhia tiverem os apoios que têm: membros do governo, jornalistas, televisões é indiferente dizer e mostrar as suas contradições. Saem impunes, apesar de dizerem burrices a torto e a direito. Nada a fazer. Os jornalistas são muito responsáveis, assim como os responsáveis das televisões em darem voz e o tempo que dão, sem contraditório, sem aprofundarem os assuntos a essa gente completamente dogmática, que vê tudo de ladecos, politicamente e socialmente frustradas além de extremistas de esquerda.  As tais Mortáguas, e o resto da pandilha, são a viva contradição entre as ideias que advogam e a vida que têm. São iguais ao "saudoso" Robles das negociatas das casas.
Manuel Antunes: Pode haver mais dinheiro a circular na rua e alguns podem estar um pouco melhor, mas os serviços estão uma lástima e rebentam pelas costuras. O Poucochinho, que perdeu as eleições e governa, é um malabarista e o Centeno, aclamado interna e externamente, é um aldrabão que fabrica orçamentos de faz de conta que toda a gente sabe que não são para cumprir.
Rui Jacinto: Estas manas são umas ressabiadas, bom seria que o papá tivesse roubado para elas serem meninas de Cascais. Mas o papá roubou por edeologia e isso só podia faze-las ser da esquerda à esquerda, pois no primeiro caso seriam as filhas do ladrão e assim são filhas de um progressista.
José Manuel Fernandes não é, reconhecidamente, de esquerda.
Ainda bem, assim temos alguém cuja voz chega mais longe do que nós e que diz o que nós gostaríamos de dizer. Obrigado 

História Do Zé Passarinho!
Pela saída que tem da vadiagem
Alguém chamou-lhe Zé passarinho
Fala em verso e as mulheres
Ao fim de duas colheres, leva-as de bico pró ninho!
Sabe os fados do Alfredo
Rima que até mete medo, nesta função é doutor
Tem uns tiques de fadista
Mão no bolso, lenço e risca
Baixem a luz por favor
Uma triste noite ao frio
Cantava-se ao desafio para aquecer as paixões
Quando um estranho se levanta
Pra mostrar como se canta faz-se à rosa dos limões
Ai
O povo ficou sentido
Com aquele destemido
Hás de morrer engasgado
Palavra puxa palavra
Desata tudo à chapada
Com o posto ali ao lado
Nem foi preciso a carrinha
Tudo na sua perninha
Numa linda procissão
Das perguntas com carinho
Ficou preso o passarinho
Só para investigação
Ai
Nasce o dia atrás da Sé
E ninguém arreda pé nem por dó nem por esmola
O povo ficou sentado para ouvir cantar o fado
Passarinho na gaiola!
Nasce o dia atrás da Sé
E ninguém arreda pé nem por dó nem por esmola
O povo ficou sentado para ouvir cantar o fado
Passarinho na gaiola!


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