sábado, 8 de dezembro de 2018

Incontornável


É adjectivo que já fez moda, tal como substantivo usado como adjectivo, resiliência… sem contar com o número cada vez mais denso de estrangeirismos, com o tchau e o bué, já parte da vida e do dicionário, e a “mídia”,que traduz a fonética do termo inglês "media” e temos dificuldade em escrever num português menos ridículo… Trata-se, pois, da figura incontornável de Angela Merkel, que Teresa de Sousa admira, e dum modo geral todos os que nela encontraram o esteio da continuidade europeia. Com o optimismo da sua dedicação, Teresa de Sousa prevê a continuidade de Merkel noutras esferas políticas também importantes, a batata quente passando para uma jovem AKK que talvez não consiga sustentar as barreiras que vai enfrentar, factor de grande preocupação, e não só de Teresa de Sousa, relativamente à continuação do projecto unionista europeu, onde países como o nosso vão perdendo credibilidade. Assustador.

ANÁLISE
Merkel – Um adeus que ainda não é bem
A imprensa alemã diz que a chanceler renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos, Merkel será ainda a sucessora de Merkel.
FERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 7 de Dezembro de 2018
1. Nesta sexta-feira, o Congresso da CDU, em Hamburgo, concedeu à sua chanceler dez minutos de comovido aplauso. Podia ser apenas o adeus a uma líder que reinou sobre o partido nos últimos 18 anos e que dirigiu a Alemanha, para não dizer a Europa, nos últimos 13. Talvez não tenha sido só isso. Ao escolherem a sua sucessora designada, os 1001 delegados ao Congresso mostraram que ainda não estão preparados para pôr fim à era Merkel e lançar o partido numa nova “aventura” política, que deveria ser, na opinião de muitos, (um pouco) mais conservadora, (um pouco) mais à direita, mais amiga do mundo dos negócios, talvez mais “americana” e mais liberal e menos “francesa” e “democrata-cristã”. Um pouco mais, porque os alemães não gostam de grandes revoluções políticas, prezam a estabilidade e, sobretudo, não se deram mal com a moderação, o centrismo, a confiabilidade a que se habituaram com a chanceler.
Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) não é igual a Merkel, nem sequer parece ser uma figura apenas destinada a fazer a transição. Demarcou-se em alguns aspectos da chanceler, é católica, o que não a impediu de se bater pelas quotas das mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas, governou o pequeno land do Sarre, paredes meias com a França, em coligação com os Verdes e com o FDP (a mesma que a chanceler não conseguiu formar depois das eleições de Setembro do ano passado), ganhou as últimas eleições regionais quando as sondagens davam a sua vitória como incerta. É mais dura que Merkel na resposta ao expansionismo agressivo da Rússia. E tinha, à partida, uma vantagem que, noutro país qualquer poderia ser (ainda) uma desvantagem: ser mulher. Depois de Merkel, a pergunta, irónica mas nem por isso menos verdadeira, é se os alemães estarão preparados para serem governados por um homem. Desta vez, provavelmente, isso ainda não vai acontecer. A menos que nos próximos dois anos o SPD consiga pôr fim à morte lenta em que se deixou cair praticamente desde que governou a Alemanha (com Gerhard Schroeder, até 2005), ou se acentue a instabilidade e a fragmentação, que acabou por atingir também o estável sistema partidário alemão. Como escreveu o diário alemão Handelsblatt, quando Merkel anunciou a saída e Friedrich Merz avançou imediatamente com a sua candidatura, “o objectivo imediato dos seus apoiantes é bloquear a continuação do matriarcado da chanceler”. “Merz representa o partido da lei e da ordem em vez das selfies com os refugiados; o partido dos que vão à missa, dos empresários e, acima de tudo, o partido dos homens”, escreveu o mesmo diário de centro-direita liberal.
2. A escolha de AKK também pode ser a garantia de que a chanceler, tal como prometeu quando anunciou que abandonaria a liderança da CDU, terminará o seu mandato (2021) – porventura, o tempo necessário para que a Europa se habitue a viver sem ela, o que também não será fácil no momento em que uma profunda crise de identidade ameaça os fundamentos da integração. Merkel teve hesitações, enganou-se por vezes sobre o equilíbrio indispensável entre o interesse alemão imediato e o seu interesse vital (sobretudo, na forma como começou por gerir a crise do euro), mas foi determinante para manter o barco europeu a navegar, para resgatar os seus valores fundamentais, para resolver alguns dos seus problemas mais complexos e para enfrentar um mundo que lhe é cada vez mais hostil. Foi firme face à Rússia e conseguiu a missão impossível de manter a Europa unida. Foi generosa perante os refugiados da guerra da Síria, apesar do enorme custo político. Conseguiu (até agora) conter o novo “bando dos oito”, capitaneado pela Holanda, que não quer uma reforma do euro que implique qualquer solidariedade financeira e que quer diminuir o próximo orçamento plurianual da União Europeia. A prova está no apreço que conquistou entre muitos dos seus pares europeus, à direita como à esquerda, e entre muitos europeus, fazendo dela uma figura indispensável, quase familiar.
A forma sistemática e rigorosa como encara os dossiers, a serenidade com que enfrenta as dificuldades, a facilidade com que constrói consensos, a maneira com que se move no palco do mundo tornaram-na incontornável. É isso também que está em causa neste congresso do maior partido alemão e na escolha que fez de quem sucederá à chanceler. “Em tempos como este que vivemos, defenderemos a nossa visão liberal, o nosso modo de vida, em casa como lá fora”, disse Merkel nesta sexta-feira no seu discurso de despedida. A imprensa alemã diz que a chanceler renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos, Merkel será ainda a sucessora de Merkel. 

Comentários:
mpro. Ovar : Tal como o defunto quando vai a enterrar, foi extraordinária a sua passagem pela terra. Neste caso, se isso correspondesse minimamente à verdade, a Europa, mais propriamente o sul, não estariam como estão.
bento guerra: Ela não abandonou a política, só passou, com a inteligência que lhe é habitual (salvo os refugiados) a liderança do partido. Ainda pode fazer um cargo europeu. 
Raquel Azulay: salvo os refugiados?? Merkel foi corajosa e não abdicou dos seus princípios morais apesar de saber que pagaria caro...ela sempre soube que pagaria caro mas, mesmo assim, foi em frente...depois recuou, forçada pela CDU e, claro, pela ascensão meteórica da Alternative für Deutschland. Esta Senhora merece todo o nosso respeito.


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