quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Hasta cuando?



Um artigo do Observador, de João Marques de Almeida, um do Público, de José Pereira da Costa, sobre os motivos de preocupação geral - a dúvida sobre a continuidade ou o fim do Projecto Europeu. Na resenha histórica de cada um dos articulistas, sinopse útil para recuperar memórias, não se apontam, todavia, as responsabilidades de países como o nosso, no desastre a que tal Projecto financeiro altruísta foi sendo conduzido, para além dos tais nacionalismos refractários à aceitação das hordas invasoras provindas de outros continentes e de outros motivos centrados em interesses específicos. O certo é que, no nosso caso português, nos acomodámos à ideia de que temos direito à ajuda, a todas as ajudas, empregando-as num explícito “salve-se quem puder” entre os detentores dos poderes, nas exigências grevistas de satisfação dos direitos, para os dos sem poder, segundo normas sindicalistas de satisfação dos direitos, acomodados que somos, desde sempre, à caridadezinha de um saber de velhacaria ancestral, e que a esquerda tão bem sabe aplicar, para alcançar os nacos a que ela própria tem direito.
I - EUROPA     Está a União Europeia a caminhar para o fim? /premium
JOÃO MARQUES DE ALMEIDA                  OBSERVADOR, 9/12/2018
Um ponto surge evidente: a salvação da União Europeia exige realismo político e o abandono da ideologia europeísta que impede muitas das elites políticas da UE de entenderem os desafios que enfrentam.
Daqui a 50 anos, os historiadores poderão olhar para a semana que passou como o obituário da União Europeia. Em França, os “coletes amarelos” acabaram com as reformas de Macron. No Reino Unido, o Parlamento não faz a mínima ideia sobre o que fazer com o Brexit. O conflito entre a Itália e a União Europeia agravou-se. Em Espanha, as eleições na Andaluzia acabaram com a excepção ibérica em relação aos partidos nacionalistas. Finalmente, na Alemanha, Merkel está cada vez mais perto do fim da sua vida política. Dos cerca de 510 milhões de habitantes da União Europeia, 320 milhões vivem nestes cinco países, mais ou menos 65%. As cinco economias valem ainda cerca de 75% do PIB da União Europeia. Se as coisas correm mal nos cinco maiores países europeus, a União Europeia enfrenta uma crise existencial. Não vale a pena ignorar a realidade.
Macron recuou perante protestos populares. Ou seja, a sua agenda reformista acabou. Não é a primeira a ser enterrada nas ruas de Paris. Daqui até ao fim do seu mandato, como aconteceu com os seus antecessores, vai continuar a gerir o declínio económico da França. Em 2007, Sarkozy também começou o seu mandato presidencial cheio de promessas e de esperanças. Cinco anos depois nem sequer foi reeleito. Neste momento, Macron está isolado em França. Enfrenta protestos nas ruas das principais cidades, e tem todos os partidos contra ele, os radicais, da direita e da esquerda, e os moderados porque querem recuperar os eleitores que perderam em 2017. Pior ainda, o Presidente francês não tem um partido com peso na sociedade francesa. O seu movimento foi construído em tempos de popularidade alta. Irá desfazer-se com as dificuldades. Eis o retrato político de França: um Presidente impopular e sem partido; os partidos moderados enfraquecidos; os partidos extremistas a crescerem; e as ruas a ferro e fogo. Esta França apenas enfraquece a União Europeia, e até há dois meses atrás, Macron era a grande esperança para a renovação do europeísmo.
O Reino Unido enfrenta a maior crise desde o final da Guerra. A população está dividida em relação ao futuro do país. A Inglaterra e o País de Gales querem sair da União Europeia, mas a Escócia e a Irlanda Norte querem ficar. Os Conservadores e os Trabalhistas estão igualmente divididos e uma grande parte dos seus militantes radicalizada. Ninguém sabe o que vai acontecer na próxima terça-feira nos Comuns.
A Itália está em clima pré-eleitoral, com o Movimento 5 Estrelas e a Liga a apresentarem um orçamento para mobilizar as suas bases eleitorais. O governo está em conflito com a União Europeia e assim continuará, pelo menos até às eleições europeias em Maio. Entretanto, a economia caminha para a recessão e o sistema financeiro continua frágil. Uma crise financeira em Itália, com a maior dívida soberana da Europa, terá efeitos negativos na zona Euro.
