Um retrato de um homem bom que
conheceu, retrato excepcional de um homem excepcional, Fala-se em Francisco
Sá Carneiro, em Adelino Amaro da Costa (menos), António
Patrício Gouveia disse-nos alguma coisa, em tempo de luta pela vida e
amargura, pelo trambolhão que a Pátria sofrera. Maria João Avillez não receia recordar esse passado das suas lutas
políticas. Um texto de grande beleza e nobreza, que a Internet ajuda também a
reviver.
António Patrício Gouveia
Origem: Wikipédia,
a enciclopédia livre.
António
Patrício Gouveia
• GCIH • |
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Período
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3 de janeiro de 1980 a
4 de dezembro de 1980 |
Dados pessoais
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Nascimento
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Morte
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4 de dezembro de 1980 (32 anos)
Camarate, Loures, Portugal |
Partido
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Profissão
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António Pinto Basto Patrício
de Gouveia • GCIH (Lisboa, 26 de agosto de 1948 — Loures, Camarate, 4 de dezembro de 1980) foi um economista, jornalista e político português,
fundador do Partido Popular Democrático / Partido
Social Democrata, e ainda chefe de gabinete do Primeiro-ministro
de Portugal, Francisco Sá Carneiro, durante cerca de
onze meses, no ano de 1980.
António Patrício Gouveia /premium
OBSERVADOR, 5/12/2018
Tínhamos a vitalidade e o convencimento intactos. Acreditávamos. Talvez
porque após a tormenta da revolução soubéssemos o país bem entregue. E nós, com
ele.
1. Quando ouvi o Salvador Patrício
Gouveia do outro lado do telemóvel “vai haver uma homenagem ao meu pai e eu gostava muito que estivesse”, dizer que
me comovi não é suficiente. Nem exacto. Foi mais que isso, foi como se me
estranhasse a mim mesma: o mundo virara-se para trás e subitamente vi-me
noutro, tão distinto, tão longínquo que não podia fazer outra coisa senão isso
mesmo, estranhar. E sim, comover-me, que foi também o que aconteceu.
A imensa surpresa – tudo ignorava daquela cerimónia — fora afinal menor
do que o reencontro com esse mundo onde uns quantos como o pai do Salvador e eu
própria julgaram ter encontrado o acerto entre nós próprios e quase tudo. Entre
nós e nós, nós e as coisas, nós e a política. Entre nós e o país. Não que
tivéssemos “certezas” –quem as tem? — tínhamos antes a energia de um “valer a
pena” que nos norteava o caminho e os dias, sentíamos uma confiança pouco
experimentada desde a revolução e os duríssimos combates que se lhe seguiram
pela democracia. Tínhamos a vitalidade e o convencimento intactos.
Acreditávamos. Talvez também porque após a tormenta, soubéssemos muito
simplesmente o país bem entregue. E nós, com ele.
2. O pai do Salvador chamava-se
António Patrício Gouveia e era um dos melhores artesãos desse mundo. Encarnava-o,
de certa forma. Talvez devesse escrever também que o António era excepcional,
incomum, inteligente, sério, senhor de alta qualidade intelectual. E decente, o
que é dizer absolutamente tudo sobre alguém, mas gosto de lembrar que era um
homem bom. O substantivo bondade que parece ter caído em desuso, provocará
talvez descrença, sorrisos patetas, quem sabe entediará até leitores. Mas
lembro-me de muito pouca gente e a vida vai-me longa, que tenha feito de si
mesmo uma interpretação da bondade como instrumento de comando do resto: da
inteligência, do relacionamento, da decisão, do modo como olhava (e atendia) o
outro e os outros. Praticou este modus operandi em todas as facetas
da sua vida — privada e pública — pessoal, familiar, social, política, e
fazia-o com um sorriso que parecia estar desde sempre e para todo o sempre
desenhado no seu rosto. Possuía uma vibrante alegria de viver que dispensava o
alarido, um bom senso sereno, uma discrição natural que nunca lhe vetou o magnífico
sentido de humor.
Era um homem de família, com a sua mulher e os três filhos, sabendo
que era de “lá” que partia e para “lá” que queria voltar ao fim do dia, porto
de abrigo entre todos eleito. Era um homem de amigos por quem genuinamente
se interessava, com quem ria, discutia, aprendia ( e ensinava). Era um homem de
exemplo: não se ficava indiferente às suas boas maneiras, á delicada
persistência com que erguia pontes entre confrontos e confrontados; nem se saía
incólume da observação de como publica ou privadamente, reflectia, agia,
realizava, convencia.
