Subordinado ao título “E
agora?”, recebi por email, do blog A bem da Nação, o seguinte excerto
da filosofia de NIETZSCHE, das
leituras de Salles da Fonseca, comprovativas
da preocupação que a muitos vai na alma:
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 02.12.18
Até aqui, as nossas crenças e
os conceitos usados para as formular foram o esteio transcendental da fé
religiosa.
(…) Hoje, todavia, tudo está a mudar. As pessoas
nascem num mundo onde não há certezas; e, por entre os farrapos da herança que
recebemos, o abismo está sempre à vista. Em tais circunstâncias a vida
humana torna-se problemática; sem uma reconstrução radical da nossa visão do
mundo que torne possível a vontade de poder da qual as nossas iniciativas
dependem, entraremos num estranho deserto espiritual no qual nada tem
significado ou valor – [será] o mundo do último homem.
Friedrich Nietzsche, in «Breve história da filosofia
moderna», Roger Scruton, “Guerra e Paz, Editores”, 1ª edição,
Junho 2010 (pág. 249)
Mereceu o seguinte comentário
de Anónimo:
( 02.12.2018) : Não estamos longe disso!
Concordo com a observação do comentador, pelo realce
dado a uma realidade destes tempos de clamor, que não parece repousar tanto numa
consciência de cariz teórico, como num jeito de seguidismo aproveitador das
pinceladas iluministas do momento, que melhor quadram às sensibilidades que as
especulações dos filósofos, afinal, também ajudam a perverter, pondo em causa
tantos dos conceitos estruturantes das sociedades, pela valorização cada vez
mais incontestada não do “livre arbítrio” racional, mas da liberdade destituída
da racionalidade do conceito em si.
E assim, transponho da Internet um artigo de António Carlos Olivieri sobre o
filósofo em causa, cujos princípios,
pelo que se lê, ajudaram à evolução social num sentido destrutivo de valores e
responsáveis pela criação de outros princípios reestruturantes das sociedades,
que deles se aproveitam, no facilitismo da irreflexão, do egoísmo ou de outras
determinantes favorecedoras das ambições humanas, de que Hitler e
Mussolini são exemplo. Muito do ruído actual tem origem também no
existencialismo sucedâneo às guerras mundiais, favorecedoras do sentimento do
absurdo existencial, libertadoras de preconceito, mas esse ruído tem origem, em
muitos casos, nas doutrinas humanitárias apoiantes dos fracos e crentes no
poder das maiorias. Daí, também, a instabilidade, a que a era digital dá a
machadada, não final ainda, mas parecendo caminhar para essa, como disse
Nietzsche e sugeriu o Anónimo do comentário.
Nietzsche: Individualismo e
"vontade de poder"
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3
Pedagogia & Comunicação
Friedrich
Nietzsche era formado em filologia clássica e não em
filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer.
Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões
essenciais: a) a inexistência de Deus;
b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de
sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de
vontade.
No entanto, ao contrário de
Schopenhauer, Nietszche não vê a realidade repartida em duas, o fenómeno e a coisa em si. Considera
que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos
afastarmos dele, mas viver nele com plenitude. Como, porém, fazer isso
num mundo sem Deus e sem sentido?
Nietszche começa a resolver o
problema fazendo um ataque à moral e
aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo
o filósofo, esses valores derivam de
civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que
muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova
base para assentar nossos valores.
Justiça dos fracos
A civilização, de acordo com Nietzsche, foi
criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes
que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém,
negaram essa realidade em nome dos
fracos.
Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos
ousados, que valorizava a justiça em vez da força,
eles inverteram os processos pelos
quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a
serviço dos outros.
"Super-homem"
Considerando que tais valores não têm origem divina ou
transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e
escolher nossos próprios valores. Ao
"tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de poder que permite ao indivíduo que se
autoelege desenvolver o seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.
Nietzsche identifica o
"super-homem" em personagens como Napoleão, Lutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas ideias,
mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de poder,
que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se
pode atingir a auto-realização.
Naturalmente, o filósofo
sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo.
De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que
pretender abolir a lei da gravidade.
Desafio e resposta
O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo
desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da
humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o
problema sobre o qual iriam debruçar-se muitos filósofos do século 20, a partir
dos existencialistas.
Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela
"lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais
talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas ideias e o usou em sua
propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma colecção das
obras de Nietzsche.
Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o
nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser
desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam
os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e
esfarrapado'".
Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A
maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa
característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na
íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos
numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos
religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra".
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3
Pedagogia & Comunicação é escritor, jornalista e diretor da Página 3
Pedagogia & Comunicação.
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