Em Espanha, a fragmentação do sistema partidário não pára e os nacionalistas e anti-europeus foram os últimos a chegar. Será uma questão de tempo até a crise na Catalunha se agravar de novo; e o Vox constitui em grande medida uma reacção nacionalista contra o separatismo catalão. Com o apoio dos partidos nacionalistas da Catalunha e do Pais Basco em causa, o governo minoritário de Sanchez não deverá ficar muito tempo no poder.
No meio de tudo isto, a situação na Alemanha parece estável. Mas as aparências iludem. Tal como nos outros grandes países europeus, o sistema partidário alemão está a mudar e sob pressão dos partidos populistas e radicais. A liderança bicéfala da CDU e do governo não parece ser a melhor maneira de responder ao crescimento dos populistas de direita, a AfD. Além disso, liderança a dois no maior país europeu, em tempos de crise na Europa, é bizarra e insustentável a prazo. Merkel terá que sair da Chancelaria mais tarde ou mais cedo, desejavelmente mais cedo. A partir de agora, Merkel só servirá para enfraquecer a Alemanha. A política é cruel, sobretudo em tempos de crise.
Em cada um destes países há razões específicas para explicar as respectivas crises políticas. Mas é óbvio que também há causas comuns. Em todos estes países, e em muitos outros na União Europeia, o nacionalismo anti-europeu tornou-se a escolha política de dezenas de milhões de cidadãos. Podem chamar os nomes que quiserem a esses eleitores, mas é o que é. E a ofensa não parece ser o modo mais inteligente de recuperar esses votos.
O nacionalismo não aparece no vazio político. As nações europeias estão em revolta contra a ideologia europeísta, construída na década de 1990, durante os mandatos de Delors em Bruxelas. A transformação da integração europeia, que tantas vantagens políticas e económicas trouxe aos países europeus, numa ideologia política, foi um erro trágico. A ideia do progresso inevitável da ‘Europa’ contra as identidades nacionais, como se nota agora, apoiava-se em numa ilusão perigosa. O outro lado da mesma (má) moeda, de que as identidades nacionais estariam condenadas a desaparecer ou, pelo menos, a tornarem-se politicamente irrelevantes, apenas aumentou a revolta dos europeus. Não é por acaso que os sistemas partidários nos principais países europeus estão ameaçados. Os partidos convencionais foram os veículos nacionais da ideologia europeísta durante as últimas duas décadas. Por isso, são os primeiros a serem derrotados.
Ninguém sabe se já é demasiado tarde para salvar a União Europeia e para evitar o triunfo dos nacionalismos. Mas há um ponto que parece evidente. A salvação da União Europeia exige realismo político e o abandono da ideologia europeísta que impede muitas das elites políticas europeias de entenderem os desafios que enfrentam. A insistência na ideologia europeísta apenas levará à derrota, como se vê com Macron em França. O confronto entre o europeísmo e os nacionalismos terá um desfecho inevitável: o fim da União Europeia. Onde estão os líderes realistas? Só eles e elas poderão salvar a União Europeia. E a paz, a democracia, a liberdade e a prosperidade na Europa.
COMENTÁRIOS:
Paulo F.: Esqueceu-se de mencionar que estes países são os mais sujeitos à vaga migratória que se abate sobre a Europa, que foi vendida como inevitável e positiva, mas que não o está a ser. No caso espanhol, foi o próprio Sanchez que deu visibilidade ao problema, quando para agradar à esquerda, "chamou" o Aquárius e a partir daí começou a receber milhares por dia. Mas esse Sanchez ainda fez pior com o Túmulo de Franco, já ninguém ligava a isso e ele foi lá pôr gasolina.
 Está a ser o Pacto para as migrações, o implícito e agora o explícito, a acabar com a Europa, como entidade política e como entidade cultural, quase todos os países já estão a abdicar de partes da sua cultura para não desagradar aos "hóspedes"
Audio Vac: Que a União Europeia venha a acabar, estou obviamente convencido que sim, e tudo o que refere é verdadeiro e vai nesse sentido. Porém ela continua a existir e caminha em frente e não para o fim. Desde o "Pacto para as migrações" promovido pela Merkel até à Reforma do Euro tão cara ao nosso Centeno, as elites e as associações de interesses (nem sempre políticos) que dominam a política internacional continuam a TOMAR DECISÕES QUE COMPROMETEM O FUTURO DE TODOS, SEM QUALQUER BASE DEMOCRÁTICA - E NAS NOSSAS COSTAS!!! Foi ISSO que sempre fez a Merkel, usando o poder que a Alemanha lhe confere no seio da UE, e é precisamente esse tipo de situação que faz da UE uma DITADURA POLITICO-BUROCRÁTICA, em que o POVO não tem qualquer voz, e onde se diluem as possíveis vozes NACIONAIS manietadas por Tratados num todo heteróclito MANIPULADO PELOS MAIS FORTES (ou com menos escrúpulos) - LONGE DO CONTROLO DEMOCRÁTICO!