E era sobretudo um homem de Deus. Escolhera sê-lo. Mas como são
afinal raras as oportunidades que a vida concede de testemunhar um mistério
quase inexplicável que é esse ininterrupto, secreto, fecundíssimo diálogo
interior de alguém com o sagrado… Para podermos observar depois, como no
silencioso voo de um pássaro, o resultado desse diálogo na vida quotidiana do
“dialogador”.
3. Um belo dia do final de 1972, já economista (ISEG), cruzou-se com o jornalismo. Francisco
Balsemão convidara-o para chefiar a futura secção de Economia do
Expresso que nasceria meses depois. Em boa hora foi, e com Fernando Ulrich ao seu lado, deu
óptima conta do recado. Curioso, interessado, continua a desenvolver uma
cidadania activa, participara na fundação da Sedes, fora um dos fundadores do
Expresso, acompanhara os trabalhos da Ala Liberal. Entretanto já casado,
muda-se em 1976 para Washington para cursar Estudos Internacionais na Universidade
de John Hopkins. Nascem três filhos. Tinha o interesse agudo pelas relações
internacionais, a diplomacia, a política externa. Nada lhe era estranho nesse
mundo que tanto o interpelava (entre outros actos e colaborações participara em
duas Assembleias Gerais das Nações Unidas, pela representação portuguesa, em
1973 e 74, mas a força das coisas coloca-o definitivamente noutro tabuleiro: o da política interna onde já há muito já
se dera por ele. Trabalhou com Francisco Sá Carneiro, entre 1974/5, depois, com
Emídio Guerreiro e novamente com Sá Carneiro entre 1975 e 1980.
Em 1979, formado o governo da
vitoriosa AD, António Patrício Gouveia iria transformar-se numa peça essencial
na política governamental como chefe de gabinete do primeiro-ministro e líder
da AD. Serviu Sá Carneiro, a política e a sua pátria com talento, devoção e
exigência. Era o início da caminhada radiosa para aquele homem bom, aquele
também radiante António Patrício Gouveia. Assim o víamos e assim falávamos dele
uns com os outros, nesse tempo de tão boas expectativas.
4. A cerimónia de homenagem a
António Patrício Gouveia (para a qual o ISEG e a sua presidente Clara
Raposo muito bem acolheram quem lá acorreu a recordá-lo) parecia saída desse
mundo que o António ajudara a construir.
No tom, nas palavras ouvidas, nas boas maneiras, na dignidade, na
qualidade das intervenções, no puro encanto a sépia de algumas pequenas e
grandes histórias recordadas. Como se regidas por uma invisível batuta,
“ouviu-se” a sintonia dos testemunhos de três gerações em inspiradíssimas
evocações. Clara Raposo, Fernando Ulrich, João Salgueiro, Mota Amaral, a
filha Madalena Patrício Gouveia devolveram-nos o António. Vivo, igual a ele
próprio. Como agradecer-lhes?
5. Instantes após Marcelo Rebelo de Sousa (que também interveio) ter
condecorado António Patrício Gouveia, no final desta homenagem, ouço Francisco
Balsemão referir-me “o atraso daquele gesto”. Espantei-me, Balsemão
elucidou-me: ele próprio, quando era primeiro-ministro, em 1981, propusera ao
então Chefe de Estado, Ramalho Eanes, condecorar António Patrício Gouveia. A
resposta foi um veto.
6. Podia ainda dizer que Deus abençoara António Patrício Gouveia com o
melhor, dotando-o com tudo o que faz de um homem, um Homem. Mas como muito bem
sabemos, Deus fez dele um “escolhido”. Entre a multidão dos chamados, o António
foi um dos seus escolhidos.
7. Escrevo estas linhas a 4 de Dezembro. Faz agora exactamente 38 anos
quando um outro dia 4, chamada aos gritos aflitos por uma filha de 13 anos, já
só ouvi ”… e António Patricio Gouveia”.
Ouvira o suficientemente inaudível.
COMENTÁRIO:
Domingas Coutinho: Parabéns
Maria João por este texto. Há que enaltecer os grandes Homens que Portugal
também teve e graças a Deus ainda tem, para que as qualidades realmente
importantes não caiam em desuso. Devo dizer-lhe que aprecio muito as suas
crónicas.
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