Na adolescência, entre os
livros que li da Pearl Buck, recordo “A Mãe”, como obra que deu conta de
sofrimento e heroísmo da mulher chinesa, em pedaços de vida que me ficaram na
memória, no espanto do horror, como um dos partos dessa mãe, em pleno campo
onde trabalhava, parto que viveu sozinha, e depois de arrumada e limpa,
continuou o seu trabalho nesse campo infindável, julgo que o filho devidamente aconchegado
no sítio próprio, alguma cesta ou mesmo o chão da miséria e da escravatura de
um trabalho jamais devidamente compensado. No liceu, tive uma colega chinesa mais
velha - a Kuai Wan – que se destacava no
estudo e na simpatia do seu relacionamento, o que me espantava, pois o povo
chinês que conhecia em Lourenço Marques, na minha infância, enquadrava-se
melhor no descritivo que dele faria Rui Knopfli, tempos depois, em «O
povo da China visto do Alto-Maé” (in “Reino Submarino”, 1962):
Eh pá, a gente pensa na China,
Nos compridos campos de arroz
E nos milhões de pessoas
Como imensos bagos de arroz,
Vivendo lá na China.
É engraçado a gente aqui no Alto Maé
Que conhece o Kong, magrinho, da hortaliça
Com aquela voz engraçada (Stá plonto patlão),
É engraçado como a gente se engana
Com a China, aquele povo imenso
De Kongs amarelinhos e fala doce
Que construiu a Grande Muralha
E que constrói a vida
E que, se tem tempo, se ri de nós,
Da nossa pele descolorida,
Dos nossos olhos redondos
E dos erres engraçados com que falamos.
Era no tempo de uma China
governada por um Chiang Kai Shek atilado e simpático, mais tarde a governar de
Tai Wan, que se chamava então Ilha Formosa, e sucederam-se as coisas tenebrosas
de que a escritora chinesa Jung Chang
dá conta, na sua extraordinária epopeia biográfica, onde perpassam três gerações
de mulheres chinesas – avó, mãe e filha: “Cisnes
Selvagens” – escrito já após a era maoísta. Um regime repressivo ainda hoje, onde tudo parece equilíbrio e
compostura, que se vê em muitas manifestações culturais, entre as quais os seus
Jogos Olímpicos, impecáveis em rigor e arte.
Mas os tempos são outros, as perspectivas para uma China economicamente
avassaladora do mundo já estão desencadeadas, e o novo presidente chinês- Xi Jinping -
não deixa os seus créditos
por mãos alheias, e rebaixou-se a vir aqui, onde os nossos governantes são um
alvo fácil, de ínfimo valor na sua subserviência – Portugal apenas servindo de porta
de entrada para a difusão mercantil chinesa pela Europa, a América sendo para
mais tarde recordar.
Francisco Assis adverte conscientemente sobre o perigo dessa
aliança económica servil entre Portugal e a China, ruído subterrâneo a dar
início àquilo que há muito se previa – o protagonismo chinês na economia
mundial – e quem sabe se na limitação democrática pela imposição das suas
normas rígidas, que talvez até fossem cá precisas, sabe-se lá!.
OPINIÃO
- Não queiramos ser cobaias da
China
Ainda que tal perturbe múltiplos interesses políticos e económicos
acomodados, convém recordar que o regime chinês nada contém de recomendável.
FRANCISCO ASSIs
PÚBLICO, 13 de Dezembro de 2018,
1.“Em
Julho, os cidadãos chineses Li Zhan, Mi Jiuping, Yu Juncong e Fu Changguo,
trabalhadores fabris, foram detidos pelas autoridades do seu país por terem
tentado criar um sindicato. Tais
detenções configuram uma violação da sua liberdade de reunião e associação, bem
como do seu direito de sindicalização. Desde essa data, os quatro homens
permanecem impossibilitados de contactar com as suas famílias e com acesso
muito restrito aos seus advogados, circunstâncias que suscitam sérias
preocupações com o seu bem-estar e levantam dúvidas sobre a possibilidade de
realização de um julgamento isento. Para
além de a China ter ratificado várias Convenções da OIT que incidem sobre
direitos laborais, a lei sindical da República Popular da China, promulgada em
1992, consagra o direito dos trabalhadores chineses de criarem organizações
sindicais de sua livre vontade. À luz destes factos, como pretende a UE
influenciar a China no sentido de garantir o acesso destas quatro pessoas às
suas famílias, aos seus advogados e a um julgamento imparcial, e, mais
latamente, como tenciona pressionar esse país a respeitar os Direitos Humanos,
os Direitos Laborais e os princípios conformadores de um Estado de Direito, no
âmbito do diálogo enquadrado pela Agenda Estratégica para a Cooperação 2020
entre a UE e a China?”.
