Ontem, 21, nos “Horizontes da Memória” ouvi o extraordinário
programa de José Hermano Saraiva, intitulado “A Memória continua”, de 16/Nov/1997, comemorativo do 5º centenário da viagem de Vasco
da Gama a Calicut, com mapas creio
que da (Real) Sociedade de Geografia de Lisboa, criada em 1875, assinalando as
várias rotas marítimas portuguesas, que abriram o espaço na costa Atlântica, de
África e América e do mundo Índico, que ultrapassou a “Taprobana” e seguiu na
costa asiática, passando a Nova Guiné… Ao seu jeito de artista com o dom da
palavra, tantas vezes sentenciosa e colorida de referências, não deixou de
citar, com entusiasmo épico, assinalando paralelamente no portulano, a estrofe
14 do Canto 7º d’ Os Lusíadas:
… não faltarão cristãos atrevimentos
nesta pequena Casa Lusitana:
de África tem marítimos assentos;
é na Ásia mais que todas soberana;
na quarta parte nova os campos ara;
e, se mais Mundo houvera, lá chegara.
Mas antes, referira Fernando Pessoa, ao assinalar o feito
de Diogo Cão, da passagem do Cabo Bojador, por ordem do Infante D. Henrique, cujo padrão nos
levou a ler com ele: “Eu, Diogo Cão…”, citando,
a seguir, Pessoa que não resisto a transcrever na íntegra:
PADRÃO
(MENSAGEM)
O
esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu,
Diogo Cão, navegador, deixei
Este
padrão ao pé do areal moreno
E
para diante naveguei.
A
alma é divina e a obra é imperfeita.
Este
padrão sinala ao vento e aos céus
Que,
da obra ousada, é minha a parte feita:
O
por-fazer é só com Deus.
E ao
imenso e possível oceano
Ensinam
estas Quinas, que aqui vês,
Que
o mar com fim será grego ou romano:
O
mar sem fim é português.
E a
Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E
faz a febre em mim de navegar
Só
encontrará de Deus na eterna calma
O
porto sempre por achar.
Foi um programa desassombrado e vasto de referência histórica, num
sentido de mensagem de glórias que o 25 de Abril veio desprezar. E a leitura da
crónica de João Miguel Tavares e seus comentadores, sobre “heróis” do pós Abril, centrados num José Sócrates, mas com tantos satélites
girando despudoradamente no cadáver de uma nação que foi valorosa, deixa um travo
amargo de desesperança e receio pelo futuro. Ainda bem que José Hermano Saraiva já
não assiste. Ainda bem que vão existindo JMTs a tentar corrigir, pela
palavra, e suponho que pela acção.
OPINIÃO
A
horrível pergunta de Vítor Gonçalves
Quem nunca teve um primo falido, “muito
querido” e “muito próximo”, capaz de emprestar uma casa nova de meio milhão com
vista para o mar que atire a primeira pedra.
PÚBLICO, 4 de Dezembro de 2018
Ainda se lembram da horrível
pergunta de Vítor Gonçalves? Foi feita no final de uma entrevista a José
Sócrates na RTP, em 13 de Outubro de 2017: “Hoje, como é que o senhor vive, como é que o senhor paga as suas
despesas?”
José Sócrates, claro
está, respondeu com a elegância habitual: “Isso é
uma coisa inacreditável. Desculpe lá, mas o que é que o senhor tem a ver com
isso? Isso é uma pergunta de um jornalista?” Perante a agressividade da
resposta, Vítor Gonçalves engoliu em seco e por um breve momento ficou com cara
de miúdo apanhado com a mão na caixa das bolachas. Não tinha razões para isso –
aquela era uma pergunta lógica e fundamental, como agora se está a ver.
Na altura, Sócrates avançou com
uma (não) explicação. “Eu vivo de uma única coisa. Tive já algumas ofertas,
recusei tudo, porque estou nesta situação, não quero prejudicar ninguém. Vivo
da minha pensão de ex-deputado. É o meu único rendimento.” Após recuperar o
fôlego, Vítor Gonçalves ainda insistiu: “Não vive com empréstimos do seu
amigo Carlos Santos Silva?” Sócrates respondeu: “Essa pergunta é uma
afronta, essa pergunta é indigna de um jornalista, é uma pergunta típica
do Correio da Manhã”. E
nada mais acrescentou.
Saltemos para 30 de Novembro
de 2018. O Correio da Manhã titula
em manchete: “Primo compra casa para Sócrates”. Se um amigo já lhe
tinha oferecido desinteressadamente uma casa em Paris, agora um primo
oferece-lhe desinteressadamente uma casa na Ericeira.
A história é esta: o
ex-primeiro-ministro abandonou a casa alugada do Parque das Nações para se
instalar numa vivenda de luxo de 300 metros quadrados com vista para o mar,
propriedade do primo José Paulo Pinto de Sousa. O mesmo que a
acusação do processo Marquês considera ter sido o seu testa-de-ferro até o seu
nome passar a circular na imprensa em consequência do caso Freeport. E o
mesmo, já agora, que no âmbito do processo Marquês garantiu estar falido.
A equipa da SIC que foi à
Ericeira ouvir as explicações de Sócrates levou com a ementa do costume: indignação
de entrada; péssima explicação como prato principal; e mais indignação à
sobremesa. Entrada: “Não sei
onde é que o senhor jornalista vai buscar a ideia de que tem o direito de fazer
perguntas e incomodar as pessoas apenas por causa de actos banais da sua vida
privada. Isso diz respeito a mim e ao meu primo e não diz respeito a mais
ninguém.”
