Fernando Pessoa é apresentado, na prosa chã de Salles da
Fonseca, como uma “Caixa de Pandora”. Ao destapar-se, esta oferece coisas
funestas, males sem conta, ressalvando, contudo, a esperança. Mas o Baú de Pessoa tem produzido maravilhas
de encantar, que estudiosos corajosos e dedicados se atrevem a esvaziar, caixa de Pandora benfazeja, formando
volumes de versos ou prosas de extraordinário relevo e transcendência – a do
seu génio, de tantas facetas. Como o da lâmpada de Aladino que, depois de
esfregada, revela um mundo de riquezas e brilhos, tudo o que a ambição humana
deseja, para seu conforto físico, além do génio generoso, que tudo dá.
O Baú de Pessoa, lâmpada de luz
espiritual, autêntico milagre de pensamento, para espanto do mundo, é aqui
referido por Salles da Fonseca, com a simplicidade com que se narram
histórias de encantar, sem pretensões analíticas, com um prazer bem sentido, sobre um génio verdadeiro, para partilhar. Partilhemos.
Uma Caixa de
Pandora
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 6.12.18
Autêntica caixa de surpresas, não
se sabe o que lá se vai encontrar…
Fernando Pessoa atirava para
dentro de um baú que colocara entre a porta e a janela do seu quarto todos os
papéis e papelitos em que escrevia qualquer coisa que lhe ocorria. Podia ser um
guardanapo de papel em que escrevera uma frase que mais tarde pudesse servir de
verso numa poesia que um dia compusesse, poderia ser um apontamento sobre algo
que quisesse comprar quando estivesse mais abonado, um rascunho de prosa ou de
poema, podia ser um pedaço de jornal em cuja margem tivesse apontado um
pensamento.
O baú das eventualidades e de futuras aventuras literárias.
Diz quem sabe que nessa «caixa de Pandora» se encontra… sabe Deus o
quê.
Todos os poemas que por lá estavam já foram editados, o que ainda há é
prosa porque Pessoa escrevia
no mesmo dia, às vezes na mesma folha, vários textos diferentes. Há
manuscritos, por exemplo, com um fragmento do Livro do Desassossego e
com um poema do Alberto Caeiro e outro de Álvaro de Campos, heterónimos do
poeta.
Fernando Pessoa morreu aos 47 anos de idade em 1935, mas o seu pleno
reconhecimento só veio por volta de 1940 quando foi aberto o dito baú.
Para os estudiosos, a dificuldade é reunir textos soltos e montar uma
espécie de quebra-cabeças entre poesias, contos, criticas, traduções, rascunhos
e anotações.
Durante o consulado de Salazar, o poeta não chamava muito à atenção porque
as suas ideias não tinham conteúdo político. É o que explica o professor
Fernando Cabral Martins, da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa: “Ele falava do tempo, da morte, do ser, da
consciência, da sensação, do sonho. Isso são coisas que não pareciam
importantes quando a questão que se colocava era não haver liberdade de
expressão. Portanto, durante aqueles anos, Pessoa não correspondia às necessidades
políticas da época”. Leia-se, das Oposições.
Contudo,
podemos ler nas entrelinhas…
“Há um tempo em que é preciso
Abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos
Que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia
E, se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado, para sempre,
À margem de nós mesmos”.
A primeira edição da sua obra só foi feita em 1960.
A maior parte do espólio foi para
a Biblioteca Nacional de Portugal onde os investigadores continuam a trabalhar.
O facto de ao longo dos anos continuarem a aparecer textos novos, faz
de Fernando Pessoa um escritor sempre actual. O Livro do Desassossego, uma das suas maiores obras, só foi
publicado em 1982.
As previsões apontam para que a vasta produção de Fernando Pessoa continue
a gerar ainda durante muito tempo novas descobertas e novas publicações. Por
exemplo, só há pouco tempo se descobriu o seguinte poemeto:
«A criança que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo.
Tudo isso excede o rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer coisa de amor,
Ainda que o amor seja mudo.»
Mas há mais: Pessoa tinha o
inglês como sua segunda língua pois estudou na África do Sul. Chegou mesmo a
ganhar um prémio «Rainha Vitória» de literatura.
"A kiss is more than a touch of lips -
It is a touch of two hearts,
Of two souls,
Of two glowing portions of the life
spirit."
Lisboa, Dezembro
de 2018
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