Na minha condição de deputado no
Parlamento Europeu, coloquei há algumas semanas esta questão à Comissão
Europeia. Fi-lo movido pela intenção de apoiar o esforço que alguns corajosos
sindicalistas chineses teimam em prosseguir, em circunstâncias deveras hostis,
no intuito de dignificar o valor do trabalho e de assegurar remunerações
condignas. Por muito que isso
ofenda um certo pragmatismo imediatista e alheio a qualquer tipo de vinculação
ética, importa apoiar quantos continuam a lutar no contexto extraordinariamente
adverso de uma ditadura pela afirmação dos Direitos Humanos nas suas múltiplas
dimensões.
Ainda que tal perturbe múltiplos
interesses políticos e económicos acomodados, convém recordar que o regime
chinês nada contém de recomendável. Pelo contrário, ele exibe ostensivamente
características execráveis, que não devem suscitar outra reacção que não seja
de repulsa no mundo das democracias ocidentais. Sob a liderança de Xi
Jinping temos assistido a um reforço da componente autocrática, a uma
significativa redução da esfera da autonomia individual e a uma progressiva
instauração de um modelo de controlo público de características marcadamente
totalitárias. Em bom rigor, a China actual já pouco tem
que ver com a utopia comunista de que se continua ilegitimamente a reclamar,
não obstante aproximar-se desta num aspecto fundamental, que consiste na
denegação absoluta do valor da liberdade.
Por mais que estejamos momentaneamente afastados dos Estados Unidos
da América, o que em grande parte se deve à verdadeira tragédia que tem sido a
Administração Trump, não podemos sucumbir à tentação dos cantos de sereia
chineses. Confesso que os comportamentos
exibidos por algumas das mais altas figuras da República Portuguesa aquando da
recente visita do autocrata chinês a Portugal, em particular pelo próprio
Presidente da República, me suscitaram uma epidérmica reacção negativa.
Convenhamos que alguns excessos podiam e deviam ter sido evitados. Ainda não
atingimos o estatuto de pedintes desprovidos de qualquer tipo de dignidade;
estamos, aliás, longe de atingi-lo.
As relações de Portugal com a
China não podem - ou pelo menos não devem - ser tratadas em desconformidade com
os nossos compromissos europeus. O governo português procederá mal se se
pretender desvincular da solidariedade intraeuropeia neste domínio tão
importante. Nenhuma pequena vantagem de curto prazo poderá justificar uma opção
dessa natureza. Com o devido respeito, se agíssemos dessa forma estaríamos a
actuar de forma idêntica a alguns regimes terceiro-mundistas pouco preocupados
com os Direitos Humanos, com a salvaguarda de interesses estratégicos a longo
prazo, ou sequer com a mais elementar noção de dignidade nacional. Contrariamente ao que afirmou de modo leviano e irresponsável uma secretária
de Estado do actual Governo, nós não estamos destinados a ser uma
cobaia europeia ao serviço dos interesses chineses. De tal modo a
tentação chinesa se instalou na sociedade portuguesa que até mesmo cronistas e
analistas aparentemente insuspeitos, por hábito ciosos dos valores e princípios
que identificam como intrínsecos ao projecto europeu, se ajoelham
inesperadamente perante o fascínio exercido pelo Império do Meio. O que
concorrerá para que analistas tão dados à exibição de uma lucidez exigente se
prostrem numa atitude de nítido favorecimento das pretensões chinesas? Há
mistérios que talvez seja melhor não desvendar.
