Um artigo do Observador, de João Marques de Almeida,
um do Público, de José
Pereira da Costa, sobre os motivos de preocupação geral - a dúvida
sobre a continuidade ou o fim do Projecto Europeu. Na resenha
histórica de cada um dos articulistas, sinopse útil para recuperar memórias, não
se apontam, todavia, as responsabilidades de países como o nosso, no desastre a que tal Projecto financeiro
altruísta foi sendo conduzido, para além dos tais nacionalismos refractários à aceitação das hordas invasoras
provindas de outros continentes e de
outros motivos centrados em interesses específicos. O certo é que, no nosso
caso português, nos acomodámos à ideia de que temos direito à ajuda, a todas as ajudas, empregando-as num explícito “salve-se quem puder” entre os detentores
dos poderes, nas exigências grevistas de satisfação dos direitos, para os dos
sem poder, segundo normas sindicalistas de satisfação dos direitos,
acomodados que somos, desde sempre, à caridadezinha de um saber de velhacaria ancestral,
e que a esquerda tão bem sabe aplicar, para alcançar os nacos a que ela própria
tem direito.
I - EUROPA Está a União Europeia a caminhar para o
fim? /premium
Um ponto surge evidente: a salvação da
União Europeia exige realismo político e o abandono da ideologia europeísta que
impede muitas das elites políticas da UE de entenderem os desafios que
enfrentam.
Daqui a 50 anos, os historiadores
poderão olhar para a semana que passou como o obituário da União Europeia. Em França, os “coletes amarelos”
acabaram com as reformas de Macron. No Reino Unido, o Parlamento não faz a
mínima ideia sobre o que fazer com o Brexit. O conflito entre a Itália e a
União Europeia agravou-se. Em Espanha, as eleições na Andaluzia acabaram com a
excepção ibérica em relação aos partidos nacionalistas. Finalmente, na
Alemanha, Merkel está cada vez mais perto do fim da sua vida política. Dos
cerca de 510 milhões de habitantes da União Europeia, 320 milhões vivem nestes
cinco países, mais ou menos 65%. As cinco economias valem ainda cerca de 75% do
PIB da União Europeia. Se as coisas correm mal nos cinco maiores países
europeus, a União Europeia enfrenta uma crise existencial. Não vale a pena
ignorar a realidade.
Macron recuou perante protestos
populares. Ou seja, a sua
agenda reformista acabou. Não é a primeira a ser enterrada nas ruas de Paris.
Daqui até ao fim do seu mandato, como aconteceu com os seus antecessores, vai
continuar a gerir o declínio económico da França. Em 2007, Sarkozy também
começou o seu mandato presidencial cheio de promessas e de esperanças. Cinco
anos depois nem sequer foi reeleito. Neste
momento, Macron está isolado em França. Enfrenta protestos nas ruas das
principais cidades, e tem todos os partidos contra ele, os radicais, da direita
e da esquerda, e os moderados porque querem recuperar os eleitores que perderam
em 2017. Pior ainda, o Presidente francês não tem um partido com peso na sociedade
francesa. O seu movimento foi construído em tempos de popularidade alta. Irá
desfazer-se com as dificuldades. Eis o retrato político de França: um Presidente impopular e sem partido; os
partidos moderados enfraquecidos; os partidos extremistas a crescerem; e as
ruas a ferro e fogo. Esta França apenas enfraquece a União Europeia, e até há
dois meses atrás, Macron era a grande esperança para a renovação do europeísmo.
O
Reino Unido enfrenta a maior crise desde o final da Guerra. A população está dividida em relação ao
futuro do país. A Inglaterra e o País de Gales querem sair da União Europeia,
mas a Escócia e a Irlanda Norte querem ficar. Os Conservadores e os
Trabalhistas estão igualmente divididos e uma grande parte dos seus militantes
radicalizada. Ninguém sabe o que vai acontecer na próxima terça-feira nos
Comuns.
A
Itália está em clima pré-eleitoral, com o Movimento 5 Estrelas e a Liga a
apresentarem um orçamento para mobilizar as suas bases eleitorais. O governo está em conflito com a União
Europeia e assim continuará, pelo menos até às eleições europeias em Maio.
Entretanto, a economia caminha para a recessão e o sistema financeiro continua
frágil. Uma crise financeira em Itália, com a maior dívida soberana da Europa,
terá efeitos negativos na zona Euro.
