Mais directo e assertivo o de João
Miguel Tavares, como sempre, de uma exaltação argumentativa provocatória, própria
da sua juventude irreverente, embora disciplinada por um bom senso que os não
simpatizantes da outra facção política iracundamente hostilizam. Mais elegante,
no seu pensamento literário, o de Maria
João Avillez, justo e sedutor. Ambos corajosos e indiferentes às
divergências opinativas dos que se regem por outros “ideais” favorecedores da
anarquia insciente e lorpa: Ouvi esta noite Catarina Martins do Bloco de
Esquerda, boa representante dos tais, despejando medidas de eficiência e
bondade, para a promoção da sua estabilidade no comando dos nossos destinos, “big
sister” do nosso futuro próximo, de rebanho amansado, por um previsível despotismo
provinciano ardiloso, não despiciendo, en
tout cas.
I - OPINIÃO
Uma
legislatura longa demais para António Costa
António Costa começa agora a pagar, com
três anos de atraso, o seu pecado original: andar a vender obsessivamente ao
país que a austeridade do governo Passos estava errada, quando sabia
perfeitamente que não havia alternativa a ela.
JOÃO MIGUEL TAVARES - PÚBLICO,
29 de Dezembro de 2018
António Costa conseguiu um
milagre no qual só mesmo ele acreditaria na noite de 4 de Outubro de 2015, após
a sua inesperada derrota eleitoral: completar uma legislatura como
primeiro-ministro, com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista.
Esse facto, que muitas vezes é despachado (injustamente) como “habilidade
política”, merece o meu respeito e a minha admiração. Contudo, é muito
possível que o milagre de 2015 venha agora a revelar-se a maldição de 2019, se
as greves continuarem a este ritmo e a degradação dos serviços públicos
acelerar. A aprovação do último Orçamento do Estado, celebrada como mais uma
vitória de Costa, pode muito bem ter sido menos uma vitória de Costa e mais uma
vitória de Pirro, com o primeiro-ministro a acabar refém do seu próprio sucesso.
Se assim for, e se 2019 for
o ano em que a esquerda comunista e bloquista se vai vingar de todos os sapos
que engoliu durante a legislatura, colocando o governo que diligentemente
apoiou a fritar em lume brando até Outubro, é caso para dizer: é muito bem
feito, senhor primeiro-ministro. Porque se eu admiro a arte
política que António Costa revelou nos últimos anos, e se continuo a considerar
– como sempre considerei – que ele é o melhor quadro que o PS tem para oferecer
ao país, há uma coisa que não lhe deve ser perdoada: ter assinado um pacto de governo com base numa mentira
escandalosa, que fica para a História como “o virar da página da austeridade”.
Quando fazemos o balanço
destes três anos, houve muitas medidas económicas que o governo tomou e com as
quais não concordo, mas
só uma delas posso classificar como verdadeiramente obscena – a redução do
horário de trabalho de 40 para 35 horas na função pública. Essa,
sim, é uma medida imperdoável. Mas, fora isso, não houve aumentos de 2,9% para
a função pública em vésperas de eleições, como nos saudosos tempos de José Sócrates,
nem delírios como a Parque Escolar ou o TGV. Ou seja, de um modo geral, a política adoptada por
Costa e Centeno está dentro de padrões de responsabilidade financeira
aceitáveis, ao contrário do que era prática comum no Partido Socialista.
Aquilo
que não está dentro dos padrões aceitáveis é a formação de uma narrativa de
enganos em torno do legado do governo anterior, e a demonização do trabalho de
Passos Coelho, que na cabeça de muita gente perdura até hoje. Essa narrativa
não é apenas injusta – ela conduz, naturalmente, ao relaxamento da sociedade
portuguesa, ao regresso a uma certa inconsciência no endividamento e à adopção
de um discurso de facilidades que não existem. É
verdade que as acções de Costa e Centeno foram sempre mais responsáveis do que
as palavras que saíam das suas bocas – só que, a partir de certa altura, o mal
estava feito. Se a austeridade
prejudicou tanto o país, se ela não era necessária, porque é que as pessoas não
podem regressar à vida de antigamente?
Quem por palavras mata, por
palavras morre. António
Costa começa agora a pagar, com três anos de atraso, o seu pecado original:
andar a vender obsessivamente ao país que a austeridade do governo Passos
estava errada, quando sabia perfeitamente que não havia alternativa a ela. Agora,
na sua mensagem de Natal, o “virar a página de austeridade” deu lugar ao “virar a página dos anos mais difíceis”.
Mas já vem tarde. Avizinham-se tempos duros para o governo, e é muito
possível que esta legislatura tenha dez meses a mais do que recomendaria a boa
saúde política de António Costa.
