segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

“Passamos, como o rio”



Subordinado ao título “E agora?”, recebi por email, do blog A bem da Nação, o seguinte excerto da filosofia de NIETZSCHE, das leituras de Salles da Fonseca, comprovativas da preocupação que a muitos vai na alma: 
 HENRIQUE SALLES DA FONSECA
 A BEM DA NAÇÃO, 02.12.18
Até aqui, as nossas crenças e os conceitos usados para as formular foram o esteio transcendental da fé religiosa.
(…) Hoje, todavia, tudo está a mudar. As pessoas nascem num mundo onde não há certezas; e, por entre os farrapos da herança que recebemos, o abismo está sempre à vista. Em tais circunstâncias a vida humana torna-se problemática; sem uma reconstrução radical da nossa visão do mundo que torne possível a vontade de poder da qual as nossas iniciativas dependem, entraremos num estranho deserto espiritual no qual nada tem significado ou valor [será] o mundo do último homem.
Friedrich Nietzsche, in «Breve história da filosofia moderna», Roger Scruton, “Guerra e Paz, Editores”, 1ª edição, Junho 2010 (pág. 249)

Mereceu o seguinte comentário de Anónimo:02.12.2018)  : Não estamos longe disso!

Concordo com a observação do comentador, pelo realce dado a uma realidade destes tempos de clamor, que não parece repousar tanto numa consciência de cariz teórico, como num jeito de seguidismo aproveitador das pinceladas iluministas do momento, que melhor quadram às sensibilidades que as especulações dos filósofos, afinal, também ajudam a perverter, pondo em causa tantos dos conceitos estruturantes das sociedades, pela valorização cada vez mais incontestada não do “livre arbítrio” racional, mas da liberdade destituída da racionalidade do conceito em si.
E assim, transponho da Internet um artigo de António Carlos Olivieri sobre o filósofo em causa, cujos princípios, pelo que se lê, ajudaram à evolução social num sentido destrutivo de valores e responsáveis pela criação de outros princípios reestruturantes das sociedades, que deles se aproveitam, no facilitismo da irreflexão, do egoísmo ou de outras determinantes favorecedoras das ambições humanas, de que Hitler e Mussolini são exemplo. Muito do ruído actual tem origem também no existencialismo sucedâneo às guerras mundiais, favorecedoras do sentimento do absurdo existencial, libertadoras de preconceito, mas esse ruído tem origem, em muitos casos, nas doutrinas humanitárias apoiantes dos fracos e crentes no poder das maiorias. Daí, também, a instabilidade, a que a era digital dá a machadada, não final ainda, mas parecendo caminhar para essa, como disse Nietzsche e sugeriu o Anónimo do comentário.

Nietzsche: Individualismo e "vontade de poder"
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Friedrich Nietzsche era formado em filologia clássica e não em filosofia. Tornou-se filósofo, segundo ele mesmo diz, devido à leitura de Schopenhauer. Concorda com a visão de mundo deste filósofo em três questões essenciais: a) a inexistência de Deus; b) a inexistência de alma; c) a falta de sentido da vida, que se constitui de sofrimento e luta, impelida por uma força irracional, que podemos chamar de vontade.
No entanto, ao contrário de Schopenhauer, Nietszche não vê a realidade repartida em duas, o fenómeno e a coisa em si. Considera que este mundo é a única parte da realidade e que não devemos rejeitá-lo ou nos afastarmos dele, mas viver nele com plenitude. Como, porém, fazer isso num mundo sem Deus e sem sentido?
Nietszche começa a resolver o problema fazendo um ataque à moral e aos valores existentes na sociedade que lhe é contemporânea. Segundo o filósofo, esses valores derivam de civilizações já inexistentes, como a grega e a judaica, e de religiões em que muitos - senão a maioria - já não têm fé. Precisamos, portanto, de uma nova base para assentar nossos valores.
Justiça dos fracos
https://t.dynad.net/pc/?dc=5550001577;ord=1543782106377A civilização, de acordo com Nietzsche, foi criada pelos fortes, pelos inteligentes, pelos homens competentes, os líderes que se destacaram da massa. Moralistas como Sócrates e Jesus, porém, negaram essa realidade em nome dos fracos.
Propagando uma moral que protegia os fracos dos fortes, os mansos dos ousados, que valorizava a justiça em vez da força, eles inverteram os processos pelos quais o homem se elevou acima dos animais e exaltaram como virtudes características típicas de escravos: abnegação, auto-sacrifício, colocar a vida a serviço dos outros.
"Super-homem"
Considerando que tais valores não têm origem divina ou transcendente, Nietzsche afirma que somos livres para negá-los e escolher nossos próprios valores. Ao "tu deves" devemos responder com o "eu quero". É a vontade de poder que permite ao indivíduo que se autoelege desenvolver o seu potencial máximo de modo a tornar-se um super-homem ou um ser além-do-homem - isto é, que se coloca acima da massa.
Nietzsche identifica o "super-homem" em personagens como NapoleãoLutero, Goethe e até mesmo Sócrates (não por suas ideias, mas pela coragem de levá-las às últimas consequências). Enfim, no líder que tem vontade de poder, que ousa tornar-se o que realmente é. É assim que se afirma a vida e se pode atingir a auto-realização.
Naturalmente, o filósofo sabe que isso não vai abolir os conflitos e nem se preocupa com isso, pois considera os conflitos como um estímulo. De resto, querer abolir a competição, a derrota e o sofrimento é o mesmo que pretender abolir a lei da gravidade.
Desafio e resposta
O pensamento nietzschiano pode ser avaliado sob duas perspectivas. Por um lado, ele postula um supremo desafio ético ao propor uma reavaliação radical dos valores morais da humanidade. Nesse sentido, ele apresentou o problema sobre o qual iriam debruçar-se muitos filósofos do século 20, a partir dos existencialistas.
Por outro, a resposta que ele propõe a esse desafio - marcada pelo individualismo e pela "lei do mais forte" (que pode ser também o mais inteligente ou o mais talentoso) - desaguou no nazi-fascismo, que se apropriou de suas ideias e o usou em sua propaganda. No encontro histórico de Mussolini e Hitler, em 1938, o líder alemão presenteou o italiano com uma colecção das obras de Nietzsche.
Convém lembrar, porém, que o filósofo já em sua época ridicularizava o nacionalismo alemão. Quanto ao seu propalado anti-semitismo, pode ser desmentido por um de seus próprios aforismos: "Os anti-semitas não perdoam os judeus por terem intelecto e dinheiro. Anti-semita: outro nome para 'roto e esfarrapado'".
Não se pode falar de Nietzsche sem comentar o aspecto literário de sua obra. A maioria de seus livros não é escrita no tipo de prosa dissertativa característica da filosofia, com argumentos e contra-argumentos expostos na íntegra. Ao contrário, estão sob a forma fragmentária de aforismos e parágrafos numerados separadamente, ou ainda como epigramas ou na linguagem dos textos religiosos, como se vê em uma de suas obras mais conhecidas: "Assim falou Zaratustra".
Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.

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