Em Espanha, a fragmentação do sistema partidário não
pára e os nacionalistas e anti-europeus foram os últimos a chegar. Será uma
questão de tempo até a crise na Catalunha se agravar de novo; e o Vox constitui
em grande medida uma reacção nacionalista contra o separatismo catalão. Com o
apoio dos partidos nacionalistas da Catalunha e do Pais Basco em causa, o
governo minoritário de Sanchez não deverá ficar muito tempo no poder.
No
meio de tudo isto, a situação na Alemanha parece estável. Mas as aparências
iludem. Tal como nos
outros grandes países europeus, o sistema partidário alemão está a mudar e sob
pressão dos partidos populistas e radicais. A liderança bicéfala da CDU e do
governo não parece ser a melhor maneira de responder ao crescimento dos populistas
de direita, a AfD. Além disso, liderança a dois no maior país europeu,
em tempos de crise na Europa, é bizarra e insustentável a prazo. Merkel terá
que sair da Chancelaria mais tarde ou mais cedo, desejavelmente mais cedo. A
partir de agora, Merkel só servirá para enfraquecer a Alemanha. A política é
cruel, sobretudo em tempos de crise.
Em cada um destes países há razões específicas para explicar as
respectivas crises políticas. Mas é
óbvio que também há causas comuns. Em todos estes países, e em muitos
outros na União Europeia, o nacionalismo anti-europeu tornou-se a escolha
política de dezenas de milhões de cidadãos. Podem chamar os nomes que quiserem
a esses eleitores, mas é o que é. E a ofensa não parece ser o modo mais
inteligente de recuperar esses votos.
O nacionalismo não aparece no
vazio político. As nações
europeias estão em revolta contra a ideologia europeísta, construída na década
de 1990, durante os mandatos de Delors em Bruxelas. A transformação da
integração europeia, que tantas vantagens políticas e económicas trouxe aos
países europeus, numa ideologia política, foi um erro trágico. A ideia do
progresso inevitável da ‘Europa’ contra as identidades nacionais, como se nota
agora, apoiava-se em numa ilusão perigosa. O outro lado da mesma (má)
moeda, de que as identidades nacionais estariam condenadas a desaparecer ou,
pelo menos, a tornarem-se politicamente irrelevantes, apenas aumentou a revolta
dos europeus. Não é por acaso que os sistemas partidários nos principais países
europeus estão ameaçados. Os partidos convencionais foram os veículos nacionais
da ideologia europeísta durante as últimas duas décadas. Por isso, são os
primeiros a serem derrotados.
Ninguém
sabe se já é demasiado tarde para salvar a União Europeia e para evitar o triunfo
dos nacionalismos. Mas há um ponto que parece evidente. A salvação da União
Europeia exige realismo político e o abandono da ideologia europeísta que
impede muitas das elites políticas europeias de entenderem os desafios que
enfrentam. A insistência na ideologia europeísta apenas levará à derrota, como
se vê com Macron em França. O confronto entre o europeísmo e os nacionalismos
terá um desfecho inevitável: o fim da União Europeia. Onde estão os líderes
realistas? Só eles e elas poderão salvar a União Europeia. E a paz, a
democracia, a liberdade e a prosperidade na Europa.
COMENTÁRIOS:
Paulo F.: Esqueceu-se de mencionar que estes países são
os mais sujeitos à vaga migratória que se abate sobre a Europa, que foi vendida
como inevitável e positiva, mas que não o está a ser. No
caso espanhol, foi o próprio Sanchez que deu visibilidade ao problema, quando
para agradar à esquerda, "chamou" o Aquárius e a partir daí começou a
receber milhares por dia. Mas esse Sanchez ainda fez pior com o Túmulo de
Franco, já ninguém ligava a isso e ele foi lá pôr gasolina.
Está a ser o Pacto para as migrações, o implícito e agora o explícito, a acabar
com a Europa, como entidade política e como entidade cultural, quase todos os
países já estão a abdicar de partes da sua cultura para não desagradar aos
"hóspedes"
Audio Vac: Que a União Europeia venha a acabar, estou
obviamente convencido que sim, e tudo o que refere é verdadeiro e vai nesse
sentido. Porém ela continua a existir e caminha em frente e não para
o fim. Desde o "Pacto para as
migrações" promovido pela Merkel até à Reforma do Euro tão cara ao nosso Centeno, as
elites e as associações de interesses (nem sempre políticos) que dominam a
política internacional continuam a TOMAR
DECISÕES QUE COMPROMETEM O FUTURO DE TODOS, SEM QUALQUER BASE DEMOCRÁTICA - E
NAS NOSSAS COSTAS!!! Foi ISSO que sempre fez a Merkel, usando o
poder que a Alemanha lhe confere no seio da UE, e é precisamente esse tipo de
situação que faz da UE uma DITADURA POLITICO-BUROCRÁTICA, em que o POVO não tem
qualquer voz, e onde se diluem as possíveis vozes NACIONAIS manietadas por
Tratados num todo heteróclito MANIPULADO PELOS MAIS FORTES (ou com menos
escrúpulos) - LONGE DO CONTROLO DEMOCRÁTICO!