COMENTÁRIOS:
Há 31 minutos: Concordo com o JMT, porque até ao virar do
"calendário" não vai haver "Alternativa" nenhuma, porque a
Multinacional COSTA/Centeno e Cª., vai a todo o "vapor" para o
terceiro ano de Austeridade, com apoio do BE, e PC que "maravilhados"
com a Diminuição do Défice, estão convictos que 2019 vai ser o "Ano"
da classe Trabalhadora, que tanto tem sofrido com a "Austeridade".
Nuno Silva: Que os deuses
nos livrem do PS ter mais do que 33% de votos, senão o PS voltará novamente a
roubar e a bater nos mais pobres. E quanto mais o governo aguentar as reivindicações
dos quadros médios e superiores do estado (professores, médicos, enfermeiros,
juízes, etc), que estão um pouco, não muito, acima do que o povo pode pagar,
mais votos terá nas eleições (é o efeito 'Passos austero', que dá votos do
centro-direita e trabalhadores do privado). Mas se não meter mais pessoal para
aliviar a carga de trabalho daqueles quadros, que também foram martirizados
pelo Coelho, perde votos à esquerda a juntar às leis laborais miseráveis e
salário mínimo de miséria, apesar de condições económicas favoráveis, apesar da
insistência da CDU e Bloco, diminuindo assim mais a desigualdade e pobreza.
Rebelde, Aveiro : E quem paga as reduções de horário? O cobertor não
estica e governar implica tomar decisões. Quando dá para uma coisa tem que
tirar a outra. Onde tira? Vivem muito mal os médicos e enfermeiros da nossa
terra que não possam trabalhar 40 horas? (>
Sandra), acessório é contratar pessoal a rodos ou pagar horas extraordinárias
para poder fazer face a 35 horas que ninguém percebe. Ah, valoriza a educação, e
os desempregados não? E as estradas, podem estar todas esburacadas? e o apoio à
deficiência e aos idosos não valoriza? e a habitação valoriza? e a polícia e os
tribunais acha importantes ou não? e os presos? Pense. O Costa queria ganhar as eleições a todo o custo e
para isso tinha que mentir. Como sempre acontece em Portugal. Lembram-se do
choque fiscal do Barroso? O que fez? Aumentou impostos em vez de os diminuir
como prometeu. A verdade é que a nossa produtividade só dá para estes remedeios
de orçamento.
II - NATAL
Camélias e Haydn. O Natal /premium
Nesses lugares menos poluídos pela
azáfama, onde se dão as Boas Festas em nome próprio, andando a pé pelas ruas,
numa troca de votos festiva porque há tanto de vagar quanto de sinceridade para
isso.
1. E de súbito, por entre as fiéis neblinas
matinais que sempre acolhem as manhãs aqui no oeste, abro a janela para o
jardim e eis diante dos meus olhos surpresos o primeiro presente de Natal:
camélias, muitas, rosa e vermelho, uma profusão delas, despontando no verde das
cameleiras. Camélias, Santo Deus, flor entre as flores (de igual talvez só a
rosa), deve ter sido o frio, há duas semanas não havia uma que se visse e
agora… são um mar embalado pelas neblinas.
2. A verdade é que o Natal já começara há
uns dias. Foi em Viena e estava muito frio quando numa manhã de Dezembro,
passei a porta da Igreja dos Jesuítas, faltava ainda um bom bocado para a missa
mas eu sabia que, lá dentro, já estariam a ensaiar a Missa de Lord Nelson
(Haydn). Desde que um dos meus filhos lá vive fui-me apropriando da cidade,
criando hábitos, afeiçoando-me a rotinas. A maior é sem dúvida o encontro
semanal nesta igreja, situada muito perto do centro, severa por fora, excessiva
e excessivamente barroca, por dentro. É de há muito costume do seu pároco fazer
acompanhar a missa do domingo por uma orquestra e coro que, a cada vez, toca e
canta uma missa de um compositor diferente. Sim, é Viena, mas mesmo assim. Não
é fácil descrever o ambiente, o privilégio daquela oferta, a espiritualidade
conferida à celebração pelo impacto de uma missa cantada envolvendo a missa
celebrada, ambas desenrolando-se recolhidamente, em magnífica acústica, numa
quase prodigiosa simbiose. Descobri por puro acaso esta espécie de dádiva – e
que outro nome lhe dar? — quando, andando a pé pelo centro histórico, ouvi
música. Entrei. Era o som absolutamente arrebatador da Missa da Coroação de Mozart,
cantada nos Jesuítas e foi assim que
descobri esta igreja e este seu costume. Nunca deixei de voltar. Este ano, uma manhã gelada do feriado santo do dia 8
de Dezembro, cantava-se Haydn, cheguei muito cedo, ainda eles ensaiavam numa
quase penumbra. Sentada solitariamente num banco frio, era como se aquela
orquestra e aquele coro tocassem só para mim o anúncio do Natal. No dia
seguinte, domingo, tocou-se a Missa Alemã de Schubert. O Natal tinha começado. E eu nunca desistirei dele.
