É adjectivo que já fez moda,
tal como substantivo usado
como adjectivo, resiliência… sem
contar com o número cada vez mais denso de estrangeirismos, com o tchau e o bué, já parte da vida e do dicionário, e a “mídia”,que traduz a fonética do termo inglês "media” e temos
dificuldade em escrever num português menos ridículo… Trata-se, pois, da figura
incontornável
de Angela Merkel, que Teresa de Sousa admira, e dum
modo geral todos os que nela encontraram o esteio da continuidade europeia. Com
o optimismo da sua dedicação, Teresa de Sousa prevê a continuidade
de Merkel noutras esferas políticas também importantes, a batata quente
passando para uma jovem AKK que
talvez não consiga sustentar as barreiras que vai enfrentar, factor de grande
preocupação, e não só de Teresa de Sousa, relativamente à
continuação do projecto unionista europeu, onde países como o nosso vão
perdendo credibilidade. Assustador.
ANÁLISE
Merkel – Um adeus que ainda não é bem
A imprensa alemã diz que a
chanceler renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos,
Merkel será ainda a sucessora de Merkel.
FERESA DE SOUSA
PÚBLICO, 7 de Dezembro de 2018
1. Nesta sexta-feira, o Congresso
da CDU, em Hamburgo, concedeu à sua chanceler dez minutos de comovido
aplauso. Podia ser apenas o adeus a uma líder que reinou sobre o partido
nos últimos 18 anos e que dirigiu a Alemanha, para não dizer a Europa, nos
últimos 13. Talvez não tenha sido só isso. Ao escolherem a sua sucessora
designada, os 1001 delegados ao Congresso mostraram que ainda não estão
preparados para pôr fim à era Merkel e lançar o partido numa nova “aventura”
política, que deveria ser, na opinião de muitos, (um pouco) mais conservadora, (um pouco) mais à direita, mais amiga do
mundo dos negócios, talvez mais “americana” e mais liberal e menos “francesa” e
“democrata-cristã”. Um pouco mais, porque os alemães não gostam
de grandes revoluções políticas, prezam a estabilidade e, sobretudo, não se
deram mal com a moderação, o centrismo, a confiabilidade a que se habituaram
com a chanceler.
Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) não é igual a Merkel, nem sequer parece ser uma figura apenas
destinada a fazer a transição. Demarcou-se em alguns aspectos da
chanceler, é católica, o que não a impediu de se bater pelas quotas das
mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas, governou o
pequeno land do Sarre, paredes meias com
a França, em coligação com os Verdes e com o FDP (a mesma que a chanceler não
conseguiu formar depois das eleições de Setembro do ano passado), ganhou as
últimas eleições regionais quando as sondagens davam a sua vitória como incerta. É mais dura que Merkel na resposta ao expansionismo agressivo da Rússia. E tinha, à partida, uma vantagem que,
noutro país qualquer poderia ser (ainda) uma desvantagem: ser mulher. Depois
de Merkel, a pergunta, irónica mas nem por isso menos verdadeira, é se os
alemães estarão preparados para serem governados por um homem. Desta vez,
provavelmente, isso ainda não vai acontecer. A menos que nos próximos dois anos
o SPD consiga pôr fim à morte lenta em que se deixou cair praticamente desde
que governou a Alemanha (com Gerhard Schroeder,
até 2005), ou se acentue a
instabilidade e a fragmentação, que acabou por atingir também o estável sistema
partidário alemão. Como escreveu o diário alemão Handelsblatt, quando
Merkel anunciou a saída e Friedrich Merz avançou imediatamente com a sua
candidatura, “o objectivo imediato dos seus apoiantes é bloquear a continuação
do matriarcado da chanceler”. “Merz
representa o partido da lei e da ordem em vez das selfies com os refugiados; o partido dos que vão à missa, dos empresários e,
acima de tudo, o partido dos homens”, escreveu o mesmo diário de centro-direita
liberal.
2. A escolha de AKK também pode ser a garantia de que a chanceler,
tal como prometeu quando anunciou que abandonaria a liderança da CDU, terminará
o seu mandato (2021) – porventura, o tempo necessário para que a Europa se
habitue a viver sem ela, o que também não será fácil no momento em que uma
profunda crise de identidade ameaça os fundamentos da integração. Merkel teve hesitações, enganou-se por
vezes sobre o equilíbrio indispensável entre o interesse alemão imediato e o
seu interesse vital (sobretudo, na forma como começou por gerir a crise do
euro), mas foi determinante para manter o barco europeu a navegar, para
resgatar os seus valores fundamentais, para resolver alguns dos seus problemas
mais complexos e para enfrentar um mundo que lhe é cada vez mais hostil. Foi
firme face à Rússia e conseguiu a missão impossível de manter a Europa
unida. Foi generosa perante os refugiados da guerra da Síria,
apesar do enorme custo político. Conseguiu (até agora) conter o novo “bando dos
oito”, capitaneado pela Holanda, que não quer uma reforma do euro que implique
qualquer solidariedade financeira e que quer diminuir o próximo orçamento
plurianual da União Europeia. A prova está no apreço que conquistou
entre muitos dos seus pares europeus, à direita como à esquerda, e entre muitos
europeus, fazendo dela uma figura indispensável, quase familiar.
A forma sistemática e rigorosa
como encara os dossiers, a serenidade com que enfrenta as
dificuldades, a facilidade com que constrói consensos, a maneira com que se
move no palco do mundo tornaram-na incontornável. É isso também que está em
causa neste congresso do maior partido alemão e na escolha que fez de quem
sucederá à chanceler. “Em tempos como este que vivemos, defenderemos a nossa
visão liberal, o nosso modo de vida, em casa como lá fora”, disse Merkel nesta
sexta-feira no seu discurso de despedida. A imprensa alemã diz que a chanceler
renasceu depois de ter anunciado a data de saída. Nos próximos anos, Merkel será ainda a sucessora de Merkel.
Comentários:
mpro.
Ovar : Tal como o
defunto quando vai a enterrar, foi extraordinária a sua passagem pela terra.
Neste caso, se isso correspondesse minimamente à verdade, a Europa, mais
propriamente o sul, não estariam como estão.
bento guerra:
Ela não abandonou a política, só
passou, com a inteligência que lhe é habitual (salvo os refugiados) a liderança
do partido. Ainda pode fazer um cargo europeu.
Raquel Azulay: salvo os refugiados?? Merkel foi corajosa e
não abdicou dos seus princípios morais apesar de saber que pagaria caro...ela
sempre soube que pagaria caro mas, mesmo assim, foi em frente...depois recuou,
forçada pela CDU e, claro, pela ascensão meteórica da Alternative für
Deutschland. Esta Senhora merece todo o nosso respeito.
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