II - OPINIÃO            As crises da União Europeia
Se as crises passadas podem ser consideradas institucionais, a crise actual é endógena e talvez por isso mais difícil de ultrapassar.
JOSÉ PEREIRA DA COSTA               PÚBLICO, 11 de Dezembro de 2018
Está fora de dúvida de que a União Europeia vive actualmente uma das maiores crises da sua existência que não é a única por que passou. Uma das principais potências europeias, o Reino Unido, abandona a União. E o futuro torna-se incerto. Precisamente aquele país que não quis participar no projecto, quando foi iniciado oficialmente em 1951, com a CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Nessa altura, como refere Pierre Gerbet em La Construction de L’Europe, o Partido Trabalhista inglês, liderado por Clement Attle, que tinha ganho as eleições aos conservadores de Churchill, em Julho de 1945, estava a implementar as bases de um Estado socialista, com a nacionalização das principais indústrias produtivas, da banca, caminhos-de-ferro, e a criação de um Serviço Nacional de Saúde. Por essa razão, não poderia no seio da Comunidade Europeia, em formação, prosseguir essas políticas, uma vez que o projecto da CECA consistia em pôr em comum as produções do carvão e do aço, actividades centrais da economia de então. Além disso, naquele tempo, anterior à descolonização, o Império Britânico estendia-se por todos os continentes, o que conferia um estatuto diferenciado ao Reino Unido. Mais tarde, com o regresso dos conservadores ao poder em fins de 1951, e o abandono do projecto socialista, de que só ficou o Serviço Nacional de Saúde, a intensificação do clima de guerra fria, entre a União Soviética e o Ocidente, propiciaram a abertura de um outro caminho. O Reino Unido, entretanto, tinha começado a desembaraçar-se das suas colónias, com a independência da Índia em 1947, da Birmânia e do Sri Lanka no ano seguinte e, a partir de 1949, implementara um novo fôlego à Commonwealth, fundada muito tempo antes, outorgando benefícios especiais no comércio aos territórios que a constituem. Que mais tarde lhe trariam dificuldades quando decidiu candidatar-se pela primeira vez à Comunidade Económica Europeia em 1961, por iniciativa do primeiro--ministro conservador Harold Macmillan.
Embora se possa dizer que o Reino Unido esteve sempre em crise na sua relação com a Comunidade Europeia, como um casamento que correu mal desde o início, o “Brexit” não é mais do que, finalmente, o divórcio esperado e ansiado por ambas as partes. Porque perante um Estado-membro que se opunha sistematicamente a todos os avanços na integração europeia, adivinhava-se que o fim da relação poderia ser este. Foi para o Reino Unido que se inventaram os opt-out, ou seja, a isenção de certas políticas de integração, como Schengen ou o euro, que outros países passaram igualmente a aproveitar. Mas a crise vem de antes da adesão, quando o general De Gaulle veta por duas vezes os pedidos de entrada, como o já referido em 1961, e em 1963, desta vez pelo primeiro-ministro trabalhista Harold Wilson, com o argumento de que os britânicos são o “cavalo de Tróia “ dos americanos. É o tempo da saída da França do comando militar da NATO em 1966, o que obriga esta organização, rapidamente, a fazer as malas e transferir-se de Fontainebleau, nos arredores de Paris, para Bruxelas. De Gaulle intenta uma terceira via na disputa entre União Soviética e Estados Unidos, com este país a intensificar a sua intervenção na guerra do Vietname, onde chega a ter mais de 500 mil soldados, utilizando armas químicas e ponderando o emprego de armas atómicas, a pedido do general Westmoreland. De Gaulle critica a intervenção americana, assim como a sua política de sistemática interferência nos assuntos internos dos países da América Latina e ousa mesmo ir pessoalmente ao Canadá francófono e na sua maior cidade, Montréal, proclamar Vive le Québec libre. Esta actuação só veio a terminar com o desgaste do general devido aos acontecimentos revolucionários de Maio de 1968 e a sua inesperada demissão um ano mais tarde, perante o resultado negativo de um referendo que tinha proposto sobre um assunto de menor importância. O antigo primeiro-ministro Georges Pompidou é eleito Presidente da República, De Gaulle morre em Novembro de 1970 e o caminho fica aberto para a adesão do Reino Unido à Comunidade Económica Europeia, que se concretizaria em 1973.