2. Enquanto na China os sindicalistas são despudoradamente perseguidos,
em Portugal as greves sucedem-se com uma frequência e a um ritmo alucinantes.
Algumas colocam sérios problemas de ordem ética. Por muita razão que assista
aos enfermeiros, nada justifica a forma como as suas organizações
representativas se têm comportado. A Ordem dos Enfermeiros tem-se vindo a
descredibilizar publicamente, suscitando uma compreensível repulsa na sociedade
portuguesa. Os sindicatos também não têm estado à altura das suas
responsabilidades. Tudo isto contribui para a ideia de que o Estado é fraco e
está prisioneiro de interesses corporativos pouco interessados com a promoção
do bem comum.
COMENTÁRIOS:
Alforreca Passista: Anti-liberal
fascistas13.12.2018: Comissão
Europeia é tão democrática quanto o regime Chinês!! Os povos europeus vão
celebrar sobre os futuros cadáveres neoliberais da Comissão Europeia e €uro!! A
vontade dos povos europeus pela democracia, progresso e paz prevalecerá sobre a
vontade dos europeístas totalitários como Xico Assis e o alcoólatra Junker!!!
Raquel Azulay, 13.12.2018 : "A
Comissão Europeia é tão democrática quanto o regime Chinês!!": quem foi que disse que o LSD faz mal à saúde?
Raquel Azulay,
14.12.2018: A Comissão Europeia é composta por
pessoas que foram nomeadas por governos nacionais democraticamente eleitos.
Carece de legitimação democrática directa mas acho que não podemos dizer que
não é democrática. O regime chinês não é directa ou
indirectamente democrático. É um regime que hoje interna centenas de milhar de
pessoas por serem muçulmanos, é um regime q criou um sistema de vigilância
social que faz o Big Brother de Orwell corar de inveja, é um regime que paga
250-300€ p/mês a milhões de trabalhadores q trabalham 60 horas por semana, é um
regime que faz desaparecer opositores à velocidade da luz...etc etc ...
Gabriel Moreira, Lisboa 13.12.2018: Por muitos
defeitos que tenha o regime da China, tem também algumas virtudes. Acabou com a
fome milenar naquele país e os povos adquiriram melhor qualidade de vida desde
que ali passou a vigorar o capitalismo de Estado, ao contrário do que existia
nos tempos do livrinho vermelho do Mao Tsé Tung. É assim .Nem tudo é branco e
preto.
Raquel Azulay,
13.12.2018: nós seríamos capazes de eliminar a fome
se enveredássemos por uma revolução à la chinoise, com mão de obra explorada e
reprimida até ao tutano. já ouviu falar do conceito de "despotismo
oriental"? (de Marx). descreve fidedignamente a história contemporânea
chinesa. não vamos ser cobaias da China, esteja descansado Sr Assis. a china é
um tigre de papel colossal, uma PPP com contas por sanar. tenha calma.
Vileiro
Comunicação, Lda, Retorta 13.12.2018: Excelente texto, mais um, de Francisco Assis. Apresenta factos
concretos e com bom senso!
José Manuel
Martins, évora 13.12.2018: uma perfeita anedota: com que então, as
altas figuras do estado acocoraram-se diante dos ditadores capitalocomunistas
chineses, dessolidarizando-se assim da suposta posição europeia, exigentemente
e intransigentemente democrática? Hahaha! E qual foi a resposta que a Comissão
Europeia deu à deputação do ilustre deputado assis? Uma resposta - chinesa?
Terá respondido em yuans? Porque não diz o deputado a verdade: que europa,
europeus, comissões europeias e estado português, todos sem excepção se
acocoram diante da china, como diante do brexit, dos coletes amarelos, de
qualquer sopro de Força que lhes toque, e procuram sobreviver como baratas
tontas através de fugas para a frente avulsas, imediatistas, próprias de uma
classe política de pigmeus que perdeu o norte, quanto mais o 'ocidente'?
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