II - OPINIÃO As crises da União Europeia
Se as crises passadas podem ser
consideradas institucionais, a crise actual é endógena e talvez por isso mais
difícil de ultrapassar.
JOSÉ PEREIRA DA COSTA PÚBLICO, 11 de Dezembro
de 2018
Está fora de dúvida de que a União Europeia vive actualmente uma das
maiores crises da sua existência que não é a única por que passou. Uma das
principais potências europeias, o Reino Unido, abandona a União. E o futuro
torna-se incerto. Precisamente aquele país que não quis participar no projecto,
quando foi iniciado oficialmente em 1951, com a CECA, Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço. Nessa altura, como refere Pierre Gerbet em La
Construction de L’Europe,
o Partido Trabalhista inglês, liderado por Clement Attle, que tinha ganho as
eleições aos conservadores de Churchill, em Julho de 1945, estava a implementar
as bases de um Estado socialista, com a nacionalização das principais
indústrias produtivas, da banca, caminhos-de-ferro, e a criação de um Serviço
Nacional de Saúde. Por essa
razão, não poderia no seio da Comunidade Europeia, em formação, prosseguir
essas políticas, uma vez que o projecto da CECA consistia em pôr em comum as
produções do carvão e do aço, actividades centrais da economia de então. Além
disso, naquele tempo, anterior à descolonização, o Império Britânico
estendia-se por todos os continentes, o que conferia um estatuto diferenciado
ao Reino Unido. Mais tarde, com o regresso dos conservadores ao
poder em fins de 1951, e o abandono do projecto socialista, de que só ficou o
Serviço Nacional de Saúde, a intensificação do clima de guerra fria, entre a
União Soviética e o Ocidente, propiciaram a abertura de um outro caminho. O Reino Unido, entretanto, tinha começado a
desembaraçar-se das suas colónias, com a independência da Índia em 1947, da
Birmânia e do Sri Lanka no ano seguinte e, a partir de 1949, implementara um
novo fôlego à Commonwealth, fundada muito tempo antes, outorgando benefícios
especiais no comércio aos territórios que a constituem. Que mais tarde lhe
trariam dificuldades quando decidiu candidatar-se pela primeira vez à
Comunidade Económica Europeia em 1961, por iniciativa do primeiro--ministro conservador
Harold Macmillan.
Embora
se possa dizer que o Reino Unido esteve sempre em crise na sua relação com a
Comunidade Europeia, como um casamento que correu mal desde o início, o
“Brexit” não é mais do que, finalmente, o divórcio esperado e ansiado por ambas
as partes. Porque perante um Estado-membro que se
opunha sistematicamente a todos os avanços na integração europeia,
adivinhava-se que o fim da relação poderia ser este. Foi para o Reino Unido que se inventaram os opt-out, ou seja, a isenção de certas políticas de
integração, como Schengen ou o euro, que outros países passaram igualmente a
aproveitar. Mas a crise vem de antes da adesão,
quando o general De Gaulle veta por
duas vezes os pedidos de entrada, como o já referido em 1961, e em 1963, desta
vez pelo primeiro-ministro trabalhista Harold
Wilson, com o argumento de que os britânicos são o “cavalo de Tróia “ dos
americanos. É o tempo da saída da
França do comando militar da NATO em 1966, o que obriga esta organização,
rapidamente, a fazer as malas e transferir-se de Fontainebleau, nos arredores
de Paris, para Bruxelas. De Gaulle intenta uma terceira via na disputa
entre União Soviética e Estados Unidos, com este país a intensificar a sua
intervenção na guerra do Vietname, onde chega a ter mais de 500 mil soldados,
utilizando armas químicas e ponderando o emprego de armas atómicas, a pedido do
general Westmoreland. De Gaulle
critica a intervenção americana, assim como a sua política de sistemática
interferência nos assuntos internos dos países da América Latina e ousa mesmo ir
pessoalmente ao Canadá francófono e na sua maior cidade, Montréal,
proclamar Vive
le Québec libre. Esta
actuação só veio a terminar com o desgaste do general devido aos acontecimentos
revolucionários de Maio de 1968 e
a sua inesperada demissão um ano mais tarde, perante o resultado negativo de um
referendo que tinha proposto sobre um assunto de menor importância. O
antigo primeiro-ministro Georges
Pompidou é eleito Presidente da República, De Gaulle morre em Novembro
de 1970 e o caminho fica aberto para a adesão do Reino Unido à Comunidade
Económica Europeia, que se concretizaria em 1973.