Esta foi a segunda grande crise na Europa comunitária, se relativizarmos a da “cadeira vazia”, quando em 1965 o mesmo general e Presidente da República de França deixou o lugar deste país vazio, durante mais de seis meses, no Conselho Europeu, invocando a necessidade do direito de veto nas questões referentes à Política Agrícola Comum que, segundo o Tratado de Roma, fundador da CEE em 1957, deviam ser votadas por simples maioria.
A primeira e mais grave crise, em meu entender, foi, contudo, a que deu origem a este último tratado, antecedido por três anos de paralisia da Comunidade, devido ao chumbo pelo Parlamento francês, em 1954, do Tratado da Comunidade Europeia da Defesa, CED, que tinha sido assinado pelos seis países fundadores da CECA, em 1952, mas devia ser ratificado pelos seus parlamentos. Com efeito, a instâncias dos Estados Unidos, que no seguimento do seu confronto com a União Soviética pretendiam beneficiar do contributo da Alemanha, que quase não tinha sido desnazificada (como confirma Hanna Arendt em 1961 quando assiste e faz um relatório sobre o julgamento de Adolf Eichmann), pretende-se criar uma Europa da Defesa em que participarão contingentes militares alemães. Ora, ao invés dos Estados Unidos, que tinham recuperado muitos quadros nazis, especialmente para os seus serviços de informação, em Inglaterra, por exemplo, temia-se mais o perigo alemão do que a União Soviética, como refere Tony Judt na sua história da Europa. E em França a rejeição é ainda maior, onde está bem viva a lembrança de duas invasões dos exércitos alemães no espaço de uma geração. Além disso, o país está atolado no desastre da Indochina, onde perdeu milhares de soldados na batalha de Dien Bien Phu. O tratado da Europa da Defesa é pois rejeitado e serão precisos três anos para a Comunidade Europeia retomar o seu curso com a fundação da CEE, em 1957.
Se estas crises passadas podem ser consideradas institucionais e derivadas dos desenvolvimentos da política internacional, no tempo da Guerra Fria, a crise actual é endógena e talvez por isso mais difícil de ultrapassar, pois que as dinâmicas associadas são mais lentas. O “Brexit”, como deriva do que atrás foi exposto, é uma consequência directa da sempre periclitante relação com o Reino Unido e poderia acontecer mais tarde ou mais cedo. O que está agora em causa é a solução encontrada para a crise financeira desencadeada a partir de 2008, que se tornou também económica e social, imposta pela Alemanha para salvar os seus interesses financeiros e de mais alguns na Europa. Como Jürgen Habermas reconhece, num artigo no think tank Social Europe de 22 de Outubro passado, não foram tomadas em conta as consequências sociais das soluções para resolver a crise das “dívidas soberanas”, principalmente na Grécia e em Portugal. E a esse propósito, faz agora cinco anos, em 23/11/2013, escrevi aqui que Durão Barroso deveria ter-se demitido de presidente da Comissão Europeia por não ter conseguido reverter uma política que ia absolutamente contra os tratados. O espectáculo indecoroso na Grécia das pessoas, de madrugada, à porta dos bancos, a tentarem levantar 20 euros foi bem demonstrativo. E nos dez anos que então passaram a multiplicação dos partidos de extrema-direita por toda a Europa, e na própria Alemanha, como Habermas também reconhece, foi o corolário dessas políticas, agravadas pelo apoio directo ou indirecto que a União Europeia deu às acções militaristas das potências ocidentais no Médio Oriente. Angela Merkel personifica essas políticas e por isso, ao contrário de Barroso, retirou as devidas consequências com o anúncio da sua demissão política, que só peca por tardia.
COMENTÁRIOS
tiagompereira53: 11.12.2018 O que sao os povos? As novas geracoes sao pro UE, ja cresceram e nasceram na UE. Os que nao esquecerao sao os velhos que acabam por ir morrendo.
nelsonfari, Portela-Loures 11.12.2018 : Muito bom. Com referências a tempos que vivi, com nomes sonantes da Guerra Fria. A História do Pós-Guerra e da Guerra Fria e, em síntese, o sinuoso percurso do Reino Unido quando passou de potência dominadora para um papel subalterno devido ao ascenso da pujante economia americana.

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