Prato principal: “Esse meu primo,
que é uma pessoa muito querida e muito próxima, tinha uma casa que lhe foi dada
como dação em pagamento e estava fechada e eu decidi vir para aqui.” Sobremesa: “Há dias em que sentimos
pelo jornalismo português uma certa repugnância, porque aquilo que estão a
fazer tem apenas a ver com a devassa da vida privada, com o objectivo do
espectáculo mediático.”
Curiosamente, a casa que o primo “tinha” e que “estava fechada”, foi,
afinal, entregue por um milionário angolano a 16 de Outubro de 2018, poucos
dias antes de Sócrates ir para lá viver. Quem nunca teve um primo falido, “muito
querido” e “muito próximo”, capaz de emprestar uma casa nova de meio milhão com
vista para o mar que atire a primeira pedra.
Hoje em dia, Portugal
inteiro lê isto e já se ri. Mas ainda há um ano, mesmo depois de deduzida a
acusação do processo Marquês, muito boa gente considerou a pergunta de Vítor
Gonçalves inaceitável ou, pelo menos, de mau gosto. E, há dez anos, as
explicações de Sócrates já eram tão boas quanto esta – e milhões engoliram-nas
sem pestanejar.
Comentários:
Liberal: Como sempre acontecia com Pinto de Sousa, há partes
daquilo que ele diz em que tem razão, que estão certas, que são verdade. O que
é intolerável é como ele urde com essas afirmações num discurso ilógico, que
forma uma nuvem de poeira que atira com toda a desfaçatez para cima dos olhos
dos interlocutores, ou do povo inteiro quando foi caso disso. No caso vertente,
ele tem razão em abstracto acerca de as perguntas que lhe fizeram serem
impróprias e abusivas, mas se puxasse pela memória iria verificar que foi ele
mesmo que se pôs na posição para que essas perguntas fossem feitas.
honorato.fernandes, 05.12.2018: E, já agora, falem do Berardo, mais de 900 milhões que
foram pró brejo, agora vamos negociar a divida de 850 milhões. Mas já com a
ressalva que os bancos têm de perdoar parte desta!!! Eu e muitos outros
Portugueses temos o direito de perguntar por que o estado continua a injectar
milhões nos bancos. É o dinheiro de todos nós! O Berardo se tirasse dividendos
destes empréstimos que contraiu, também o ia dividir com os Portugueses que
agora têm de suportar a sua dívida?? E mais ainda, se eu deixar de pagar ao
banco os meus minúsculos empréstimos, penhoram-me tudo o que seja penhorável,
com uma rapidez tremenda. Com estes casos ñ vejo penhoras, só vejo recursos,
interposições e outras lenga-lengas judiciais para tapar as vistas ao comum
cidadão. Gostaria que você, JMT, falasse sobre isto, também. L
Liberal: A famosa
dívida Berardo estava garantida por activos reais, incluindo a famosa colecção
de arte. Se for assim, e foi isso que foi sempre divulgado, não foi nem vai
nada para o "brejo", embora o senhor comendador possa mudar de
"estatuto" económico! Acontece a todos os que pedem dinheiro
emprestado demais, podem sair de tanga. Até acontece a países inteiros.
honorato fernandes:
11.12.2018: Sr. Liberal, obrigado pelo comentário mas eu também
sei e foi público que Joe Berardo deu garantias reais nomeadamente às obras de
arte que possui, mas há um pormenor que também é conhecido. É que essas
garantias não cobrem o total da dívida e foi por isso que fiz o comentário que
leu. Em Portugal é fácil para algumas pessoas fazerem este tipo de transacções
e levarem bancos à falência como já estamos costumados. Só para concluir: ñ
retiro uma virgula do meu primeiro comentário.
Seixal 04.12.2018: Obviamente
que já existe algo de obsessivo entre o jmt e o sócrates, mas tb concordo que
foi grave demais para que seja esquecido. Será natural que Sócrates, enquanto
PM tenha beneficiado muitos amigos e conhecidos que lhe estarão gratos, mas estes
"amigos" que dão casas, dinheiro e pagam viagens são indícios de que
algo não é normal..
ALRB, 05.12.2018, às armas, às
armas, pela Pátria lutar, contra os LADRÕES marchar, marchar: Aquilo que Manuel chama de obsessivo para com
José Sócrates existe entre muita gente que não gosta de andar a pagar uma
bancarrota mesclada com corrupção toleradas por um povão que nem percebe o que
paga nem porque paga nem como paga. E o que se paga ou não paga tem implicações
na saúde, na educação, na segurança, na própria demografia, etc..
Rui Esteves,
04.12.2018: Tem o JMT toda a razão. E eu iria ainda
mais longe, e colocaria os jornalistas a perguntar a alguns ex-governantes
daqueles envolvidos na burla do BPN, de que vivem eles agora. É que consta que
eles nem património têm. Isto só para esclarecer as coisas. E também para
equilibrar os pratos da balança. Pratos tão desequilibrados quando comparamos
23 M do José Sócrates com os milhares de milhões sumidos no BPN.
ALRB, às armas, às armas, pela Pátria
lutar, contra os LADRÕES marchar, marchar 05.12.2018: Quanto à primeira parte do seu comentário estamos de
acordo. Já quanto aos pratos da balança, corrijo: o Sócrates no prato dele da
balança não têm só os 23 milhões do gamanço, tem uma bancarrota de um país,
além da CIMPOR, da CGD, etc..
MARIANA OLIVEIRA:
Na semana em que acaba o último prazo dado pela
procuradora-geral da República para a investigação a Sócrates terminar, mais de
três anos após ter começado, o PÚBLICO recorda as figuras constituídas arguidas
no processo, sintetiza as ligações entre elas e os crimes em causa para cada
uma. E deixa-lhe ainda as respostas a questões centrais no processo que
permitem perceber como tudo começou neste caso e como poderá vir a acabar.
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