Esta foi a segunda grande
crise na Europa comunitária, se relativizarmos a da “cadeira vazia”, quando em
1965 o mesmo general e Presidente da República de França deixou o lugar deste
país vazio, durante mais de seis meses, no Conselho Europeu, invocando a
necessidade do direito de veto nas questões referentes à Política Agrícola
Comum que, segundo o Tratado de Roma, fundador da CEE em 1957, deviam ser
votadas por simples maioria.
A primeira e mais grave
crise, em meu entender, foi, contudo, a que deu origem a este último tratado,
antecedido por três anos de paralisia da Comunidade, devido ao chumbo pelo
Parlamento francês, em 1954, do Tratado da Comunidade Europeia da Defesa, CED,
que tinha sido assinado pelos seis países fundadores da CECA, em 1952, mas
devia ser ratificado pelos seus parlamentos. Com efeito, a instâncias dos
Estados Unidos, que no seguimento do seu confronto com a União Soviética
pretendiam beneficiar do contributo da Alemanha, que quase não tinha sido
desnazificada (como confirma Hanna Arendt em 1961 quando assiste e faz um
relatório sobre o julgamento de Adolf Eichmann), pretende-se criar uma Europa
da Defesa em que participarão contingentes militares alemães. Ora, ao invés dos Estados Unidos, que tinham
recuperado muitos quadros nazis, especialmente para os seus serviços de
informação, em Inglaterra, por exemplo, temia-se mais o perigo alemão do que a
União Soviética, como refere Tony
Judt na sua história da Europa. E
em França a rejeição é ainda maior, onde está bem viva a lembrança de duas
invasões dos exércitos alemães no espaço de uma geração. Além
disso, o país está atolado no desastre da Indochina, onde perdeu milhares de
soldados na batalha de Dien Bien Phu. O
tratado da Europa da Defesa é pois rejeitado e serão precisos três anos para a
Comunidade Europeia retomar o seu curso com a fundação da CEE, em 1957.
Se estas crises passadas
podem ser consideradas institucionais e derivadas dos desenvolvimentos da
política internacional, no tempo da Guerra Fria, a crise actual é endógena e talvez por isso mais
difícil de ultrapassar, pois que as dinâmicas associadas são mais lentas. O “Brexit”, como deriva do que atrás
foi exposto, é uma consequência directa da sempre periclitante relação com o
Reino Unido e poderia acontecer mais tarde ou mais cedo. O que está agora em causa é a solução encontrada para
a crise financeira desencadeada a partir de 2008, que se tornou também
económica e social, imposta pela Alemanha para salvar os seus interesses
financeiros e de mais alguns na Europa. Como Jürgen
Habermas reconhece, num artigo no think
tank Social Europe de 22 de Outubro passado, não foram tomadas em conta as consequências sociais das soluções para
resolver a crise das “dívidas soberanas”, principalmente na Grécia e em
Portugal. E a esse propósito, faz agora cinco anos, em 23/11/2013,
escrevi aqui que Durão Barroso deveria ter-se demitido de presidente da
Comissão Europeia por não ter conseguido reverter uma política que ia
absolutamente contra os tratados. O espectáculo indecoroso na Grécia das
pessoas, de madrugada, à porta dos bancos, a tentarem levantar 20 euros foi bem
demonstrativo. E nos dez anos que então passaram a multiplicação dos partidos
de extrema-direita por toda a Europa, e na própria Alemanha, como Habermas
também reconhece, foi o corolário dessas políticas, agravadas pelo apoio
directo ou indirecto que a União Europeia deu às acções militaristas das
potências ocidentais no Médio Oriente. Angela
Merkel personifica essas políticas e por isso, ao contrário de Barroso, retirou
as devidas consequências com o anúncio da sua demissão política, que só peca
por tardia.
COMENTÁRIOS
tiagompereira53: 11.12.2018 O que sao os povos? As novas geracoes sao
pro UE, ja cresceram e nasceram na UE. Os que nao esquecerao sao os velhos que
acabam por ir morrendo.
nelsonfari,
Portela-Loures 11.12.2018 : Muito bom. Com
referências a tempos que vivi, com nomes sonantes da Guerra Fria. A História do
Pós-Guerra e da Guerra Fria e, em síntese, o sinuoso percurso do Reino Unido
quando passou de potência dominadora para um papel subalterno devido ao ascenso
da pujante economia americana.
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