3. O Natal fora de portas tem a distingui-lo uma espécie de íntima
espessura que pouco se encontra, e talvez já nem sequer exista nos centros
urbanos ou nas grandes metrópoles, onde a sua simbologia cristã é cada vez mais
marginal, senão objecto de caricatura ou desprezo. Acredito porém que as
“diferenças” entre distintas vivências e versões natalícios diga ainda alguma
coisa a alguém para quem o Natal não se esgote exclusivamente na mesa ou no
centro de comercial.
Onde
estou agora há desde logo o silêncio, tão diferente quando se está nas lonjuras
do campo, dos arredores, deste ou daquele Portugal mais ou menos “profundo”. Nesses
lugares menos poluídos pela azáfama, onde se dão as Boas Festas em nome
próprio, andando a pé pelas ruas, numa troca de votos festiva porque há tanto
de vagar quanto de sinceridade para isso; onde se vai ao jardim ou à terra
buscar azevinho, musgo e bagas vermelhas com que enfeitar casas, presépios e
árvores de Natal; onde o tempo tem tempo e não é mais essa lâmina
fina a cortar-nos a vida; onde as coisas adquirem importância porque querem de
facto significar alguma coisa, dos livros que se lêem à música que se
ouve, aos gestos que se têm. Sobretudo
ao como se pensa sobre o que inquieta, interpela e dói, e nestes dias dói mais.
Quanto pesa a mochila do lutos e da perda, a quantas vai a nossa própria
contabilidade das coisas da vida? Dizer “amanhã” que sentido tem? Não que a
distância silenciosa do tropel citadino recupere o irrecuperável ou sequer
amacie a inquietação. Mas por breves, concretos instantes, troca-se a
ameaçadora incerteza dos dias pela convicção praticada de duas ou três
certezas. Haverá mais certo, quero eu dizer, que a promessa do Natal e
do seu anúncio? Que a luz e o espírito desta quadra tão portadores de promessas?
Que a família, reunida e animada pelos muitos que vêm de longe, sabendo que é
do seu cais que partimos e a ele que sempre voltamos? Haverá enfim mais certo
do que a vontade de querer guardar a sete chaves tudo isto? Puerilidade?
Nenhuma. Nostalgia? Imensa. Verdade? Toda. Simplismo? Ainda bem. Não costumam
as certezas ser simplicíssimas quando são fortes como âncoras?
4. Falei acima de música, coros e
orquestras e lembrei-me do Concerto de Natal de Mafra, um lugar onde vou e volto, sempre com o gosto
intacto. Desta vez eram as vozes do Coro Lisboa Cantat dirigido por
Jorge Alves, atapetando musicalmente os nossos primeiros passos em
direcção ao Natal. E que bem deram a ouvir Haendel, Briten, Vasco Pearce de
Azevedo, João Vaz e ouviu-se também o órgão do Evangelho, onde se sentou o
próprio João Vaz e o órgão da Epístola, tocado por Sérgio Silva. Já aqui
falei várias vezes de Mafra e da excelente direcção que lhe imprime Mário
Pereira, director do Palácio. Este
conjunto raríssimo, jóia da coroa do património português (os seus seis
órgãos são os únicos no mundo construídos para tocarem em conjunto) vale todos os desvios mas por vezes tenho a
sensação que os lisboetas valsam entre a preguiça e talvez a ignorância. Não
sabem o que perdem. Mas quando descobrirem a moldura da Basílica e o som dos
seus órgãos tocando a quatro, a dois ou a seis (um must absolutíssimo) talvez se lembrem desta pobre
escriba que lhes deseja um Santo Natal.
5. Boas
Festas! E um Dezanove que não nos envergonhe muito.
COMENTÁRIOS
victor guerra: Gente fina é outra missa
Filipe Nunes: Um artigo com a sensibilidade adequada ao NATAL. Para
combater - sim, de uma luta se trata quando intelectualóides boçais tomam conta
dos artigos de opinião - esses esquerdistas bacocos que só sabem vir com
diatribes sobre o NATAL. E são tão toscos e ignorantes nos seus escritos. Por
isso, é uma lufada de ar fresco ler um artigo com classe e com uma perspectiva
enlevada com a realidade do NATAL. Porque o NATAL é isso: Encanto. Puro e
sublime encanto.
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